Disputa pela água adquire
múltiplas formas no México.
por
Emilio Godoy, da IPS
Ativistas do Greenpeace protestam em 2014 no rio
Santiago, no Estado mexicano de Jalisco, contra a contaminação industrial dos
afluentes. Foto: Cortesia do Greenpeace.
Cidade do México, México, 23/3/2015 – Laura Romero
só recebe água durante algumas horas por dia e pelo menos uma vez por semana
fica sem, por isso é obrigada a armazená-la em baldes, como seus vizinhos de um
bairro do norte da capital mexicana. “Quando não há água enviam caminhão para abastecer.
Insistimos que reparem a infraestrutura, porque há vazamentos, mas dizem que
antes devem fazer um anteprojeto” para calcular custos, explicou à IPS a
ativista da Frente de Organizações Sociais em Defesa de Azcapotzalco, seu
bairro.
A Frente administra dinheiro público para construir
moradias populares a baixo custo e condições preferenciais nesse bairro de
classe média. Em dezembro concluiu um lote delas, às quais o Sistema de Águas
da Cidade do México se nega a fornecer serviço e temem que ocorra o mesmo com
outro projeto que começaram a construir .“O governo nos diz que cada pessoa
deve pagar oito mil pesos (US$ 350) pela ligação”, contou Romero.
Por outro lado, na região operam pelo menos seis
centros comerciais e um centro de espetáculos que contam permanentemente com
água. Problemas de abastecimento e de qualidade, contaminação, posse e
superexploração cercam o recurso neste país de 118 milhões de habitantes,
quando foi celebrado, no dia 22, o Dia Mundial da Água, este ano dedicado ao
vínculo essencial entre o líquido e o desenvolvimento sustentável.
No México a água é considerada um bem público e
nacional, pelo qual é responsável a Comissão Nacional de Água (Conagua). É
administrado pelo governo central, e pelos Estados e municípios, que podem
entregar concessões para sua distribuição e manejo, incluindo entregas aos
setores industrial e agropecuário.
Até agora, os problemas no país com a água não
melhoraram depois que em 2012 uma reforma da Constituição qualificou o recurso
com um direito humano. “Há corpos de água contaminados, há comunidades com
problemas de abastecimento”, disse Omar Arellano, coordenador do grupo de
Ecotoxicologia do Programa Observatório Socioambiental da União de Cientistas
Comprometidos com a Sociedade.
Entre as causas, este acadêmico do Instituto de
Pesquisas Biomédicas, da estatal Universidade Nacional Autônoma do México,
afirmou à IPS que está o fato de “nos últimos anos ter havido uma gestão de
transposições que coloca em risco populações e altera os ciclos hídricos”.
Arellano é um dos autores do informe de 2012 A Contaminação na Bacia do Rio
Santiago e a Saúde Pública na Região, que encontrou 280 empresas que lançam
substâncias tóxicas em suas águas.
Além disso, esse caudal, situado no Estado de
Jalisco, abriga 1.090 contaminantes perigosos, um risco para o ambiente e para
a saúde de aproximadamente 700 mil pessoas, que moram em sua ribeira. A
situação com essa bacia é um exemplo do que ocorre em outras partes da
geografia mexicana.
Empregados da estatal do Departamento de Água e
Saneamento da cidade de Toluca, no Estado do México, vizinho à capital,
realizam tarefas de manutenção em uma estação de água. Foto: Cortesia do
Departamento de Água e Saneamento de Toluca.
O Programa Nacional Hídrico (PNH) 2014-2018 indica
que a disponibilidade natural média de água no México caiu de 18.035 metros
cúbicos anuais por habitante, em 1950, para 3.982, em 2013.
Apesar da queda, a
disponibilidade não é um problema, segundo os parâmetros da Organização das
Nações Unidas (ONU), segundo os quais um país com menos de mil metros cúbicos
anuais por habitante tem escassez de água e aqueles com nível entre mil e 1.700
metros cúbicos por pessoa sofre dificuldades hídricas.
