Manifesto
pede proteção a locais sagrados indígenas e sítios com arte rupestre na América
do Sul.
Por Redação do ISA –
Lançado no início de julho, em Lima, Peru, o
documento é fruto de debates que vêm sendo feitos desde o I Congresso
Internacional de Arte Rupestre e Etnografia, realizado em Cochabamba, Bolívia,
no final de 2014.
O Congresso de Cochabamba, realizado em setembro de
2014, na cidade boliviana, buscou estabelecer um diálogo mais aprofundado entre
sistemas de pensamento indígenas e ocidentais em torno do tema da arte rupestre
em escala sul-americana. Contou com a participação de cientistas estudiosos de
arte rupestre e conhecedores-especialistas da família linguística quechua, para
os quais as expressões gráficas indígenas são definidas como quilcas.
Os debates gerados na ocasião, que se desdobraram
na elaboração do Manifesto de Cochabamba, apontam para duas questões
fundamentais no que diz respeito aos sítios de arte rupestre, seu estudo e sua
proteção. A primeira se refere ao fato de que os povos indígenas detentores
desse patrimônio constituído pelos sítios de arte rupestre não podem ser vistos
como meros informantes para a ciência ocidental. Precisam ser reconhecidos como
verdadeiros detentores de conhecimento e autores de pesquisas cultural e cientificamente
relevantes, numa perspectiva mais ampla, intercultural e descolonizadora.
Entende-se que é necessária e urgente a abertura para perspectivas mais
simétricas de investigação, isto é, perspectivas que possam partir do diálogo e
da colaboração mútua entre a ciência ocidental e outros sistemas de pensamento.
Sítio rupestre no Baixo Rio Negro.
Outro ponto crucial das discussões e motivo de
preocupação dos cientistas, conhecedores indígenas e instituições de pesquisa
envolvidos na elaboração do manifesto é a situação de vulnerabilidade em que se
encontram muitos dos lugares sagrados indígenas com arte rupestre na América do
Sul.
Lugares que estão direta e fortemente ameaçados, ou já efetivamente
destruídos pela expansão de grandes obras de infraestrutura (estradas,
hidrelétricas, portos, empreendimentos imobiliários etc) e de exploração
extrativista em escala massiva-industrial de recursos naturais finitos
(mineração, petróleo, gás e etc).
Esse é o caso de uma paisagem sagrada das famílias
linguísticas quechua e aymara denominada Kalantrankani, ameaçada pela especulação
imobiliária nos arredores da cidade de Cochabamba.
Durante o Congresso em 2014
o local foi visitado por uma comissão que elaborou um relatório específico sobre a situação
do sítio. Exemplos semelhantes podem ser citados em quase todos os
países da América do Sul. No Brasil, com os grandes empreendimentos do PAC
(Programa de Aceleração de Crescimento),que se alinham a uma tendência
desenvolvimentista predatória, casos assim vêm se multiplicando de maneira
alarmante, ameaçando seriamente a sobrevivência física e cultural de povos
indígenas e tradicionais e o patrimônio arqueológico e socioambiental do país.
O que se constata é que tanto os biomas sul-americanos
quanto os sítios arqueológicos e os conhecimentos indígenas que integram e
constroem essas paisagens, encontram-se hoje igualmente fragilizados e
ameaçados. Assim, um dos pontos ressaltados pelos especialistas e pelas sete
organizações que assinam o manifesto é a necessidade e a urgência de que os
países sul-americanos se comprometam em criar mecanismos para a proteção
efetiva dos sítios de arte rupestre e lugares sagrados dos povos indígenas do
continente. Leia o manifesto na íntegra espanhol.
O documento será apresentado para a comunidade
científica internacional no XIX Congresso Internacional de Arte Rupestre, que
será realizado em Cáceres, na Espanha, entre 30 de agosto e 4 de setembro
(saiba mais). E a expectativa é que haja uma adesão global ao manifesto por
parte das organizações que estudam arte rupestre em outros continentes e a
ampliação da discussão em torno de seus principais pontos; bem como sua
adaptação a partir de outros contextos semelhantes fora da América do Sul.
Sítio rupestre no Baixo Rio Negro .
Foto: Raoni Valle
Entre novembro e dezembro de 2015 a temática
voltará a ser discutida na América do Sul durante o VI Simpósio Nacional de
Arte Rupestre, que será realizado na cidade peruana de Tacna. O objetivo agora
é envolver cientistas e conhecedores indígenas de diversos povos, como os
Harakbut da Amazônia Peruana e os Munduruku da Amazônia Brasileira, cujos
representantes já manifestaram interesse em participar (saiba mais).
No sentido de ampliar o debate e desenvolver
estratégias para uma ação mais efetiva para a proteção desse patrimônio em
nível continental, conhecedores indígenas e pesquisadores de várias partes do
continente e instituições que trabalham para valorizar e proteger os sítios
sagrados e arqueológicos, estão sendo chamados a colaborar com as discussões. É
o caso das contribuições do ISA, que há vários anos apoia ações de proteção de
sítios sagrados indígenas no noroeste da Amazônia, em iniciativas conjuntas com
organizações indígenas, governos, ONGs e universidades do Brasil e da Colômbia,
por meio de um projeto de cartografia sociocultural denominado Mapeo.
Saiba mais sobre o Projeto Mapeo. Veja também
relatos da primeira etapa da expedição Anaconda do projeto Mapeo e da segunda
etapa.
* Colaboração de Raoni Valle e Gori Tumi Echevarria
Lopez.
Fonte: Instituto Socioambiental
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