Financiando
a sustentabilidade: Caminhos a percorrer.
A maneira pela qual direcionaremos nossos
investimentos nas próximas décadas pode determinar o destino da população
estimada em 9 bilhões de pessoas. Foto: Shutterstock.
Por Achim Steiner* –
O direcionamento em grande escala de recursos
requer que usemos a cabeça – desencadeando inovações que, por meio de seus
efeitos integradores, criem uma mudança sistêmica nas relações entre os
resultados financeiros e de desenvolvimento sustentável.
Nossa global e complexa economia faz muitas coisas
bem, mas conseguir resultados equitativos e sustentáveis, ou em outras
palavras, ‘desenvolvimento sustentável’, não tem sido um desses pontos fortes.
De mudanças climáticas à necessidade de sociedades inclusivas e sustentáveis, a
ausência de até mesmo os menores sinais leva a investimentos que degradam os
sistemas naturais dos quais a nossa economia tanto depende.
Fazer a mesma coisa repetidas vezes e esperar um
resultado diferente é pouco promissor se estamos buscando alcançar o “futuro
que queremos”. Nós simplesmente não podemos depender do mesmo cenário habitual
para chegar ao desenvolvimento sustentável.
Precisamos, em vez disso, de um cenário bem
diferente para captar e investir a quantia estimada de $ 90 trilhões de dólares
exigida entre agora e 2030, capaz de disponibilizar infraestrutura decisiva em
países que estão modernizando suas economias.
Precisamos ainda de outras dezenas de trilhões para
investir anualmente em pessoas e nas milhões de pequenas e médias empresas que
representam a principal fonte de emprego no mundo.
Para alcançar essa meta, devemos preencher uma
larga lacuna. A Conferência da ONU sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad)
estima que o déficit de financiamento para os países em desenvolvimento some
pelo menos US$ 2,5 trilhões.
Enquanto o financiamento público é escasso em todo
lugar, principalmente após a recente crise financeira e a econômica que a
sucedeu, o capital privado é farto. A verdade clara, no entanto, é que apenas
1% do investimento institucional é direcionado ao desenvolvimento de
infraestrutura, e apenas uma pequena fração disso se encaixa no critério de
desenvolvimento sustentável.
Em um ano como 2015, em que assegurar o
financiamento para o desenvolvimento sustentável incluindo ações relacionadas
ao clima é um tema tão crítico e ambicioso, o panorama da inovação identificado
pelo PNUMA relativo à “Consulta sobre a Elaboração de um Sistema Financeiro
Sustentável”, e as soluções práticas de política pública que o estudo destacou,
mostram claramente que existe a oportunidade de ir além de identificar
‘recursos adicionais’ para o desenvolvimento sustentável, a fim de desenvolver
os contornos de um sistema financeiro internacional adequado às necessidades de
uma economia inclusiva e sustentável do século XXI.
O Inquérito, em síntese, é uma nova iniciativa
global explorando o que será potencial para as mudanças mais importantes em
nosso cenário econômico internacional: a reformulação do sistema financeiro
global de tal forma que desempenhe um papel produtivo e ampliado no
financiamento do desenvolvimento sustentável.
Os governos se reuniram em Adis Abeba para firmar o
compromisso de implementar um quadro global que alcance o financiamento e a
assistência ao desenvolvimento. O quadro é impressionante em sua amplitude,
destacando várias maneiras inovadoras de melhor utilizar o financiamento
público e privado, incluindo os crescentes fundos de economias domésticas em
países em desenvolvimento que acabarão por ultrapassar os fluxos comerciais e
de finanças concessionais internacionais.
E mesmo que a Agenda Adis Abeba seja um
desenvolvimento bem-vindo e promissor, para que seja mais efetiva, uma
abordagem integrada e sistêmica deve ser colocada em prática para acelerar o
tipo de implementação que faça muito mais do que simplesmente cutucar as
beiradas.
