Redutos
de inovação.
Na Ilha do Fundão, no Rio, a diversificação no
setor de petróleo e gás é arma para enfrentar crises. Foto: Divulgação Parque
Tecnológico da UFRJ.
De Florianópolis à Paraíba, passando pelo Sudeste,
o País coleciona exemplos do desenvolvimento de ponta. Entre 2000 e 2013, o
número de parques tecnológicos em projeto, implantação e operação saltou de 10
para 94.
Por Sérgio Adeodato, da Página 22 –
Florianópolis, a Ilha da Magia, destaca-se no mapa
urbano nacional pela qualidade de vida, as belezas naturais e o glamour de suas
inúmeras praias. Tal condição tem atraído jovens talentos à graduação e
pesquisa nas universidades locais, com planos de lá permanecer para crescer na
profissão, integrando-se a negócios de ponta, voltados para novas demandas da
sociedade. Assim, ao longo das últimas décadas, o mix de modernidade, cidade
boa para viver e empreendedorismo agregou à fama do lugar um título trabalhado
por políticas públicas como indutor de desenvolvimento econômico – o de capital
brasileira da inovação.
O diferencial reúne hoje cerca de 600 empresas de
tecnologia, responsáveis por um faturamento de R$ 2 bilhões em 2014, o que
representa 20% do Produto Interno Bruto (PIB) do município. O setor já é o
principal gerador de ISS, à frente do turismo. “A região encontrou uma vocação
promissora, para além do comércio e do serviço público”, ressalta José Eduardo
Fiates, diretor-executivo do Sapiens Parque, empreendimento ícone do vigoroso
ambiente de inovação em Florianópolis. São 430 hectares entre o verde das
montanhas e o mar, no bairro de Canasvieiras, parte norte da Ilha – área cedida
pelo governo estadual, que ainda investiu R$ 32 milhões na infraestrutura e
detém 94% do negócio, no formato de Sociedade de Propósito Específico [1].
O objetivo é atrair empresas inovadoras que queiram
adquirir terreno, construir e se fixar na cidade, beneficiando-se do cluster
tecnológico lá instalado. Até o momento, entre os 50 prédios já contratados,
com investimento total de R$ 500 milhões, nove foram construídos e seis estão
em obras, dos quais 70% privados, a maioria do setor de Tecnologia da
Informação (TI). “Apesar das circunstâncias da economia, a demanda permanece
aquecida, pois neste momento a estratégia é a busca de inovação para garantir
competitividade no exterior”, explica Fiates. A meta agora é atrair negócios de
life science (ciências da vida), como o da start-up Neoprospecta, que faz
análise de superbactérias e outros microrganismos com base no sequenciamento do
DNA em larga escala. O projeto conta com R$ 4 milhões do CVentures, fundo de investimento
de risco que opera na cidade, com capital total de R$ 83 milhões.
Em razão do modelo inovador de parceria e da
necessidade de licenciamento ambiental em área de equilíbrio ecológico
sensível, a construção do parque com todos os atrativos previstos – incluindo
centros empresariais, arena cultural e esportiva e até um hotel – caminha mais
devagar que o inicialmente esperado. Entre os prédios em operação está o
InovaLab, espaço de coworking onde funciona uma incubadora de negócios
nascentes, alguns voltados para inovação social. A Sábia Experience, por
exemplo, tem como especialidade plataformas para gestão de riscos e segurança
do trabalho. E integra o Programa MediaX, da Universidade de Stanford, no Vale
do Silício, EUA, que desenvolve soluções para o mercado global.
“Há uma sinergia favorável a pequenos negócios
inovadores, até porque não há em Florianópolis uma estrutura industrial capaz
de reter talentos, e a economia baseada no turismo sazonal é instável”, afirma
Marcos Da-Ré, diretor-executivo do Centro de Economia Verde da Fundação Certi,
mola propulsora do atual modelo, constituído a partir da década de 1980, quando
foi criada a primeira “maternidade” de empresas de base tecnológica na região.
