Brasil:
potência orgânica?
Foto: Shutterstock
Por Marcia Hirota e Marcos Palmeira* –
Quando pensamos nos benefícios do alimento orgânico
logo nos vem à cabeça os aspectos relacionados à saúde humana, pelo simples
fato de evitarmos o consumo de agrotóxicos. No entanto, as virtudes vão além,
sendo a produção orgânica aliada direta da própria conservação da natureza.
Alimentos orgânicos são produzidos por meio de
técnicas específicas, buscando otimizar recursos naturais e socioeconômicos,
objetivar a sustentabilidade econômica e ecológica e minimizar o uso de
energias não-renováveis, sem empregar materiais sintéticos, organismos
modificados geneticamente ou radiações ionizantes. O objetivo final dos
orgânicos é a saúde da população, mas também a manutenção do equilíbrio do
planeta, já que essa é uma técnica que preserva nossos solos, águas e
biodiversidade.
Outro benefício está no próprio processo de
certificação dessa produção. Para ser certificado, o proprietário de terra
necessita, antes de mais nada, seguir a legislação ambiental, o que inclui, por
exemplo, ter a Reserva Legal e proteger as Áreas de Proteção Ambiental (APPs).
Pode parecer absurdo listarmos esse item como vantagem, mas sabemos que a
realidade do agronegócio ainda está longe do cumprimento da lei. Inclusive,
este é um dos motivos que encarece o produto orgânico e limita muitos pequenos
proprietários de terra a investirem nesse tipo de produção.
Soluções e opções existem. Em Sorocaba, no interior
de São Paulo, um coletivo da sociedade civil, com o apoio da Secretaria
Municipal do Meio Ambiente e parceria da Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar), criou o Grupo de Articulação Regional da Feira de Orgânicos de
Sorocaba (Garfos) para a realização de uma feira de “transição agroecológica”,
justamente para incentivar a produção de orgânicos de Piedade, município
vizinho. Muitos produtores em Piedade, que é um dos principais abastecedores da
Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (CEAGESP), começavam a
trocar os insumos químicos pela agricultura orgânica, mas sem os recursos para
realizar a certificação. Com a feira, que acontece em um parque de Sorocaba
todos os sábados, esses proprietários encontraram um local para comercializar
diretamente sua produção e, assim, levantar os recursos para se certificarem.
Para completar, a iniciativa trabalha ainda em todas as etapas, desde o apoio
ao produtor convencional que quer realizar a transição, o suporte ao pequeno
produtor que encontra resistência para a mudança, a valorização da agricultura
familiar e o estímulo ao consumo de produtos saudáveis.
Tal experiência aponta também o importante papel do
consumidor como incentivador da produção orgânica. Não que a responsabilidade
seja apenas de quem consome, mas gerar demanda é sim uma saída bastante
eficiente para se estimular novas relações de produção, consumo e modelos de
negócio. Um exemplo bastante inovador, e inspirador, é o Instituo Chão,
recentemente inaugurado no bairro da Vila Madalena, em São Paulo, definido
pelos fundadores como “um espaço de convivência e economia social para experimentação
de novas formas de relação”.
Na feira da associação sem fins lucrativos, que
funciona de terça a domingo, os alimentos orgânicos são vendidos pelo preço do
produtor, sem margem de lucro. Além do hortifruti, há ainda um café e
mercearia. O preço chama atenção e já tem gerado procura, mas o mais
interessante é a experiência socioeconômica e solidária, que elimina do preço
final os custos operacionais do ponto de venda e convida os
frequentadores-consumidores a colaborarem espontaneamente com doações para
cobrir tais despesas, expostas com transparência num quadro negro. Vale a
visita!
Agora, já que são tantos os benefícios da produção
orgânica, porque o Brasil investe tão pouco nessa modalidade e continua a bater
recordes no consumo de defensivos agrícolas? O motivo está no nosso modelo de
agricultura pautada na monocultura e na produção de commodities. Esta é uma
base importante para a balança comercial brasileira, tanto que durante a última
década o país cresceu amparado na comercialização de alguns produtos primários,
como a soja, o milho e o algodão. Mas é também um modelo econômico bastante
questionável e que começa a dar sinais de enfraquecimento, com o recuo da
cotação desses produtos no mercado internacional.
Quando se planta e produz numa escala grandiosa e
com uma diversidade baixa, ainda por cima em áreas sem a presença adequada de
florestas, naturalmente ocorrerá o empobrecimento do solo, o descontrole
natural de pragas, a diminuição da população de polinizadores, como as abelhas,
a desproteção dos recursos hídricos e mais uma série de fatores que constituem
o cenário ideal para que o Brasil se mantenha na liderança do consumo mundial
de defensivos agrícolas. Sem contar que estamos falando em commodities, não em
alimentos para a população.
O uso desses produtos é tamanho que o país já
ultrapassou, em 2009, a marca de 1 milhão de toneladas de defensivos por ano,
de acordo com o estudo “Agrotóxicos no Brasil: um guia para ação em defesa da
vida”, de 2011. Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa), nos últimos 40 anos o uso de defensivos agrícolas subiu 700%, frente
ao aumento de 78% da área plantada no Brasil. Números que não devem ser
comemorados e evidenciam o excesso de agrotóxico aplicado em nossas plantações.
Em abril deste ano, o Instituto Nacional do Câncer
(Inca), órgão ligado ao Ministério da Saúde, divulgou nota de posicionamento em
que pede a redução da utilização de agrotóxicos no país, alegando que as atuais
práticas de uso de produtos químicos sintéticos na produção de alimentos
oferecem risco à saúde, tanto das populações que estão expostas aos defensivos
nas regiões de produção agrícola, como também de quem consome o produto final,
em casa. Para se ter uma ideia do imbróglio, dos 50 produtos mais utilizados na
agricultura brasileira, 22 são proibidos na União Europeia.
Além dos problemas para a saúde, os agrotóxicos
representam uma grave ameaça para o meio ambiente, principalmente para os
recursos hídricos. A utilização dos defensivos agrícolas é a segunda maior
causa de contaminação dos rios, ficando atrás apenas do esgoto doméstico. Por
estas e outras é que a produção sustentável, como o cultivo orgânico, continua
sendo um grande desafio para o setor agrícola.
A sociedade precisa se organizar e pressionar o governo
para que reveja sua política de incentivo à produção de agrotóxicos, evite a
liberação de substâncias que já são proibidas em outros países e invista na
redução progressiva desses produtos. Afinal, ainda sonhamos que um dia
viveremos num mundo sustentável, em que a agroecologia se multiplique e o
Brasil se torne o maior celeiro de produtos orgânicos do mundo. É possível
alimentar a humanidade com alimentos orgânicos! (SOS Mata Atlântica/
#Envolverde)
* Marcia Hirota é diretora-executiva da
Fundação SOS Mata Atlântica e Marcos Palmeira é ator e produtor
orgânico.
Fonte: SOS Mata Atlântica
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