O desconforto da busca pela
sustentabilidade.
por Nádia
Rebouças, da Plurale
Foto: http://www.shutterstock.com/
Estamos num tempo de avaliar o sentido da coragem.
A coragem de ter mais trabalho por estar consciente e perceber que passamos as
últimas décadas criando confortos insustentáveis!
Vou começar falando de minha primeira ida à
Inglaterra quando tinha uns 24 anos de idade. Eu estava fascinada por viajar e
conhecer novas culturas, novas formas de viver, de comer, de se divertir etc.
Nada me escandalizou mais do que tentar lavar a louça numa casa inglesa. Sempre
fui participativa e sempre foi impossível estar numa casa, jantar ou almoçar e
não participar do desmonte da cena. Sou sempre a primeira a ajudar e assim
cheguei na cozinha para lavar a louça. Normalmente, como havia feito por toda a
vida, abri a torneira e comecei a ensaboar um prato debaixo da torneira aberta.
Conversando descontraída fui percebendo olhares e de repente a dona da casa
pegou a bacia que estava em cima da pia ao lado e colocou dentro da pia. Fechou
a torneira, depois de encher a bacia. Não entendi muito bem o sentido do ato.
Alguém me chamou e fui atender. Quando voltei, o impacto! A dona da casa
continuou minha tarefa. A torneira não era usada como eu sempre havia feito até
ali. A louça era lavada dentro da água da bacia, que só era trocada depois de
muito tempo. Minha reação foi imediata: não comeria mais naqueles pratos tão
pouco limpos! Não podia entender o porquê de lavar a louça daquela forma.
A partir daquele momento comecei a reparar que os apartamentos
não eram limpíssimos como os nossos, não haviam empregadas domésticas e tudo
era feito de forma prática, rápida, com produtos de limpeza diferentes,
esponjas e vassouras diferentes. Para uma jovem tudo era motivo para fazer
perguntas. Tomei coragem e fiz as várias perguntas, que dançavam pela minha
cabeça, para uma amiga mais próxima. A resposta me faz pensar até hoje:
– É… vocês no Brasil nunca passaram por uma guerra
e acho que por isso vivem como se tudo fosse abundante e não fosse faltar. Aqui
aprendemos o valor da água, da energia, por que durante muito tempo todo o
conforto nos fez muita falta! Aprendemos a economizar, a não desperdiçar.
Pois bem, nos últimos tempos a falta foi tomando
concretude em todas as partes do planeta. Hora falta, ora excede. Falta calor,
excede calor. Falta água, ou acontecem inundações. Nada disso deixou de ser
anunciado pelos cientistas desde meados da década de 60. Não ouvimos, não
acreditamos.
Muitos ainda não acreditam. Para mudar é absolutamente necessário primeiro
tomar consciência. Isso pode acontecer em segundos, ou pode levar toda sua
vida. Depende de alguma informação conseguir chegar a sua consciência. Por
exemplo: água é um recurso finito. Você pode ter ouvido isso mil vezes, mas seu
stress de atenção favoreceu que essa informação entrasse e saísse de você sem
que chegasse a sua consciência. Não ganhou significado e portanto não vai
ganhar significância na sua vida. Não mudará seus comportamentos cotidianos com
relação a água. Não vai pegar bacia para lavar a louça.
Mas, numa grande crise hídrica, que de forma
surpreendente te mostra que a água não nasce dentro da torneira, e que não
adianta abri-la que o líquido precioso não jorra, (aí você já começa a entender
que ele é precioso) você poderá ter um insight (nada mais do que uma luzinha
que toca você lá dentro do cérebro, na sua mente) que mudará todo seu
comportamento cotidiano com relação à água. Melhor ainda será uma divulgadora
da água como recurso finito. Poderá até ficar bem chata para seus amigos por
algum tempo. Assim será com tudo que você for transformar que virou hábito. Dá
trabalho, porque você vai ter que pensar por muito tempo, fechar a torneira das
pias no banho, para escovar os dentes, para tomar banho. Vai demorar para que
tenha respeito à água.
Coloque essa percepção em ação para todos os
convites que você tem recebido nos últimos anos para mudar comportamentos! Dá
um trabalho danado aprender a reciclar, mudar hábitos alimentares, aprender que
você será a melhor pessoa para preparar seu alimento, deixar os restaurantes a
quilos, as latinhas e caixinhas para trás, perceber o açúcar e a diminuição
dele no seu metabolismo e até na sua aparência. Leva-se tempo para mudar, como
leva-se tempo para tocar um instrumento, construir uma casa, fazer um filho
etc.
Há uma exigência de coragem, determinação,
paciência com suas falhas e esquecimento, enfrentamento da preguiça e
perseverança. Andei de carro a vida inteira como agora de ônibus? Deixei sempre
as luzes acesas e os aparelhos na tomada, como me tornar consciente nos meus
passos diários? É no meio desses desafios que vão nascendo seres comprometidos
com a sustentabilidade.
Tarefa para corajosos.
Ponha isso na dimensão das empresas. Nos produtos
testados e aprovados por anos e anos e que de repente se percebe o mal que
fazem. Aos procedimentos de produção, tão mecânicos, e tão difíceis de
transformar, às vezes comportamento de milhares de empregados. Um produto que
produzimos automaticamente como a corrupção, nem estou falando das gigantes que
estamos conhecendo, mas das pequenas que cada um de nós cometeu com o jeitinho
que nos caracteriza, como eliminar? Não é fácil, é tarefa para corajosos. Dá
trabalho ser sustentável. E sem dúvida essa é a tarefa para as empresas, que
avançaram no expor conteúdos, conceitos. Para nós que falamos demais no tema. O
desafio é sair do discurso e enfrentar a preguiça, o desafio para lucrar de
outra forma, abrir mão do mundo confortável insustentável que inventamos nas
últimas décadas e passar a ter o bom trabalho, aquele que é parceiro da
natureza.
Por isso não acredite quando uma pessoa ou uma
empresa se declarar sustentável. Não perceba isso como uma culpa para você que
só começou, ou pensa em começar. Não há sustentabilidade hoje.
Existem pessoas
e negócios que resolveram andar por essa nova estrada e com coragem. Temos um
jeito de viver para reinventar.
* Texto-base da palestra de Nádia Rebouças,
consultora em Sustentabilidade e Comunicação para a Transformação, no IV Fórum
Internacional ABA de Sustentabilidade.
Fonte: Agência Fapesp
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