Uma arma
contra a mudança climática.
Sessão da conferência científica sobre mudança
climática, em Paris, durante a intervenção da relatora especial para os
direitos humanos das Nações Unidas, Victoria Tauli-Corpuz. Foto: Fabíola
Ortiz/IPS.
Por Fabíola Ortiz, da IPS –
Paris, França, 22/7/2015 – Os territórios indígenas
na Amazônia armazenam mais da metade de todo o carbono existente na selva, mas
trata-se de um serviço ambiental ameaçado por estradas, expansão da mineração,
agricultura e extração de petróleo e madeira. Esse risco foi um dos temas da
conferência científica Nosso Futuro Comum Sob a Mudança Climática, que reuniu
cerca de dois mil especialistas e pesquisadores, entre os dias 7 e 10 deste
mês, na sede da Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a
Cultura (Unesco), em Paris.
Foi o maior encontro científico antecedendo a 21ª
Conferência das Partes (COP 21) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a
Mudança Climática, que acontecerá nesta cidade em dezembro. Dessa cúpula deve
sair um novo tratado universal e vinculante para enfrentar o aquecimento
global.
O estudo Carbono Florestal na Amazônia: a
Contribuição não Reconhecida dos Territórios Indígenas e de Áreas Naturais
Protegidas, encabeçado pelo Centro de Pesquisa Woods Hole, recomenda
incluir esse aporte no mapa do caminho para as ações de mitigação e adaptação à
mudança climática.
A bacia, com a maior floresta tropical do mundo, é
compartilhada por oito países: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana,
Peru, Suriname e Venezuela, e engloba cerca de seis milhões de quilômetros
quadrados. A pesquisa incluiu o território da Guiana Francesa, adjacente à
bacia e também com selva tropical.
Mais da metade (52%) da região está protegida por
povos indígenas, que somam um milhão de habitantes em 2.344 territórios, e
pelas 610 áreas de conservação, segundo o informe, que também é assinado pelo
peruano Instituto do Bem Comum e pela equatoriana Coordenadoria de Organizações
Indígenas da Bacia Amazônica, entre outras instituições.
No total são 4,1 milhões de quilômetros quadrados,
um volume de carbono retido semelhante ao da República Democrática do Congo e
da Indonésia em conjunto. É parte dos serviços ambientais prestados pelas
florestas tropicais, ajudando a estabilizar o clima. Segundo Alessandro
Baccini, cientista associado ao Centro Woods Hole que liderou o estudo, os
territórios indígenas armazenam 11 vezes mais carbono do que qualquer outra
área na Amazônia, seja privada ou gerida pelo governo.
“Ninguém sabia de fato quanto carbono se armazenava
nos territórios indígenas e isso era justamente o que os povos queriam saber.
Eles afirmam que a selva é seu lar, sua vida, onde encontram seus medicamentos,
seus alimentos e, por isso, têm a necessidade de preservá-la”, explicou Baccini
à IPS. “Constatamos que 14% dos territórios indígenas ainda não estão
legalizados oficialmente e isso contribui para que o sequestro de carbono corra
perigo”, apontou.
Baccini e sua equipe buscaram quantificar a ameaça
representada pelo avanço de projetos de infraestrutura e por outras atividades
econômicas na Amazônia. Foi constatado que até um terço do carbono armazenado
pode escapar por causa da mineração e da construção de hidrelétricas e
estradas. O custo estimado para legalizar os territórios indígenas e as áreas
de proteção natural varia entre US$ 2 bilhões e US$ 4 bilhões, segundo o
estudo.
Os projetos hidrelétricos geram impactos no clima
da região, como fatores de mudança nas chuvas, destacou Baccini. No Brasil, 11
das 30 centrais hidrelétricas planejadas na Amazônia até 2023, segundo o Plano
Decenal de Expansão de Energia, estarão localizada a 40 quilômetros de terras indígenas.
As 232 novas linhas de transmissão de eletricidade, que somam 41 mil
quilômetros de extensão, afetarão pelo menos oito reservas indígenas.
A degradação ambiental é outra ameaça imediata ao
ecossistema tropical e pode impulsionar mudanças climáticas na região. Segundo
Baccini, “o desmatamento é o fator principal para a emissão de carbono na
Amazônia e os projetos de infraestrutura acrescentam outras causas dessas
emissões”.
O responsável pelo programa de mudança climática e
água do canadense Centro Internacional de Pesquisas para o Desenvolvimento,
Mark Redwood, destacou que os grandes projetos na selva, especialmente os
vinculados à mineração, consomem muita energia. “Sempre que um grande
investidor impulsiona esse tipo de projeto, é preciso considerar os custos para
o clima. São investimentos que representam um risco climático”, acrescentou.
Vista externa da sede da Unesco em Paris, onde
aconteceu a conferência científica Nosso Futuro Comum Sob a Mudança Climática,
um dos encontros prévios à cúpula climática de dezembro. Foto: Fabíola
Ortiz/IPS.
O professor e pesquisador brasileiro Carlos Nobre,
membro do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática
(IPCC), apontou a construção de estradas como um dos principais fatores do
desmatamento. “Devastar não é política de desenvolvimento, não há nenhuma
correlação entre desmatar e promover crescimento econômico. O problema ocorre
quando estradas servem com vetor do desmatamento ilegal. É preciso adotar
políticas públicas para coibir essas ações”, afirmou à IPS.
O aumento da temperatura de um grau centígrado já é
perceptível em toda a Amazônia, admitiu Nobre. “O IPCC afirma que os extremos
que estão ocorrendo na selva já podem ser indícios da mudança climática. Em dez
anos houve duas fortes secas e três períodos de chuva excessiva, o que já pode
ser um reflexo das mudanças”, acrescentou. Nobre disse também que as
precipitações poderão se concentrar no oeste da bacia amazônica, enquanto o
leste deverá sofrer secas prolongadas e, possivelmente, mudar seus ecossistemas
de florestas tropicais para o de savana.
A relatora especial das Nações Unidas sobre os
direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, também expressou, durante
a conferência científica de Paris, seu temor pelo avanço dos grandes projetos
de infraestrutura perto dos territórios originários. “Estou muito preocupada
com as obras na Amazônia, porque podem violar os direitos dos povos”, declarou.
Tauli-Corpuz afirmou que se deve considerar o
conhecimento tradicional dos povos indígenas no momento de definir estratégias
e ações para adaptação às mudanças do clima. “Os indígenas contribuem
significativamente com a manutenção dos ecossistemas, e agora podem apresentar
soluções para os problemas que enfrentamos. Seus conhecimentos podem permitir
que nos adaptemos às mudanças que estão ocorrendo”, pontuou à IPS.
Segundo a relatora, o reconhecimento dos direitos
indígenas e de suas terras se estende também à sua capacidade de ajudar a
enfrentar desafios da mudança climática. “Eles são os mais vulneráveis à
mudança climática, pois vivem em ecossistemas frágeis. E não estão sendo
considerados pela ciência”, assegurou.
Fonte: ENVOLVERDE
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