Crises
hídricas tendem a se agravar, afirma especialista.
Trizidela do Vale, Maranhão, 2009. Foto: Antonio
Cruz/ABr.
Por Elton Alisson, de São Carlos, da Agência Fapesp
–
A crise hídrica que algumas regiões do Brasil estão
enfrentando atualmente não é um fenômeno atual, mas já vem ocorrendo há muito
tempo no mundo e é caracterizada não apenas pela seca e a falta de água em
regiões, como o Sudeste do país, mas também por extremos hidrológicos, como as
inundações que estão acontecendo na região Sul.
A avaliação foi feita por José Galizia Tundisi,
presidente honorário do Instituto Internacional de Ecologia (IEE), em uma
conferência sobre gestão de recursos hídricos realizada na quinta-feira
(16/07), durante a 57ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência (SBPC).
Aberta no domingo (12/07), a reunião ocorre até o
próximo sábado (18/07), no campus da Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar).
De acordo com Tundisi, as crises hídricas, como as
observadas no Brasil nos últimos anos, vêm acontecendo em diferentes partes do
mundo há séculos e começaram a ficar mais acentuadas a partir da metade do
século 20.
“Em 2014, por exemplo, foi registrada a pior seca
no Nordeste e a maior enchente em Foz do Iguaçu, no Paraná. E, nesta semana, o
Rio Grande do Sul e Santa Catarina têm sido afetados por um volume de chuva
excepcional, que tem causado enchentes e, consequentemente, a perda de
propriedades e ameaçado a população”, apontou.
Algumas das razões do agravamento das crises
hídricas no país e no mundo nas últimas décadas apontadas pelo pesquisador são o
aumento da população em áreas urbanas, que demandam grandes volumes de água e
produzem enormes quantidades de resíduos sólidos e líquidos, além da competição
pelo uso do recurso natural.
Os recursos hídricos continentais, que representam
apenas 2,7% do volume total de água doce da Terra, são usados hoje para
múltiplas atividades humanas, como para produção industrial, agrícola e o
abastecimento residencial.
E as mudanças no uso da terra, como a conversão de
áreas de floresta para a plantação ou pecuária, têm afetado a evapotranspiração
– a transpiração da vegetação que mantém a água na atmosfera.
Essa combinação de fatores tem causado a degradação
da qualidade da água no mundo e um aumento das enchentes e secas que afetam
populações especialmente da periferia das grandes metrópoles, ressaltou
Tundisi.
“As populações da periferia de cidades como São
Paulo, Recife, Salvador, Fortaleza, Nairóbi, Calcutá, Nova Délhi e Bangkok
possuem uma grande vulnerabilidade aos extremos hidrológicos e falta de
acessibilidade à agua”, afirmou.
Enquanto a população moradora no centro de áreas
metropolitanas grandes e médias gasta cerca de 1% de seus salários para
adquirir água, as populações das periferias usam aproximadamente 10% de seus
recursos para ter acesso à água fornecida por carros-pipa, apontou um estudo
realizado em Cochabamba por pesquisadores colaboradores do IIE, ilustrou
Tundisi.
“Ainda há cerca de 768 milhões de pessoas sem
acesso a fontes adequadas de água e 2,5 bilhões de habitantes no planeta sem
acesso a saneamento básico adequado. Isso representa um grande fracasso da
economia mundial”, avaliou.
Evolução do problema
A pedido da Organização das Nações Unidas para a
Educação, Ciência e Cultura (Unesco), o pesquisador realizou um estudo em que
analisou a evolução dos principais problemas que afetaram a qualidade da água
nos últimos 150 anos.
No começo da segunda metade do século 19 havia uma
enorme contaminação das águas de rios europeus pela falta de tratamento de
esgoto, que começou a se agravar a partir do início do século 20 com o aumento
da população urbana, contou Tundisi.
Em 1863, por exemplo, a rainha Vitória (1819-1901),
da Inglaterra, foi pressionada pelo Parlamento britânico a realizar a limpeza
do rio Tâmisa, que banha Oxford e Londres.
“O mau cheiro das águas do rio, que passa próximo
ao Parlamento britânico, fez com que os membros da instituição pressionassem a
rainha a despoluir o rio. Foi o primeiro ato de limpeza de um rio feito no
mundo”, disse Tundisi.
O problema da poluição dos rios no mundo começou a
se agravar no século 20 com o aumento da produção industrial, que começou a
produzir grandes quantidades de metais pesados, contou o pesquisador.
Já a partir da década de 1940, com as explosões
atômicas, houve um aumento dos resíduos radioativos em corpos aquáticos, e em
1960 os lixões nas cidades começaram a contaminar ainda mais as águas
superficiais subterrâneas.
Mais recentemente, a partir das últimas décadas,
começou a ocorrer um processo de degradação das águas relacionado a poluentes
persistentes orgânicos, como pesticidas, herbicidas e hormônios. E, no início
do século 21, emergiram as mudanças climáticas globais, resumiu Tundisi.
“Todos esses processos que ocorreram em,
aproximadamente, 150 anos nos países industrializados, em países em desenvolvimento,
como os BRICs, eles ocorreram em cerca de 70 anos”, comparou.
“Houve uma industrialização rápida nos países em
desenvolvimento. Isso causou um aumento da toxicidade da água, tanto
superficiais como subterrâneas, além de ter efeitos econômicos e na saúde
humana, os quais muitos ainda são desconhecidos”, afirmou.
Segundo o pesquisador, os medicamentos e cosméticos
utilizados pela população mundial são lançados e dissolvidos pela água e não
são retidos pelos sistemas de tratamento hidrológico.
Recentemente descobriu-se que estações de esgoto
estão acumulando bactérias resistentes aos antibióticos lançados na água, o que
representa um problema de saúde pública, apontou o pesquisador.
“Hoje, para analisar todo o conjunto de substâncias
dissolvidas na água é preciso ter laboratórios com equipamento altamente
sofisticados, que são muito caros e não são todos os países que conseguiriam
adquiri-los”, afirmou.
“Temos um projeto com a União Europeia em que
sugerimos a instalação de laboratórios nas Américas do Sul e Central para
fazermos uma análise e levantamento das substâncias presentes nas águas dos
países dessas regiões e estudarmos soluções para eliminá-las”, contou.
Fonte: Agência Fapesp
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