A parte que nos cabe.
Se o desafio é grande, as oportunidades também são.
Foto: Shutterstock.
Por Carlos Rittl e André Ferretti –
Entre os anos de 1991 e 2012, mais de metade da
população brasileira teve sua vida afetada por eventos climáticos extremos.
Secas, enchentes e deslizamentos de terra atingiram 127 milhões de pessoas. O
número de registros cresceu 40% na década passada em comparação à anterior,
segundo o Atlas Brasileiro dos Desastres Naturais. Tragédias recentes incluem a
de Santa Catarina, em 2008, e a da serra fluminense, em 2011. Neste ano, um
quinto dos municípios do país entrou em situação de emergência ou de calamidade
pública.
O aquecimento global, combinado com a expansão
urbana e os problemas de desenvolvimento que o Brasil já tem, permite
projetar para este século um cenário sombrio, no qual o número de
atingidos e o custo das tragédias para a economia só fazem crescer. E ninguém
será poupado – como aprenderam os moradores de São Paulo. A ciência do
clima nos deu dois parâmetros a perseguir para minimizar o dano. O
primeiro é um número pequeno: 2ºC. Esse é o limite de aquecimento
global que os governos mundiais chamaram de ‘seguro’ em 2009, quando
concordaram em evitá-lo.
O segundo parâmetro é um número grande: 1 trilhão
de toneladas. Isso é tudo o que a humanidade pode emitir de CO2 até o
ano de 2100 para ter uma chance de evitar que a barreira dos 2ºC seja
rompida. Parece muito, mas todo ano nós emitimos 50 bilhões de
toneladas.
Esse ‘orçamento’ de carbono forma o pano de fundo
das metas de redução de emissõesque os governos do mundo todo deverão
apresentar neste ano para o novo acordo do clima, em Paris. Essas metas são
conhecidas como INDCs, ou Contribuições Nacionalmente Determinadas Pretendidas.
A natureza da negociação internacional
cria nos governos uma disputa para ver quem consegue fazer o mínimo
possível e jogar o maior esforço possível nas costas dos concorrentes. Somadas,
as INDCs dos países ricos nem chegam perto de uma trajetória compatível com os
2ºC. Diante dessa baixa ambição, é de esperar que outros governos
ajam da mesma forma.
O Brasil parece estar jogando esse jogo: os
compromissos apresentados na semana passada pela presidente Dilma em Washington
não sinalizam praticamente nenhum esforço de descarbonização e não se traduzem
em emissões abatidas. É a receita para o desastre.
Para o Brasil, um esforço compatível com sua
responsabilidade e sua capacidade seria chegar a
2030 emitindo no máximo 1 bilhão de toneladas de CO2 por ano. Em
26 de junho, o Observatório do Clima apresentou uma receita de como fazer isso:
será preciso zerar o desmatamento – não só o ilegal, como prometeu a
presidente-, limitar as emissões por uso de energia a cerca de 617 milhões de
toneladas de CO2 e as do setor agropecuário a 280 milhões de toneladas de CO2.
Manter esse limite pressupõe uma ação em políticas
públicas sem paralelo no país desde a era Vargas. Isso inclui
recuperar milhões de hectares em pastagens degradadas, ter 60% dos carros flex rodando
com álcool em 2030 e congelar a expansão das termelétricas a óleo e a carvão.
Se o desafio é grande, as oportunidades também são.
Todas as tecnologias consideradas estão disponíveis no país. Mitigar
emissões na agricultura significa aumentar a renda do
produtor. Nos transportes, significa ressuscitar a indústria dos
biocombustíveis. E, se falar em zerar a perda de florestas em 15 anos parece
sonho, lembre-se do que se dizia há 15 anos sobre controle do
desmatamento na Amazônia.
Não entraram na nossa conta os benefícios
colaterais de tal ação: cidades mais habitáveis e menos vulneráveis, população
mais saudável, um país mais verde, com maior biodiversidade e acesso aos
serviços prestados pelos ecossistemas, como água potável.
Para nós parece um bom negócio.
* Carlos Rittl, 46, é secretário-executivo da
rede de ONGs do Observatório do Clima. André Ferretti, 44, é
gerente da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e coordenador-geral
do Observatório do Clima.
Fonte: ENVOLVERDE
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