Um preço
para o carbono.
China carrega a marca de maior emissor absoluto de
gases de efeito estufa do mundo. Foto: Shutterstock
Por Amália Safatle –
Por que estabelecer um preço para o carbono
interessa ao cidadão, às empresas e aos governos.
Estipular um preço para as coisas – produtos e
serviços – é uma forma que a sociedade de mercado encontrou para valorizá-las.
Com os serviços prestados pela natureza, vale o mesmo raciocínio: dar um preço
a eles é uma maneira de reconhecer o valor que têm.
Pode-se argumentar que a natureza não tem preço,
que seu valor é inestimável. Mas não colocar preço algum sobre os serviços que
ela presta acaba emitindo sinais errados: por ser “de graça”, muita gente
entende que a natureza pode ser explorada à vontade, a qualquer custo.
O resultado é que os prejuízos ambientais gerados
por esse uso indiscriminado acabam sendo pagos por toda a sociedade,
especialmente pela parcela mais vulnerável: a que possui menores condições
materiais e tecnológicas de se adaptar a um meio ambiente mais hostil.
Já existem mecanismos econômicos voltados para
corrigir essa distorção: são os chamados princípios do poluidor-pagador e do
conservador-recebedor. Quem polui remunera aqueles que conservam, induzindo a
práticas de proteção e desestimulando a destruição. Essa é uma maneira de usar
a lógica econômica a favor da conservação ambiental.
Sinais perversos
Mas, na prática corrente, não é isso que ocorre.
Coloca-se um preço para os produtos de uma empresa e não para a poluição que
ela gera ao fabricar os produtos. Isso acaba passando uma mensagem perversa: dá
a entender que o produto vale mais que a natureza, gerando o que se chama de falha
de mercado. E, pior que isso: ainda existem subsídios que incentivam
atividades poluidoras, passando sinais ainda mais perversos. O Fundo Monetário
Internacional estima que são dados nada menos do que US$ 5,3 trilhões de
subsídios diretos e indiretos aos combustíveis fósseis no mundo por ano.
Como observa o coordenador do Sistema de Estimativa
de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg) Tasso Azevedo, em artigo publicado
em O Globo, isso equivale a mais de 6% do PIB global e a mais do que o total
dos gastos de saúde em todo o mundo. Segundo dados da Agência Internacional de
Energia, somente os subsídios diretos (valor do combustível abaixo do valor
praticado no mercado internacional) superam todo o investimento recorde em
energias renováveis em 2015, que foi de US$ 315 bilhões.
Externalidades
Em geral, o fabricante embolsa os lucros que teve
com a sua atividade (privatiza os ganhos) e deixa para a sociedade a tarefa de
arcar com os custos de sua poluição (socializa os prejuízos). É o que se chama
de externalidade negativa. Estipular um preço para essa externalidade,
portanto, é uma forma poderosa de estimular a empresa a reduzir os prejuízos
ambientais que causa (mais sobre Externalidades na edição 88 de PÁGINA22).
Essa externalidade negativa pode ser exemplicada
pela contaminação de águas, do solo e do ar, o que causa doenças e reduz a
qualidade de vida. Outro exemplo são os gases de efeito estufa (GEE) lançados
na atmosfera por determinada atividade econômica, modificando o clima
globalmente. Essa mudança provoca uma maior ocorrência e intensidade de eventos
extremos, como secas severas, chuvas torrenciais, tornados, ondas de calor e de
frio que, por sua vez, resultam em deslizamentos e alagamentos, mortes,
migrações em massa, aumento de conflitos, entre outras consequências.
Tudo isso torna as condições mais difíceis para
todos, especialmente os mais pobres, aumentando a desigualdade social dentro e
fora dos países. No dia a dia – e isso já podemos constatar na pele – encarecem
a produção de alimentos e a geração de energia, promovem secas históricas,
impactando a inflação, o custo de vida, a atividade industrial, os empregos, e
aumentam a incidência de doenças tropicais.
No grande cenário, a mudança climática pode
representar um colapso dos sistemas vitais na Terra, com impactos imprevisíveis,
caso o aumento da temperatura global ultrapasse 2 graus em relação ao nível
pré-industrial. Até o momento, a alta média é de 0,8 grau.
Foto: Shutterstock
Para zerar emissões
A quantidade de carbono que já emitimos na Terra,
que é cumulativa, não permite mais que o aumento seja inferior a 2 graus. Sendo
assim, precisamos de políticas que permitam à humanidade se adaptar ao novo
clima definido por esse aumento de temperatura. Para ficarmos dentro do limite
dos 2 graus – conforme acordado entre líderes mundiais na Conferência das
Partes da Convenção-Quadro sobre Mudança do Clima em Cancún, em 2010 –, temos a
tarefa difícil, mas não impossível, de zerar as emissões até o fim deste
século.
A tarefa é tão grande que não podemos abrir mão de
nenhum mecanismo existente, seja ele de comando e controle, definido por
legislações e regulações; seja por meio de campanhas de conscientização,
educação, investimento em pesquisa e tecnologia; seja por meio de um sistema de
comércio de emissões ou de tributação sobre o carbono.
Políticas sobre mudança do clima têm sido adotadas
por um número crescente de países, estados e cidades, fazendo uso de variados
tipos de instrumentos para implementar ações de mitigação. A experiência em
elaboração de políticas para o clima demonstra que, no que se refere ao
objetivo de reduzir emissões de gases de efeito estufa, nenhum instrumento
isolado é suficiente para lidar com a ampla gama de fontes e setores emissores
e, simultaneamente, atingir objetivos de redução ambiciosos a um custo
razoável.
