Futuro
dos jovens começa com eles.
Todos os dias pode-se ver os integrantes do
movimento Tropical Gems cuidando dos espaços públicos em Madang, cidade na
costa norte de Papua-Nova Guiné. Foto: Catherine Wilson/IPS.
Por Catherine Wilson, da IPS –
Madang, Papua-Nova Guiné, 13/8/2015 – O professor
Zibie Wari fundou a organização Tropical Gems na cidade de Madang, na costa
norte de Papua-Nova Guiné, depois de anos testemunhando como um grande número
de jovens perdia a esperança de ter um futuro por culpa da corrupção e das
promessas não cumpridas de futuro.
Madang chegou a ser a “cidade mais linda do sul do
Pacífico”, mas o que mais deslumbra agora nessa localidade de 29.339 habitantes
é a enorme quantidade de jovens que perambulam durante horas pelo centro,
reunidos sob as árvores ou sentados no chão. “Digo diariamente a eles que devem
ter um sonho. Os que perambulam pelas ruas não têm sonhos nem perspectivas. E
os que não têm visão de futuro não irão em frente”, afirmou Wari.
O movimento Tropical Gems (Gemas Tropicais), que
tem mais de três mil integrantes, se dedica a formar jovens como agentes de
mudança, promovendo atitudes com responsabilidade, resiliência e iniciativa, a
fim de conseguir autonomia. A filosofia do grupo é que, sem importar os enormes
desafios que as pessoas tenham pela frente, sempre há uma solução. Mas as
soluções, as ideias e sua implantação devem começar por cada um.
Dos 493.906 habitantes de toda a província de
Madang, 44% têm menos de 15 anos. Mas apenas 45% destes vão à escola, em parte
devido às dificuldades de deslocamento nas zonas rurais pobres. Isso faz com
que apenas uma pequena parte termine o curso secundário. Em nível nacional, 68%
dos jovens que residem nas cidades não têm trabalho e 86% dos que trabalham o
fazem no setor informal, segundo a Comissão Nacional da Juventude.
Em Papua-Nova Guiné, cerca de 80 mil estudantes
abandonam a escola a cada ano, mas apenas dez mil deles têm possibilidades de
acesso a um emprego formal. A difícil situação econômica dos jovens não condiz
com o crescimento do país, entre 6% e 10% na década passada, graças a uma
economia baseada na extração de recursos, como madeira, minerais e gás natural.
Dos sete milhões de habitantes do país, 40%, ou cerca de 2,8 milhões de
pessoas, vivem na pobreza.
Quase metade da população de Port Moresby, capital
de Papua-Nova Guiné, vive em assentamentos informais, com uma infraestrutura de
água e saneamento deficiente. Foto: Catherine Wilson/IPS.
Papua-Nova Guiné tem uma das economias de maior
crescimento no mundo, mas as vantagens do progresso se concentram em grande
parte nas mãos de funcionários do governo e de investidores privados, o que
deixa pouca margem para o restante da população do país, que ocupa o 157º
lugar, entre 187 países, no índice de desenvolvimento humano.
Na medida em que o país entrega suas riquezas
naturais a investidores privados, pois Papua-Nova Guiné atraiu grandes volumes
de investimento direto estrangeiro na região, uma média de aproximadamente US$
100 milhões ao ano desde 1970, seu povo parece estar cada dia mais pobre e doente.
A geração que representa o futuro do país sofre
enormemente a corrupção endêmica, especialmente o arraigado sistema de
clientelismo político. A maciça apropriação indevida de fundos públicos impede
que sejam melhorados os serviços e a infraestrutura. Perdeu-se quase metade do
orçamento de desenvolvimento, cerca de US$ 2,8 bilhões entre 2009 e 2011,
devido à má administração.
“A forma de lutar contra a corrupção é educar
nossos compatriotas. Não nos sentemos a esperar. Fiquemos de pé e façamos a
diferença”, ressaltou Wari.