Em termos absolutos, o México tem disponibilidade
anual média de 471 mil metros cúbicos, segundo o Atlas 2013 da Conagua, somando
as águas superficiais e subterrâneas e a importação de água do vizinho Estados
Unidos por tratados bilaterais. Mas quase 14 milhões de pessoas carecem do
recurso em suas casas. Os Estados onde o problema é maior são Veracruz, Guerrero
e México, este vizinho à capital.
Além disso, no país há 34 milhões de pessoas que
dependem de aquíferos em processo de esgotamento para obter água. O PNH
reconhece que os grupos étnicos minoritários e as mulheres, principalmente no
meio rural e na periferia urbana, são os que mais sofrem a carência de água
potável e saneamento.
Claudia Campero, representante para a América
Latina do não governamental e canadense Projeto Planeta Azul, disse à IPS que a
reforma constitucional “é a oportunidade de mudar de modelo, queremos uma visão
sustentável da água”. O México deveria modificar a Lei Geral de Águas de 1992
antes de fevereiro de 2013, para adaptá-la à reforma constitucional de 2012,
mas isso ainda não aconteceu.
Enquanto isso, a disputa pelo recurso entre
usuários, comunidades e organizações e o governo mais os interesses privados se
agravaram por duas iniciativas de lei que se contrapõem. No dia 9 de fevereiro,
uma coalizão de organizações e acadêmicos apresentou sua proposta de Lei Geral
de Águas, que garante o líquido para o consumo humano, as atividades
econômicas, a retroalimentação dos sistemas, o manejo local em nível de bacia e
a criação de um fundo especial.
Antes, em março de 2014, a Conagua enviou ao
Congresso um projeto de lei, mas seu texto recebeu rejeição em massa, o que
levou os parlamentares a retirarem o texto de sua agenda no dia 9 deste mês.
Organizações e acadêmicos vetaram a iniciativa por considerarem que privatiza o
serviço, concede um status mercantil ao recurso, proíbe a pesquisa sobre
sua qualidade e contaminação, favorece a transposição de rios e a construção de
obras com represas. “Corre-se o risco de aumentar a desigualdade. Precisamos de
uma gestão integral da água”, pontuou Arellano.
A privatização de fato do serviço avança lentamente
no México por diferentes caminhos. Nas cidades de Saltillo, ao norte da Cidade
do México, e Aguascalientes, no centro do país, a administração da água está
nas mãos de particulares. Na capital do país, operam quatro concessões privadas
para medição e cobrança do serviço. Além disso, fábricas de cerveja, lácteos,
engarrafadoras de água, fabricantes de água com gás, mineradoras e até fundos
de investimento estão obtendo concessões de fontes hídricas, como atestam
investigações feitas por vários acadêmicos.
A rede Água para Todos, composta por mais de 400
pesquisadores e 30 organizações não governamentais, criou um mapa de conflitos
hídricos por desmatamento, superexploração, contaminação e outras causas.
Em 2013, o volume entregue em concessão para
extração com fins agrícolas e industriais ultrapassou os 82 bilhões de metros
cúbicos, dos quais quase 51 bilhões são fontes superficiais e 31 bilhões são
aquíferos. Falta transparência de empresas que se beneficiam da privatização.
“Não é necessário esperar 20 anos para ver seus efeitos”, ressaltou Campero.
O México é um país altamente vulnerável à mudança
climática com variações de temperatura e precipitação fluvial, por isso se
prevê que até 2030 poderá sofrer efeitos sobre disponibilidade de água
superficial e subterrânea. Em mais 15 anos estima-se que a demanda vai superar
os 91 bilhões de metros cúbicos e que a oferta será de 68 bilhões de metros
cúbicos, brecha para a qual ainda não se visualiza soluções inovadoras.
“Queremos água, não é justo o Estado nos negar o
acesso”, ressaltou Romero do bairro de Azcapotzalco.
Fonte: ENVOLVERDE
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