Esgoto
tratado favorece agricultura e poupa água para consumo.
Água usada atualmente na irrigação das lavouras
pode ser substituída com segurança pelo efluente, o que pouparia água potável
importante no abastecimento das cidades.
Foto: Shutterstock
Por Fernanda Cruz, da Agência Brasil –
O emprego da água de esgoto tratado (efluente) na
agricultura aumenta a produtividade, segundo estudo do Núcleo de Pesquisa em
Geoquímica e Geofísica da Litosfera da Universidade de São Paulo (USP).
Pesquisadores testaram, durante 15 anos, as vantagens do uso dessa água, que
contém minerais e nutrientes como nitrogênio e fósforo, importantes no
desenvolvimento das plantas.
Para o professor de geoquímica e ambiente da USP,
Adolpho Melfi, a água usada atualmente na irrigação das lavouras pode ser
substituída com segurança pelo efluente, o que pouparia água potável importante
no abastecimento das cidades. “A agricultura utiliza praticamente 70% da água
que poderia ser para o consumo humano”, explica ele. Atualmente, o efluente só
pode ser usado na lavagem de ruas e irrigação de jardins, por não haver
legislação que autorize o seu uso no campo.
O experimento feito nas cidades de Lins e
Piracicaba, interior de São Paulo, mostrou que a economia no uso de
fertilizantes nitrogenados chegou a 80% no plantio de capim, utilizado na
alimentação do gado, durante um ano de baixa ocorrência de chuvas.
Os cientistas compararam a produtividade do capim
irrigado com água comum e do irrigado com esgoto tratado. Ambos receberam a
mesma quantidade de fertilizante necessário para o crescimento das plantas. O
resultado foi uma produtividade de 33 toneladas de capim por hectare ao ano no
caso das plantas que receberam irrigação comum, e de 39 toneladas por hectare
ao ano no capim irrigado com efluente.
O mesmo experimento feito com a cana-de-açúcar
resultou na produtividade de 87 toneladas por hectare ao ano para a cana que
recebeu irrigação comum, e de 143 toneladas por hectare ao ano na irrigada com
água de esgoto tratado. Os testes foram feitos com cana soca, ou seja, quando a
planta ainda não recebeu o primeiro corte.
Riscos do uso de efluentes
Para o emprego da técnica do esgoto tratado na
agricultura, porém, é preciso atenção a alguns riscos, explica Melfi. “Como o
efluente tem muito nitrogênio, uma parte não será aproveitada pela planta.
Essa
parte vai infiltrar no solo e contaminar o lençol freático na forma de nitrato.
Há também os organismos patogênicos [presentes no efluente], que podem provocar
problemas na saúde humana. A gente precisa ter um controle muito grande também
dos metais pesados”, disse.
Para contornar esses problemas, os cientistas
encontraram soluções simples. Para evitar os metais pesados, presentes nos
dejetos de indústrias, os efluentes devem ser recolhidos preferencialmente de
cidades pequenas, onde o controle é mais fácil e predomina o esgoto doméstico.
“Em Lins, o esgoto é exclusivamente doméstico. Em
Franca, por exemplo, com a indústria de couro para a fabricação de sapatos, a
curtição do couro usa uma substância formada por cromo, altamente tóxico. Mas o
esgoto de lá pode ser usado, porque existem duas redes separadas, uma que é
esgoto industrial e outra que é doméstico. No esgoto doméstico, não tem metal
pesado”, explica o cientista.
Quanto aos organismos patogênicos, como o grupo de
bactérias E.coli, existem tratamentos que são capazes de eliminá-los do
efluente. Outra forma mais simples de evitar essa contaminação nas plantas é
selecionar culturas que passam por tratamento industrializado antes do consumo,
como é o caso do café, milho e cana-de-açúcar.
“O café pode ser irrigado com efluente, pois depois
é torrado. A laranja também é irrigada nos Estados Unidos, na Flórida, por
efluente. Basta fazer uma irrigação na superfície do solo, por gotejamento ou
mesmo enterrada em até 20 centímetros, de forma que a fruta não entre em
contato com os efluentes”, explica o professor.
O capim, cultura testada no estudo, é cortado e
permanece na superfície do solo durante algumas semanas para que seja
transformado em feno. Após isso, o produto estará seguro para alimentar o
rebanho de gado, já que os organismos patogênicos morrem nesse processo de
fenação.
É importante lembrar, ainda, que o simples despejo
do efluente em rios também gera problemas, pois causa a eutrofização. “Aumentam
muito os micro-organismos, algas que consumem o oxigênio, e essa água sofre
eutrofização, são aquelas espumas. Ou a água fica esverdeada por causa de
algas”, disse Melfi.
O estudo também ouviu a população para avaliar a
aceitação da novidade. “O resultado foi positivo, as pessoas entrevistadas
disseram que, desde que soubessem que estava havendo o controle adequado,
consumiriam [alimentos produzidos com efluentes]”, contou o professor.
* Edição: Valéria Aguiar.
Fonte: Agência Brasil
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