Para o movimento Tropical Gems a liderança começou
rejeitando a passividade e assumindo a responsabilidade de ter iniciativa para
melhorar sua própria situação, a de outros e da comunidade. Foto: Catherine
Wilson/IPS.
Dezenas de “líderes”, como são conhecidos os
integrantes do movimento, passam meio dia, todos os dias, nas ruas de Madang
trabalhando, sem cobrar, para retirar o lixo dos espaços públicos e da faixa
costeira e arrumar jardins e parques. A mensagem que passam à população local,
inclusive aos jovens que continuam no limbo, é que o futuro que desejam começa
por eles.
Não falta gente interessada no movimento, criado
por Wari em 2013, com menos de 300 integrantes: foi crescendo até os atuais
três mil, desde adolescentes até pessoas na faixa dos 40 anos, procedentes de
todas as províncias do país. Muitos dos que agora integram o Tropical Gems
viveram situações pessoais difíceis e sofreram a exclusão social, seja pela
pobreza, pela perda de pai ou mãe ou porque não puderam terminar de cursar a
educação básica.
Wari considera que existe uma brecha entre a
educação formal e o mundo real, e muitos jovens do país buscam formas de
enfrentar as forças complexas que moldam suas vidas. Em março, o movimento
recebeu a visita da organização Act Now, de Papua-Nova Guiné, que realiza
painéis de conscientização sobre o uso da terra em relação à monopolização e à
corrupção, no contexto da norma Arrendamentos Especiais para a Agricultura e a
Empresa.
Os proprietários de terras por direito
consuetudinário em Papua-Nova Guiné sofrem as consequências sociais e
ambientais do desmatamento ilegal. Foto: Catherine Wilson/IPS.
A monopolização de terras causou a perda de 5,5
milhões de hectares, 12% da superfície cultivável, para mãos de investidores
estrangeiros, muitos dos quais a usam para explorar madeira, e não projetos
agrícolas que beneficiem as comunidades locais. O Instituto Oakland, com sede
na Califórnia, estima que Papua-Nova Guiné exporta cerca de três milhões de
metros cúbicos de madeira por ano, principalmente para a China.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação
e a Agricultura (FAO) prevê que as florestas comercialmente viáveis do país se
perderão ou se degradarão até 2021 pelo corte comercial, a mineração e o
desmonte para criar lugares destinados à plantação da palma de azeite.
“Em nossos painéis desestimulamos a venda de
terras. Nossos objetivos são conservar o ambiente e valorizar nossa forma de
vida tradicional”, explicou Wari. Também é compartilhado conhecimento
relacionado com capacidades para ganhar a vida, e os líderes do grupo que sabem
tecer, cozinhar e cultivar realizam painéis para que outros aprendam. Alguns,
inclusive, começaram seus próprios empreendimentos.
O movimento Tropical Gems é uma iniciativa de
jovens que surgiu na cidade costeira de Madang, norte de Papua-Nova Guiné, em
2013. Foto: Catherine Wilson/IPS.
Os comentários sobre o trabalho realizado pelo
Tropical Gems chegaram até a capital. E este ano Wari e o grupo receberam um
convite para apresentarem seu projeto no Seminário Waigani, um fórum nacional
que debate os avanços para os objetivos da Visão 2050, que ocorrerá entre os
dias 19 e 21 deste mês, em Port Moresby, organizado pelo governo junto com a
Universidade de Papua-Nova Guiné.
Este país deverá enfrentar muitos obstáculos na
próxima década, em particular na área ambiental, pois tem o problema do aumento
do nível do mar, entre outras consequências da mudança climática. Iniciativas
como o Tropical Gems assentam as bases para uma sociedade mais resiliente do
que a criada pelas autoridades e pelos dirigentes políticos.
* Esta reportagem faz parte de uma série concebida
em colaboração com Ecosocialista Horizons.
Fonte: ENVOLVERDE
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