Hoje a instituição emprega 400 pessoas e fatura R$ 60 milhões por ano, com sede
na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Lá são desenvolvidos modelos de negócio replicáveis
que unem conservação da natureza, inovação, impacto social positivo e geração
de valor nas cadeias produtivas. Pesquisadores testam um sistema de produção e
comercialização da erva-mate e do pinhão, obtido das árvores de araucária, para
fornecimento como matéria-prima de produtos inovadores, destinados a
consumidores que aceitam pagar mais caro pela origem sustentável. A conexão tanto
com o mercado como com investidores e empresas que desenvolvem novas aplicações
é realizada por um hub – no caso, uma organização sem fins lucrativos, operada
por pesquisadores da UFSC que passaram por processo de qualificação no campo.
Com apoio da Fundação Grupo Boticário e da
Companhia de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina, o modelo aproxima
fornecedores e compradores e adota regras para redução de impactos e
recuperação dos remanescentes florestais. Até o momento, nove propriedades rurais
participantes do projeto forneceram erva-mate à fabricação de bebida energética
pela indústria americana Guayakí, a preços 130% superiores em relação aos
valores antes pagos aos atravessadores. O pinhão foi fornecido à cervejaria
artesanal Insana, do Paraná, demonstrando a viabilidade do uso do recurso da
biodiversidade, com expressivo aumento de floresta conservada.
A experiência da capital catarinense se replica. “O
ambiente de inovação cria um extraordinário diferencial de qualidade para a
convivência urbana”, avalia Valério Gomes Neto, presidente da Cidade Pedra
Branca, um empreendimento imobiliário urbanístico erguido com atributos de
sustentabilidade na antiga fazenda de veraneio da família, hoje um bairro da
cidade de Palhoça (SC), na Grande Florianópolis. A Universidade do Sul de Santa
Catarina (Unisul), lá instalada, deu dinamismo ao lugar. O plano agora é fazer
parcerias para ir mais longe.
Recife digital
A capacidade de determinado território produzir e
disseminar conhecimento está diretamente ligada à qualidade de vida e aos
padrões da economia. Assim, o apelo urbano marca a proposta do Porto Digital,
no Recife, idealizado para dar vida à zona portuária e ao centro histórico da
cidade, após a sua restauração arquitetônica. Hoje, 250 instituições e empresas
de inovação, com mais de 7 mil colaboradores e faturamento de R$ 1 bilhão por
ano, ocupam 54 mil metros quadrados de galpões e sobrados coloniais. Os
empreendimentos dividem espaço com museus, centros culturais, galerias de arte,
cinemas, livrarias, restaurantes e importantes monumentos, como a mais antiga
sinagoga brasileira, criada durante a dominação holandesa (1630 a 1654).
A efervescência “sociotecnológica” da terra do
músico Chico Science [2] (1966-1997) acontece ao lado dos edifícios históricos
do Marco Zero, onde a cidade nasceu. A mistura do antigo com o moderno foi
decisiva para a requalificação urbana que dinamizou a economia: “Só gastronomia
e vida noturna não seriam suficientes para tornar o bairro, antes decadente,
mais valorizado e atrativo”, argumenta Francisco Saboya, presidente do Porto
Digital, voltado para TI e, mais recentemente, economia criativa. O projeto
atual é direcionar a inovação de modo que promova massa crítica e criação,
pegando carona na identidade local fortemente ligada à arte, música e cultura.
O desenvolvimento de games, design, audiovisuais e animação [3] é destaque, até
mesmo nas conversas de botequim no happy hour, frequentado por um público jovem
qualificado.
Assim, pouco a pouco a inovação passa a ocupar o imaginário
recifense, ao lado de tradições como o frevo e o maracatu. “Dois terços da
renda do polo tecnológico correspondem a serviços exportados para outras
regiões do País, com influência positiva na balança comercial do Estado, para
além de atividades produtivas clássicas, como a cana-de-açúcar e a fruticultura
irrigada”, revela Saboya.
Lá surgiu, por exemplo, o sistema de empréstimo de
bikes (as “laranjinhas”), hoje disseminado em metrópoles como São Paulo e Rio
de Janeiro e já exportado para a Argentina como solução de mobilidade urbana. A
empresa Serttel, do Recife, idealizadora do modelo, desenvolve tecnologias para
gestão de semáforos, talonário de multas e operação de estacionamento público
(Zona Azul Eletrônica).
