Com
quantas mãos se transforma a educação no campo?
Por Marina Lopes, do Porvir –
Iniciativas de diferentes setores ajudam a melhorar
o ensino em escolas rurais com ações que valorizam a identidade local.
Se existisse receita para construir uma boa escola do
campo, certamente ela não seria igual à da zona urbana. O objetivo deve ser o
mesmo: garantir que os alunos aprendam. Mas os ingredientes e o modo de fazer
são diferentes para que ela se adeque às peculiaridades da vida rural, como
garante o artigo 28 da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional).
Com o intuito de aproximar a prática pedagógica da cultura regional, diferentes
iniciativas governamentais e do terceiro setor estão trabalhando para
transformar a educação no campo.
Por muito tempo, a identidade local deixou de ser
considerada em muitas escolas rurais, com currículos que privilegiavam uma
visão urbana de educação. Aos poucos, esse cenário tem se modificado com o
reconhecimento de políticas de educação do campo que buscam a valorização da
cultura regional, como a publicação das Diretrizes Operacionais para a Educação
Básica nas Escolas do Campo, em 2002.
Foto: alexkharkov / Fotolia.com
“Nós temos a missão de garantir os direitos à
educação dos povos do campo”, defende Rita Gomes, diretora de Políticas de
Educação do Campo, Indígena e para as Relações Étnico-Raciais, do MEC
(Ministério da Educação). De acordo com ela, ao mesmo tempo que a educação no
campo deve atender às diretrizes nacionais, ele deve ser contextualizada com as
demandas sociais e culturais dos estudantes.
Para dar conta das especificidades de escolas
localizadas em zonas rurais e apoiar estados e municípios na implementação de
políticas de educação no campo, em 2012 o MEC desenvolveu o Pronacampo
(Programa Nacional de Educação do Campo). O programa traz um conjunto de ações
voltadas para a melhoria das escolas, como a distribuição de materiais
didáticos específicos, implantação de novas turmas de EJA (Educação de Jovens e
Adultos), expansão de cursos profissionais relacionados ao campo e investimento
em infraestrutura e tecnologia, incluindo a disponibilização de laboratórios de
informática e a articulação para fornecimento de energia elétrica.
Formação de professores
A Escola da Terra está entre as ações desenvolvidas
no programa. Em parceria com universidades federais, ela oferece um curso de
aperfeiçoamento com carga horária de 180 horas para professores dos anos
iniciais do ensino fundamental. “Uma das principais estratégias para fortalecer
a educação no campo é a formação de professores”, destaca Rita Gomes, do MEC. Segundo
ela, um educador que atua no campo deve compreender que a sua atuação docente
ocorre em um contexto não homogêneo, em escolas pequenas e com turmas
multisseriadas. “Nesse sentido, o curso é contextualizado com as demandas
sociais e culturais desse estudante”, explica.
Outra iniciativa voltada para a formação de
professores na zona rural é o programa Educação do Campo, do MOC (Movimento de
Organização Comunitária). A organização do terceiro setor atua em 21 municípios
do semiárido baiano e ajuda na construção de políticas públicas educacionais.
Em parceria com a Universidade Estadual Feira de Santana, a associação
desenvolve uma proposta de educação contextualizada que respeita a cultura
local e valoriza a identidade do campo. A ação, voltada para os anos iniciais
do ensino fundamental, já formou 1.500 profissionais, impactando quase 30 mil
crianças.
O trabalho começou há mais de 20 anos como uma
modalidade de EJA (Educação de Jovens e Adultos) para agricultores da região
sisaleira, território no nordeste da Bahia. Muitos desses trabalhadores rurais
já tinham frequentado a escola, mas não sabiam ler e escrever. “Percebemos que
se não tivesse um trabalho para as escolas do campo, as crianças dos anos 90
seriam os futuros agricultores que continuariam sem ser alfabetizados”,
explicou Bernadete Carneiro, técnica do programa de Educação do Campo, do MOC.
A metodologia do programa usa a cultura do campo
para servir de base às práticas pedagógicas em sala de aula. Nos municípios de
atuação do MOC, em parceria com as secretarias de educação, os professores e
coordenadores participam frequentemente de encontros de estudo, avaliação,
planejamentos de atividades, seminários temáticos e oficinas, onde também são
estimulados a produzirem materiais didáticos próprios, adequados à realidade da
escola.
De acordo com Bernadete, a formação continuada é
fundamental para promover uma educação no campo conectada ao contexto local. “A
universidade não prepara os professores para a educação no campo. A formação
acadêmica deixa uma lacuna porque ela não trabalha com as especificidades que
existem aqui”, afirma, ao mencionar sobre a necessidade de trabalhar uma
formação que respeite a cultura local.
O uso de tecnologia também está presente em algumas
formações do MOC, onde são apresentadas estratégias de educomunicação para os
professores. No entanto, a técnica do programa de Educação do Campo afirma que
ainda não são todas as escolas que contam com infraestrutura. “Nos 21
municípios, todos têm pelo menos uma escola com ponto de internet, mas nem
sempre funciona”, conta.
Pedagogia da alternância
Dentro da proposta de reconhecer o ambiente rural
como um espaço educativo, alguns movimentos sociais do campo estão utilizando a
pedagogia da alternância na formação de jovens e adultos. A metodologia,
desenvolvida na França como uma proposta pedagógica de educação do espaço
rural, prevê que o aluno passe semanas alternadas na escola, em regime de
internato, e em casa com a família, aplicando os conhecimentos e participando
das atividades de produção agrícola. Os educadores também fazem visitas
técnicas às propriedades para acompanhar as atividades práticas desenvolvidas
pelos estudantes.
Segundo os dados da União Nacional das Escolas
Famílias Agrícolas do Brasil, existem 367 destas instituições espalhadas pelo
país. Nos estados da região Sul do país, a Arcafar Sul (Associação Regional Das
Casas Familiares Rurais Do Sul Do Brasil) é responsável por coordenar o
trabalho desenvolvido nas Casas Familiares Rurais. Para a assessora pedagógica
da associação Dirce Maria Slongo, uma das principais conquistas da educação no
campo foi o reconhecimento dessa metodologia pelo Conselho Nacional de
Educação. “A aula não se aprende apenas entre quatro paredes”, defende.
Em uma Casa Familiar Rural, a organização
curricular funciona por áreas de conhecimento: linguagens e códigos, ciência da
natureza e matemática e ciências humanas. Além disso, os jovens também recebem
formação técnica agrícola, incluindo alguns itens como sustentabilidade na
produção, veterinária e projeto profissional de vida. “Trabalhamos muito na
interdisciplinaridade e na transdisciplinaridade. Não faz sentido ensinar os
conteúdos em gavetas porque não vemos o mundo assim, com o olhar só da
matemática ou da química”, desta Dirce Maria.
Esta reportagem integra a série de reportagens Tecnologia no Campo, uma parceria do Porvir com a
Fundação Telefônica Vivo, que realiza o Programa Escolas Rurais Conectadas.
Fonte: Porvir
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