Instituições tradicionais financeiras, por exemplo,
continuam relutantes em financiar a transição para a energia solar, mesmo com
os custos mais baixos, principalmente quando os financiadores percebem os
riscos decorrentes de políticas e mercados de concepção precária para atender
os pobres.
Esse ‘círculo de medo’ dos investimentos pode ser
rompido por meio de uma combinação de inovações até agora não relacionadas
entre si.
A primeira é a vantagem distribuída da tecnologia
solar, que permite sistemas menores e menos capital intensivo, que podem
pertencer a clientes, comunidades e pequenas empresas. Podem ser instalados em
telhados de residências ou até em lojas do Walmart, por exemplo. Para residências
em países em desenvolvimento, acrescente-se a isso a nova tecnologia móvel, e
os usuários poderão fazer pagamentos de baixo custo e pequena escala
virtualmente de qualquer lugar do planeta.
Isso permite que clientes mais pobres utilizem o
serviço pré-pago, evitando a necessidade de checagem de crédito e contratos
dispendiosos. Finalmente, a tecnologia on-line facilita a promoção de vaquinhas
virtuais e de financiamento entre particulares capazes de abrir drasticamente
mercados de financiamento sem a necessidade de bancos ou outras instituições
financeiras intermediárias.
Cada uma dessas inovações é interessante, mas
quando “ligamos os pontos” vemos surgir uma nova realidade, juntamente com o
potencial para uma mobilização de escala muito grande de energia limpa que vale
centenas de bilhões de dólares.
A energia, é claro, é apenas uma via, mas serve de
indicador indireto de outros investimentos que estimulam a formação de novas
atividades econômicas, postos de trabalho e economias locais, além de oferecer
a energia elétrica capaz de melhorar a educação, a saúde e o meio ambiente
local. Esses impactos poderão então gerar um ‘círculo virtuoso’ de novas
oportunidades de novas atividades econômicas e de empregos.
O financiamento por si só ilustra ainda melhor o
potencial da mudança sistêmica integrada. Os países em desenvolvimento, em
especial, entendem que as finanças são um sistema que pode atender às
necessidades de desenvolvimento nacional ao investir numa economia sustentável
inclusiva. Por essa óptica, os bancos centrais e reguladores financeiros fazem
mais do que seus congêneres dos países desenvolvidos, que restringem seu foco à
estabilidade financeira e monetária e à integridade do mercado.
O banco central de Bangladesh, por exemplo, fornece
refinanciamento aos bancos que emprestam para a economia rural e projetos
verdes, enquanto o departamento de serviços financeiros da Indonésia adotou um
“Roteiro para o Financiamento Sustentável”.
O banco central do Quênia abriu o caminho ao
estimular serviços financeiros “celulares” que geraram um crescimento
extraordinário da inclusão financeira. Em cada um desses casos, e em muitos
outros, a questão não é que essas medidas estejam sendo tomadas como adicionais
ao ‘costumeiro’.
Essas medidas podem ser uma via para desenvolver um
sistema financeiro saudável, corretamente posicionado em uma estrutura de
política econômica e social mais ampla que, por sua vez, sustenta os esforços
destinados a conquistar os pontos de prioridade nacional.
Mobilizar os recursos financeiros para o
desenvolvimento sustentável não é, portanto, apenas uma questão de conseguir
mais dinheiro de A para B.
O direcionamento em grande escala de recursos
requer que usemos a cabeça – desencadeando inovações que, por meio de seus
efeitos integradores, criem uma mudança sistêmica nas relações entre os
resultados financeiros e de desenvolvimento sustentável.
“Como criamos desenvolvimento sustentável” é, de
forma bem literal, a questão dos trilhões de dólares.
A maneira pela qual direcionaremos nossos investimentos
nas próximas décadas pode determinar o destino da população estimada em 9
bilhões de pessoas que precisarão de comida, energia, ar limpo, água
limpa, mas também solos saudáveis, até meados do século.
* Achim Steiner é subsecretário-geral da ONU e
diretor executivo do Pnuma.
Fonte: ENVOLVERDE
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