Brincando
de Lego com o acordo do clima.
Foto: Lim Hyeonsu/TongRo Images/Corbis
Por Claudio Angelo, do OC –
Sai primeira indicação do que poderá ser o texto de
Paris, com 18 páginas e muitas perguntas.
O Lego mais importante do mundo teve sua primeira
tentativa de montagem publicada nesta sexta-feira (24/07). Os dois presidentes
do grupo de diplomatas encarregado de formatar o texto do acordo de Paris
apresentaram às Nações Unidas o rascunho inicial da sua proposta.
Na verdade, segundo Ahmed Djoghlaf e Daniel
Reifsnyder apressaram-se em dizer, trata-se de uma “não-proposta” – ou, no
palavreado peculiar da Convenção do Clima da ONU, um “non-paper”, ou documento
extraoficial, apenas para consulta pelos países-membros. Tipo, “dá uma espiada
aí e me diz se está bom”. O novo texto foi batizado de “Ferramenta dos
Co-Presidentes”.
A tal Ferramenta contém um documento de 18 páginas
que buscou resumir as 85 páginas do texto de negociação para a COP21, a
conferência de Paris, cumprindo uma missão que aparentemente viola as leis da
física: criar a estrutura do novo acordo do clima num documento enxuto, mas sem
excluir nada do que foi proposto no texto original. Mal comparando, equivale a
montar um Lego complexo a partir de instruções sem detalhe, com cinco vezes
mais peças que o necessário e sem deixar sobrarem bloquinhos soltos no final do
processo.
Os blocos equivalem aos elementos de texto que os
países incluíram na estrutura do acordo. Em fevereiro, na primeira reunião
preparatória para Paris, Djoghlaf e Reifsnyder decidiram que todos os países
seriam livres para aportar sua contribuição ao que cada um achava que o texto
deveria conter. Assim, buscou-se evitar que o tradicional entrave às
negociações – as diferenças intransponíveis de visão entre países ricos e
pobres – atrapalhasse logo de cara a negociação, fazendo os diplomatas perderem
tempo brigando sobre isso em vez de avançar na substância do tratado.
A estratégia foi uma grande jogada política para
criar confiança entre os países. Uma das razões para o fracasso da conferência
de Copenhague, em 2009, foi o envenenamento das relações, com um rascunho de
texto elaborado pela presidência dinamarquesa sem ampla consulta e que foi
prontamente rejeitado pelos países em desenvolvimento.
Os co-presidentes do ADP, sigla pela qual é
conhecido o grupo negociador do acordo de Paris, souberam evitar a síndrome que
vitimou Copenhague. Por outro lado, essa abertura às contribuições de todos os
195 membros da Convenção do Clima deixou o texto longo demais – impraticável
para um acordo. Alguns parágrafos têm de cinco a sete opções de redação, e cada
palavrinha alterada faz toda a diferença.
Um exemplo dessas opções é o parágrafo sobre a
obrigação de prover financiamento aos países pobres. Os países em
desenvolvimento querem que conste no parágrafo que essa obrigação é dos países
desenvolvidos; estes, por sua vez, querem que seja usada a expressão “países em
condições de fazê-lo”, o que incluiria emergentes como a China e o Brasil.
Outro exemplo é a chamada escalada de ambição: uma das opções diz que os
ajustes nas metas adotadas pelos países só podem ser feitos para torná-las mais
ambiciosas; outra, que os países poderão revê-las para baixo por motivos de
força maior.
Na última reunião de negociação do ADP, em junho,
os co-presidentes foram encarregados de apresentar um texto do qual constassem
os principais elementos do acordo: mitigação, adaptação, finanças,
transferência de tecnologia, capacitação e transparência (verificação das
ações). Essa é a única instrução de montagem que acompanha o Lego de Paris.
O argelino Djoghlaf e o americano Reifsnyder
atacaram o problema como bons montadores de bloquinhos: por partes. Eles
separaram o aparentemente intratável texto de negociação por cores, por assim
dizer, e começaram a montagem daí.
O primeiro conjunto de blocos contém os elementos
essenciais do acordo, em 18 páginas. O segundo conjunto, de 21 páginas, contém
elementos de uma decisão da Conferência de Paris que não precisam fazer parte
do acordo, mas que o complementam, como detalhes de implementação e ações de
corte de emissão a adotar antes de 2020, quando o novo acordo deve entrar em
vigor. Mal comparando, é como se a primeira parte fosse um texto de um projeto
de lei e a segunda fosse um decreto presidencial regulamentando-a.
É na terceira parte, porém, que a porca torce o rabo:
há um vasto número de peças que não se encaixam em lugar nenhum e cujas cores
não batem. São assuntos que, no dizer dos co-presidentes, precisam de “mais
clareza” entre os países e que eles não se arriscaram a incluir entre os
elementos do acordo. Calha também de ser o maior dos conjuntos de pecinhas do
Lego de Paris: 35 páginas. E traz questões fundamentais: haverá pico nas
emissões globais? Quando? Haverá um “orçamento de carbono” para a humanidade?
Como será o uso de mecanismos de mercado? Quem paga pelas perdas e danos
decorrentes da mudança climática nos países mais pobres? E, o mais importante,
qual é a visão de longo prazo para as emissões em 2050?
Os países correm contra o calendário para resolver
essas e todas as outras pendências do texto: só há mais dez dias de negociação
até a COP21, que serão divididos em duas rodadas de trabalho em Bonn, Alemanha,
sede da convenção, em setembro e outubro. Os co-presidentes já avisaram que não
há tempo para a tradicional enrolação diplomática: a plenária inicial do
próximo encontro, que começa dia 31 de agosto, terá apenas meia hora de
duração. E começará “pontualmente às 10h”.
Fonte: Observatório do Clima
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