Patrimônio ameaçado.
por
Claudia Izique, da Agência Fapesp
Mudanças climáticas agravarão risco de deterioração
de edificações do Vale Histórico Paulista, indica pesquisa apoiada pela Fapesp.
Foto: www.valehistoricopaulista.com.br.
Agência Fapesp – A produção cafeeira fez do Vale
Histórico Paulista – incrustado na Serra da Bocaina, no Vale do Paraíba – uma
das regiões mais ricas do país em meados do século 19. O período de opulência
terminou quando o café se deslocou para o oeste de São Paulo, deixando para
trás uma região economicamente decadente – que Monteiro Lobato descreveu no
conto Cidades Mortas, publicado em 1919 em livro homônimo – e um importante
conjunto arquitetônico de estilo colonial e neoclássico.
Distantes do traçado da Via Dutra, inaugurada em
1951, essas cidades permaneceram à margem da nova dinâmica industrial do país,
perderam população – algumas têm menos de 10 mil habitantes – e parte da
identidade com o passado.
No final do século 20, muitos municípios buscaram
saída no turismo e na utilização do patrimônio cultural para a geração de
renda, redefinindo a ocupação de imóveis urbanos coloniais e de antigas
fazendas de café.
“Apenas em Bananal alguns prédios são tombados.
Contudo, nesse e nos demais municípios, a renovação do espaço desvaloriza
elementos e conteúdos históricos”, afirma Silvia Helena Zanirato, professora do
curso de Gestão Ambiental da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da
Universidade de São Paulo (USP).
A falta de conhecimento e de orientação técnica
compromete a conservação dos imóveis, e o risco a que está exposto esse
patrimônio vai se agravar ante outro problema: o Vale Histórico Paulista é
considerado região de grande vulnerabilidade às mudanças climáticas por abrigar
lugares com médias altas de precipitação e de umidade relativa do ar, além de
registrar alta intensidade de raios, acrescenta Zanirato.
A avaliação desse conjunto de riscos foi tema do
projeto “Patrimônio Cultural do Vale Histórico
Paulista: análise da vulnerabilidade às mudanças climáticas”,
apoiado pela FAPESP no âmbito de acordo de cooperação com o Conselho Estadual
do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat), e
coordenado por Zanirato.
Além do inventário do patrimônio arquitetônico de
seis municípios – Silveiras, Areias, São José do Barreiro, Arapeí, Queluz e
Bananal –, a equipe de pesquisadores analisou as condições dos imóveis no
cenário climático atual, projetando riscos em um cenário futuro, de 2070 a
2100. “Utilizamos dados coletados em estações meteorológicas para descrever a
situação atual e, para o clima futuro, simulações numéricas de modelo regional
(RecCM3) e global (HadCM3 e ECHAM5)”, ela detalha.
As simulações indicaram que a região deverá
conviver, no futuro, com um aumento médio de 3 ºC na temperatura e aumento das
precipitações mensais e na velocidade dos ventos, sobretudo entre maio e
agosto, antecedida de redução da umidade relativa no inverno. O impacto dessa
alteração nos ambientes internos variará em função do local onde estão
assentadas as edificações, de sua divisão interna e da circulação do ar.
O passo seguinte do estudo foi inventariar o
patrimônio remanescente dos séculos 18 a 20, tanto no meio urbano como rural,
tendo como base modelo do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan) para definir ações de conservação. Os resultados desse
levantamento estão armazenados no site www.valehistoricopaulista.com.br.
Entre 2012 e 2014, foram analisados 195 imóveis que
já apresentam riscos. A maioria das edificações do período cafeeiro, que tem
embasamento em pedras seca, estruturas em argila e madeira e empregam pau a
pique, taipa de pilão ou adobe, apresenta umidade interna e externa, fissuras e
rachaduras nas paredes, entre outros.
Boa parte delas está em áreas sujeitas a
escorregamento de solo e solapamento ou próxima a rios e córregos.
Muitas apresentavam infestação de cupim no
madeiramento, em especial no piso, teto e aberturas, além de problemas como
escorregamento de telhas, gotejamento, umidade, rachaduras na parede, entre
outros. “Isso sem falar nas edificações que sofreram reparação com materiais
contemporâneos, incompatíveis com suas estruturas originais”, sublinha
Zanirato.
O inventario incluiu a análise, sequenciamento e
identificação molecular de amostragem de agentes biológicos e sua relação com o
material das edificações, ou seja, sua capacidade de consumir materiais que
contêm celulose. “Os resultados confirmaram que o ar no interior das
edificações é um agente de contaminação e dispersão de microrganismos que
causam danos à estrutura física de móveis e imóveis e levam à degradação”, ela
afirma.
“Como os responsáveis pelas edificações não têm
conhecimento técnicos sobre conservação das edificações, lançam mão de
artifícios inadequados como, por exemplo, o de tentar eliminar cupins com
querosene”, acrescenta.
As estruturas contínuas – de taipa e adobe –
facilitam a colonização por microrganismos, já que favorecem o transporte de
água. “Estruturas de pau a pique, por seu lado, auxiliam a infestação por
insetos xilófagos”, acrescenta.
Educação patrimonial
O aumento de temperatura e das precipitações tendem
a agravar esse quadro. “As condições de conservação da edificação, boa
manutenção, respeito aos materiais originais e isenção de intervenções
inapropriadas, são atitudes mínimas para a prevenção do problema da degradação”,
afirma Zanirato.
“Um passo importante é qualificar o poder público
local para que ele oriente o cidadão na manutenção do patrimônio”, ela
recomenda. Igualmente importante, acrescenta, é estimular a educação
patrimonial e promover na população o sentido de “pertencimento” para que ela
se identifique com sua história e atue em prol da conservação de seu legado. E
ressalva: “É preciso reconhecer também os usos sociais do patrimônio. Além de
moradia, na região, o patrimônio é também uma fonte de geração de renda para os
proprietários.”
O projeto, encerrado em 2014, traz uma série de
recomendações para o curto, médio e longo prazos “É urgente a implantação na
região de uma representação do Condephaat e a criação de organizações
participativas em nível local”, exemplifica Zanirato.
Em médio prazo, sugere-se a implementação de
sistema de incentivos e subsídios para a recuperação e manutenção do patrimônio
edificado e, no futuro, a promoção de ações compartilhadas com outras
instituições – em especial, do meio ambiente –, que tratem o patrimônio em uma
perspectiva ampla, que considerem também a sua condição de local de moradia e
gerador de renda.
Fonte: Agência Fapesp
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