Como laboratório de experimentação urbana, o Porto
Digital será agora palco de testes com um sistema de carro elétrico
compartilhado. Ao todo, as empresas do parque pernambucano trabalham com 14
aplicações de software, da gestão hospitalar à manutenção de máquinas
industriais.
A empresa Joy Street, localizada no coração do
Recife Antigo, cria plataformas educacionais “gameficadas”, com investimento de
R$ 2,5 milhões do Criatec – fundo ancorado com recursos do Banco do Nordeste e
do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Já a Neurotech
aplica inteligência artificial para aumentar a qualidade de cadastros para
concessão de crédito, com menor risco para bancos e varejo. O ambiente
favorável ao novo atraiu Microsoft e IBM. E também a multinacional de software
Accenture, a maior empresa lá instalada, que tem plano de contratar mil novos
colaboradores até 2017 na cidade. Para 2022, a expectativa do Porto Digital é
triplicar o atual capital humano e dobrar a área de imóveis ocupados por
empreendedores.
Habitats de inovação
A expansão pernambucana segue a tendência de
crescimento desses habitats de inovação no Brasil como um todo. Entre 2000 e
2013, o número de parques tecnológicos brasileiros em projeto, implantação e
operação aumentou de 10 para 94. Do total, 28 estão hoje em pleno
funcionamento, segundo estudo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
(MCTI). Nesses espaços, há cerca de mil empresas [4], geradoras de cerca de 32
mil empregos.
“Tudo começou em meados da década de 1980, com a
ideia de aproveitar laboratórios e mão de obra qualificada das universidades
para constituir negócios capazes de evitar o êxodo de cérebros e permitir
avanços em fronteiras tecnológicas para a competitividade do País no mercado
global”, conta Francilene Garcia, presidente da Associação Nacional de
Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec). Inicialmente,
foram criadas “incubadoras de empresas” no ambiente acadêmico. A partir daí,
sob o impulso de incentivos governamentais e novos marcos legais, o modelo se
sofisticou e tem contribuído para a transferência de conhecimento entre
instituições científicas e o setor empresarial. Até 2013, para cada R$ 1
investido pelo governo federal na implantação e consolidação dos parques
tecnológicos, foram capitalizados outros R$ 4 dos governos estaduais e
municipais e da iniciativa privada, de acordo com o MCTI.
A geografia dos parques tem diferentes contornos.
Alguns nascem em espaços e prédios do governo, com plano de expansão mediante
investimento imobiliário privado. É o caso do Parque Tecnológico de Belo
Horizonte (BH-TEC), que ocupa terreno da Universidade Federal de Minas Gerais,
cedido às empresas sob regime de concessão, por 30 anos. O primeiro prédio, já
em operação, foi construído com recursos públicos. Outros 12 edifícios serão
erguidos pela iniciativa privada, a partir de um parceiro imobiliário
selecionado por licitação pública. Em 2014, o parque faturou R$ 104 milhões e
lançou 33 novos produtos e serviços.
Os primeiros parques tecnológicos foram instalados
nas regiões do Vale do Silício e da Rota 128, nos EUA. O principal precursor
foi o Stanford Research Park, estabelecido em 1951. Seguindo a experiência
americana, o Reino Unido inaugurou o Science Park , em Cambridge. O modelo se
espalhou pela Europa na década de 1990. A China embarcou na onda em 1988, com a
criação do parque Zhongguancun, em Pequim.
Na região de Campinas (SP), 20 instituições
tecnológicas, públicas e privadas, estabeleceram-se ao longo das décadas como
alternativa à saturação da metrópole, São Paulo. Há desde condomínios de
inovação, como o GlobalTech, que abriga laboratórios de empresas globais, como
a Braskem, até o parque científico da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), com 100 mil metros quadrados, onde estão IBM, Samsung, Motorola e
Lenovo, entre outras que consideram estratégica a proximidade com experts da
academia que dominam o conhecimento.