As políticas de comando e controle no Brasil, por
exemplo, embora necessárias, não se mostraram suficientes, tornando novas
abordagens ainda mais urgentes. Enquanto as emissões globais de carbono
cresceram aproximadamente 240% no período entre 1960 e 2008, no País aumentaram
em mais de 680%. Uma das razões é que as atividades de monitoramento e
cumprimento (enforcement) são, normalmente, subfinanciadas, comprometendo os
objetivos da política.
Assim, regulações baseadas em comando e controle
comumente são criticadas por serem opções centralizadas, inflexíveis e mais
custosas que o necessário. Outra desvantagem é que tendem a desencorajar a
inovação, pois geralmente se limitam a estabelecer parâmetros mínimos, não
reconhecendo esforços adicionais.
Instrumentos de incentivo
Nas últimas décadas, como alternativas viáveis para
lidar com as questões ambientais, inclusive a redução de emissões, emergiram
regulações baseadas em incentivos.
Existem diversas formas de usar incentivos para
precificar o carbono e, assim, “internalizar a externalidade”. Pode se dar
através da tributação sobre o carbono emitido; da adoção pelo comércio de
emissões; ou ainda por sistemas híbridos, que combinam características do
comércio e da taxação (conheça as diversas formas de precificação aqui).
Os incentivos podem ainda ser definidos de forma a
compensar aqueles que adotaram práticas menos intensivas em carbono, em vez de
penalizar os que ainda produzem de forma intensiva em carbono.
Para além de internalizar o custo das emissões,
instrumentos de precificação tendem a ser custo-efetivos, ou seja, são capazes
de fazer com que um determinado objetivo seja atingido ao menor custo possível.
Além disso, sinalizam pelo bolso a importância de reduzir as emissões.
Sob determinadas condições, as duas principais
alternativas (tributação ou comércio de emissões) podem atingir resultados
equivalentes em termos de quantidade de abatimento e custo total para a
sociedade. Na prática, existem vantagens e desvantagens para cada uma delas.
A tributação, ou “taxação de carbono”, proporciona
(aos regulados) certeza sobre custos e reduz riscos para investidores, mas pode
não garantir o resultado ambiental desejado. Em contrapartida, um sistema de
comércio de permissões comporta menos incerteza sobre o resultado ambiental,
mas pode resultar em um preço volátil e em riscos para atores econômicos.
Entre as grandes vantagens do comércio de emissões
estão o estímulo à inovação tecnológica de quem produz, a adoção de processos
mais eficientes pelos fornecedores, a busca de produtos menos intensivos em
emissões pelos consumidores e a opção por projetos com menor emissão pelos
investidores.
Isso porque, ao estabelecer um preço para as
emissões, o sistema de comércio fornece incentivos para que produtores
substituam insumos e fontes energéticas por opções de baixa emissão e busquem
novas soluções tecnológicas, que não seriam economicamente viáveis na ausência
desse sistema.
Além disso, quando o custo das emissões é
incorporado ao preço dos produtos e bens finais, fica mais fácil para os
consumidores perceber quais bens e serviços cuja cadeia produtiva é intensiva
em emissões, tornando-se capazes de responder a alterações de preço, ou seja,
evitar determinado produto quando seus preços aumentam, e substituí-lo por um
equivalente de menor intensidade carbônica (saiba mais sobre os prós e os
contras da tributação versus comércio de emissões aqui).
Integrantes da cadeia de valor e os governos estão
cada vez mais atentos à tendência crescente de se precificar o carbono, e
cientes de que esse movimento afetará os negócios e as políticas públicas.
Além disso, diversos países estão estabelecendo
metas de redução, por conta da realização da COP 21 em Paris no fim deste ano
(saiba mais aqui ), e a tendência é que haja cada vez mais compromissos
de mitigação (veja abaixo quadro com tipos de compromisso possíveis). Uma
possível proposta de ação global para lidar com as mudanças do clima, que pode
ser definida na COP 21, provavelmente conterá mecanismos de mercado, ao menos
como uma das formas de reduzir globalmente o nível de emissões.
Assim, informar-se sobre precificação de carbono
passa a ser chave na definição de estratégias e tomada de decisão de empresas e
governos.
Quadro – Cinco tipos de compromisso de mitigação:
- Redução
em relação a um ano-base: reduzir ou controlar o aumento das emissões
absolutas em comparação a um ano ou período-base (histórico).
- Número
fixo de emissões: reduzir ou controlar o aumento das emissões absolutas em
um número fixo para um ano ou período futuro (sem relação a um ano-base
histórico).
- Redução
de intensidade: reduzir ou controlar o aumento da intensidade carbônica
(emissões de GEE por unidade de outra variável, por exemplo, o PIB), em
relação à intensidade carbônica de um ano-base (histórico).
- Compromissos
em comparação a cenário(s) de linha de base: reduzir ou controlar o
aumento das emissões absolutas em comparação às emissões projetadas em
cenários de linha de base. Também conhecidos como cenários business as
usual (BAU).
- Outros tipos de compromissos: podem contemplar um aumento percentual da participação de fontes renováveis na matriz energética, maior eficiência energética, redução do desmatamento etc.
* Este texto faz parte do projeto digital temático
lançado pelo Centro em Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas
(GVces – EAESP/FGV), por meio da Revista Página22. A ideia é usar recursos
multimídia, linguagem leve e formato dinâmico para “traduzir” conteúdos
técnicos produzidos pelo GVces e expandir a mensagem para um círculo mais
amplo. Acesse em: www.p22on.com.br
Fonte: ENVOLVERDE
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