Plásticos
e bicicletas na construção do processo civilizatório.
A questão de fundo vai muito além de sacolas e
bicicletas, mas da construção de uma cidadania mais efetiva. Foto: Reprodução.
Por Reinaldo Canto –
As responsabilidades passam pelo uso correto dos
materiais, bem como na ocupação civilizada do espaço público. Tudo isso para
que, um dia, possamos ter viver em cidades mais humanas.
Aparentemente menores diante das crises, econômica
e política atuais, as acirradas discussões em torno da cobrança de sacolas
plásticas e a instalação de ciclovias,
ocupam um espaço importante no debate sobre o nosso futuro.
Isso passa, basicamente, pelo acirramento da
barbárie ou pela busca de uma cidadania mais efetiva que busque harmonizar o
convívio e a qualidade de vida nos centros urbanos brasileiros.
Não é de hoje que o tema cobrança ou não de sacolas plásticas tem
ocupado um lugar de destaque nos noticiários e nas conversas de botequim e
elevador. Em São Paulo, a lei agora em vigor, determina que o comércio é
obrigado a ceder aos clientes apenas sacolas reutilizáveis nas cores verde e
cinza, produzidas com matéria-prima renovável. A exigência fez com que muitos
supermercados passassem a cobrar entre R$0,08 e R$0,10 pelas novas sacolas.
Após a implantação das novas regras, o Opinion, uma
plataforma para pesquisas, realizou um levantamento com 500 pessoas da cidade
de São Paulo. Uma grande maioria, 88% discordam, principalmente no que se
refere a cobrança pelas novas sacolas, mais resistentes, diga-se de passagem.
Diante da indignada revolta, os discordantes
buscaram se calar na tentativa de evitar reações mais agressivas. Mesmo assim,
a pesquisa também constatou que para 39% as novas sacolinhas podem incentivar a
prática de reciclagem de lixo e 53% pretendem utiliza-las para fazer a correta
separação.
Foi comum e ainda é ouvir que o pagamento pelo uso
das sacolinhas plásticas representa apenas mais um roubo a que os cidadãos
brasileiros são submetidos. Nesse caso um sórdido conluio a unir o setor
privado, supermercados à frente e o setor público, nesse caso a Prefeitura de
São Paulo para tungar os ingênuos e sérios consumidores. Afinal, dizem, as
sacolas já estão embutidas nos preços dos produtos e, além do mais, todos as
utilizam e reutilizam da melhor maneira possível, sem desperdício.
Tanto isso não é verdade que basta caminhar poucos
metros pelas ruas da metrópole paulistana para se deparar com sacolinhas
descartadas na via pública, muitas, inclusive, limpas e adequadas para
prosseguir no seu uso, mas cujo novo e real destino será o de poluir, sujar e
entupir as vias públicas, praças e rios da cidade.
O ideal seria bastar uma campanha educativa sobre
os malefícios desse descarte irregular, o desperdício de um material nobre
resultante do petróleo que é um recurso não renovável (isso no caso da
sacolinha tradicional). Há mais ou menos cinco anos uma campanha do Ministério
do Meio Ambiente denominada “Saco é um saco”, recebeu até uma boa divulgação,
cujos resultados foram insuficientes para mudar a realidade.
Apesar de este escriba ter sido sempre criticado
por adotar tal posição, acredito sim, que as sacolinhas devam ser cobradas,
pois de outra maneira, a maioria iria continuar entendendo que essas embalagens
não possuem absolutamente nenhum valor. Também concordo que os supermercados e
o comércio em geral deveriam se esforçar para beneficiar quem recusa o produto
e desse modo tentar provar que as razões para a cobrança não tem o objetivo de
visar lucro.
Ciclovias e a ocupação do espaço público
Assim como o plástico entrou em nossas vidas sem
qualquer reflexão mais aprofundada sobre seus pontos favoráveis e contrários, o
automóvel desde o início do século passado foi visto como uma maravilha da
modernidade. Ao longo dos anos representou um grande sonho de consumo e a sua
popularização obrigou os gestores públicos a adaptar as cidades para o deus
carro ocupar espaços cada vez maiores. Hoje a realidade nas cidades brasileiras
é de caos: carros demais para ruas de menos; congestionamentos infernais;
poluição atmosférica em níveis alarmantes e enormes gastos do poder público com
obras viárias para dar vazão a uma realidade sem futuro.
E por falar em realidade, ela se impõe ao deixar
bastante claro que é impossível continuar baseando a gestão do transporte em
carros particulares. Transporte público eficiente, calçadas efetivamente
transitáveis e ciclovias são caminhos para transformar esse panorama. Até aqui
essa gestão foi simplesmente “da cidade para os carros” e agora começa a se
entender que temos que migrar para uma visão mais civilizada como, “a cidade
para as pessoas”.
A recente inauguração da ciclovia na icônica e
simbólica Avenida Paulista, centro financeiro do país, foi cercada de
polêmicas, ainda mais que agora se estuda fechar a via aos domingos para lazer
dos paulistanos. As ciclovias da capital paulista têm recebido inúmeras
críticas, pois dizem estar sendo feitas sem planejamento.
Não vou entrar no mérito de que algumas parecem
mesmo ter sido feitas às pressas e, claro, caso não estejam de acordo devem ser
revistas. O que chamo a atenção é para a revolta de alguns quanto a pura
existência desses novos espaços, tão comuns nas elogiadas cidades europeias.
Muitas dessas críticas soam como pura indignação, pois subtraem (e isso nem
sempre é verdade) espaços antes ocupados por veículos ou que agora precisam ser
também compartilhados por bicicletas. “Se já não bastassem os corredores de
ônibus, agora mais essa de ciclovias”, pensamentos corriqueiros nem sempre
externados de maneira clara.
A questão de fundo vai muito além de sacolas e
bicicletas, mas da construção de uma cidadania mais efetiva. No entendimento de
como devemos conviver em sociedades cada dia mais complexas e adensadas. As
responsabilidades passam pelo uso correto dos materiais e seus respectivos
descartes, bem como na ocupação civilizada do espaço público. Tudo isso para
que, um dia, possamos ter orgulho de viver em cidades brasileiras mais humanas.
* Reinaldo Canto é jornalista especializado
em Sustentabilidade e Consumo Consciente e pós-graduado em Inteligência
Empresarial e Gestão do Conhecimento. Passou pelas principais emissoras de
televisão e rádio do País. Foi diretor de comunicação do Greenpeace Brasil,
coordenador de comunicação do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente e
colaborador do Instituto Ethos. Atualmente é colaborador e parceiro da
Envolverde, colunista de Carta Capital e assessor de imprensa e consultor da
ONG Iniciativa Verde.
Fonte: Carta Capital
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