Não raro os polos de inovação influenciam a
dinâmica do território, a partir de uma instituição âncora. Em São José dos
Campos (SP), a indústria aeroespacial prosperou, tendo o Instituto Tecnológico
de Aeronáutica (ITA) como força motriz – modelo que se repete em outros
municípios. Vinte e três parques estão em desenvolvimento ou já em operação no
estado paulista, como o de Sorocaba, o último criado no País.
Buscar alternativas nem sempre financeiramente tão
seguras mas estimulantes faz parte do processo da inovação. A receita envolve
coragem para arriscar e inventar. No Cietec Inovação e Empreendedorismo,
instalado no campus da Universidade de São Paulo (USP), na capital paulista, há
112 empresas incubadas, em sua maioria start-ups criadas por cientistas. Uma
delas, a DEV, especializou-se na “internet das coisas” – uma nova fronteira na
qual não apenas computadores ou celulares, mas a maioria dos objetos, máquinas
e dispositivos estarão conectados em rede, recebendo e enviando dados
instantaneamente, sem fios. “Aplicamos a tecnologia para medir o consumo de
energia, inclusive em cada cômodo de uma residência separadamente”, revela o
empreendedor Camilo Mendes dos Santos, engenheiro dedicado a pesquisas para
aumentar a conectividade dos produtos.
Às vezes, o interesse está em dar suporte à vocação
econômica regional, como deverá ocorrer com o empreendimento planejado para
Cuiabá, dedicado a inovações no agronegócio. No Parque Tecnológico da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, na Ilha do Fundão, o alvo está na busca
de soluções e prestação de serviços no setor de petróleo e gás, em decorrência
de demanda da Petrobras. “A diversificação é um dos caminhos para assegurar a
sustentabilidade em momentos de crise, tanto da empresa como da economia
nacional e da indústria mundial de petróleo [5]”, afirma Maurício Guedes,
diretor-executivo do parque.
A chegada da GE e da L’Oréal ilustra o esforço de
reduzir tal dependência. Com prédios de arquitetura futurista, o parque
consumiu até o momento R$ 1 bilhão de investimentos. As 18 empresas lá
instaladas firmaram 315 contratos com laboratórios e pesquisadores da
universidade, no total de R$ 120 milhões, resultando em dois novos pedidos de
patente por ano, em média. “Queremos dar à cidade maior visibilidade para sua
vocação científica, que não é percebida pelos próprios cariocas”, completa
Guedes.
Em Campina Grande (PB), o Parque Tecnológico da
Paraíba teve a função de dinamizar a economia tradicionalmente baseada na
caprinocultura, no algodão – dizimado pela praga do bicudo – e no turismo do
forró durante as festas juninas. Hoje 90 empresas nas áreas de TI, engenharia e
biomateriais para a medicina povoam o bairro do Bodocongó. Assim, o bom astral
de quem busca o novo e circula pelas universidades confere ao lugar uma
atmosfera empreendedora. Não é à toa que a cidade paraibana oferece uma das
melhores qualidades de vida do interior nordestino.
[1] Modelo de organização empresarial constituída
com ou sem a participação do Estado para o desenvolvimento de uma atividade
específica, podendo adquirir bens móveis ou imóveis.
[2] Ícone do movimento de contracultura manguebeat,
que despontou no Recife, na década de 1990, marcado na música pela mistura de
sons regionais ao eletrônico. A tendência disseminou-se na arquitetura e
gastronomia, aliando a cultura local a referências contemporâneas.
[3] Em apenas quatro anos, no Brasil foram
produzidos 72% mais animações do que na década anterior. O mercado global,
incluindo games, cresce em média 13% ao ano e deve atingir US$ 242 bilhões em
2016.
[4] Quase metade (41,5%) das empresas está na
Região Sudeste. E a maioria atua nos setores de TI, energia e biotecnologia,
respectivamente.
[5] O risco torna-se mais preocupante diante de
possíveis mudanças das regras para investimento em pesquisa e desenvolvimento,
hoje em vigor nos contratos de leilões de petróleo.
Fonte: Página 22
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