Escolas
rompem barreiras e levam crianças para ocupar e aprender na cidade.
Por Danilo Mekari, do Portal Aprendiz –
Ao fotografar a escultura de madeira Milon de
Crotona, na qual o artista Pierre Puget retrata a luta entre o atleta grego e
um leão, um aluno perguntou para a professora: “O rei da floresta existe de
verdade? Eu só vejo leão em desenho, fotos, filmes e agora aqui, no Parque
Buenos Aires.”
A atividade buscava registrar o olhar fotográfico
de cada criança da EMEI Monteiro Lobato, situada na região central de São
Paulo. Representa apenas um dos muitos exercícios fora do ambiente escolar que
a instituição de ensino possibilita às suas crianças – a escola promove também
visitas pedagógicas ao Museu de Arte Brasileira (MAB), ao Instituto Moreira Salles
e à Biblioteca Monteiro Lobato.
Bastou essa sutil e ingênua pergunta para que a
gestão escolar agendasse mais uma visita a um espaço educativo da cidade: o
zoológico municipal. Classificados pela diretora da EMEI, Eloisa Bassani, como
“vivências diferenciadas”, esses momentos de aprendizagem externa se tornaram
comuns na rotina escolar – são valorizados não apenas pelas crianças, mas
também pelos docentes, funcionários e famílias.
“Para a criança estar apta a ler e escrever é
necessário o desenvolvimento neurológico, que está intimamente ligado ao
desenvolvimento físico: esses momentos são propícios para saltar, correr, pular
e brincar livremente”, afirma Eloisa, que vê nessa abordagem da escola uma
proximidade com a educação integral. Sua assistente, Tânia de Oliveira, observa
no dia a dia o reflexo dessas aprendizagens. “Após os passeios, as crianças
criam brincadeiras com elementos das aprendizagens externas. A conversa fica
mais rica, pois trata-se de uma fase de descoberta e encantamento.”
Passeio educativo da Monteiro Lobato desbrava o
Parque Buenos Aires.Passeio educativo da Monteiro Lobato desbrava o Parque
Buenos Aires. Foto: Divulgação.
Tirar o aluno do espaço escolar e levá-lo para a
cidade, expandindo as possibilidades de aprendizagem e permitindo que aquela
pessoa em desenvolvimento se aproxime da realidade do território onde vive e
estuda, sempre foi uma premissa da educação integral. Questões urbanas
problemáticas como segurança e mobilidade, contudo, ainda fazem com que muitas
escolas mantenham as portas fechadas para a cidade.
“Antes de tudo, é preciso construir a ponte para a
comunidade entrar na escola. Depois, o caminho de volta – ou seja, a escola
sair para explorar a comunidade – torna-se algo natural”, aponta Mônica Galib,
diretora da EMEI Gabriel Prestes, outra escola na região central de São Paulo
que promove itinerários educativos pela cidade. Longe de omitir os desafios
dessa empreitada, Mônica adverte: “Não se aproxima os pais da escola com uma
reunião. É através da nossa prática pedagógica, sempre em busca de aprimorar o
diálogo com a cidade, que estreitamos essa relação.”
As saídas da Gabriel Prestes variam entre os mais
diversos destinos: Praça Roosevelt, Biblioteca Mário de Andrade, livrarias,
feiras e sacolões localizados no entorno do espaço escolar. Muitas vezes, pais
e até mesmo avós das crianças participam das atividades externas. “O aluno que
chega aqui já passou pelo centro e tem contato direto com a cidade. Não posso
fazer de conta que a rua não existe. É preciso mostrar o espaço urbano com o
olhar pedagógico e até mesmo poético”, reflete Mônica.
A diretora também percebe nitidamente os resultados
de um projeto pedagógico que aposta na rua e no espaço público. “Vejo através
do comportamento da criança, sua desenvoltura, sua forma de comunicação. É uma
criança que questiona e isso é saudável.” Para ela, a função da escola infantil
não é alfabetizar, mas sim proporcionar um “letramento de mundo e de cidade”.
Cortejo poético levou as crianças da Gabriel
Prestes às ruas do centro.Cortejo poético levou as crianças da Gabriel Prestes
às ruas do centro. Foto: Divulgação.
Há cinco anos, a parceria entre gestores, docentes,
estudantes, funcionários e famílias tem sido responsável por trilhar o caminho
de uma aprendizagem que transcende a sala de aula, consolidando processos de
gestão democrática e contribuindo para a co-responsabilização pela educação das
crianças nessas escolas.
Mas não para por aí. Uma das metas da gestão da
EMEI Monteiro Lobato para o segundo semestre letivo de 2015 é ampliar as
experiências voltadas para pais e mães de alunos. A escola também prevê a
realização de uma formação externa voltada para os funcionários. “A ideia é que
todo o corpo escolar saiba o que as crianças estão vivenciando lá fora e possa
trocar experiências mais facilmente, tanto com as crianças como com os pais”,
explica Tânia.
Do outro lado da ponte
“Localização privilegiada”. As diretoras das EMEIs
utilizaram essa expressão para definir o território onde estão inseridas. Elas
identificam com facilidade as oportunidades educativas e culturais que o centro
de São Paulo oferece e reconhecem as modificações que esse cenário sofre à
medida que se aproxima das periferias.
“Como é que o sistema quer adultos educados se a
criança não participa da cidade? Ninguém nasce aos 14!”, reclama Mônica
Galib.“Como é que o sistema quer adultos educados se a criança não participa da
cidade? Ninguém nasce aos 14!”, reclama Mônica Galib. Foto: Juli Góes.
A distância do centro e de equipamentos culturais
consagrados, porém, não impede que escolas localizadas nos extremos da cidade
organizem saídas, mapeamentos e visitas aos seus territórios. É o caso do CEU
Alvarenga, o único equipamento cultural disponível na região da Pedreira, na
zona sul do município. Lá, crianças saem para fotografar o bosque vizinho e
jovens percorrem trajetos educativos pelas ruas, becos e vielas. Cortejos,
saraus e contação de histórias completam as atividades realizadas no espaço público.
“Experiências como essa fazem com que os alunos se
apropriem de suas identidades, trazendo suas vivências para dentro do espaço
escolar”, opina Luci Guido, gestora do CEU. “Na rua, as crianças têm uma
organização própria e é só fora que percebemos o quanto a escola está aquém do
conhecimento. Explorando o bairro, elas nos contam histórias, vivências,
lembranças. É um processo apaixonante, e vamos construindo pautas de formação a
respeito dessas experiências.”
Os percursos são acompanhados por líderes
comunitários locais e ainda contam com a presença de funcionários do CEU.
“Quando estamos na rua somos todos iguais. Essa é a riqueza das experiências
externas”, aponta a gestora.
Também na zona sul da cidade, a EMEI Chácara Sonho
Azul fez questão de assinalar em seu projeto político-pedagógico que “a criança
tem direito à cidade”. “Por estarmos na periferia, as famílias têm dificuldade
de usufruir o patrimônio cultural paulistano. Por isso, achamos importante
constar no currículo da escola”, defende Antonio Norberto, diretor da EMEI.
Localizada próximo à represa Guarapiranga, a escola
tem levado as crianças às áreas verdes, aos parques ecológicos e até mesmo às
feiras livres da região. Os trajetos costumam ser feitos a pé, valorizando o
entorno da escola. “É essencial que a criança tome conhecimento da cidade. O
quanto antes isso for feito, mais significativo será para a sua aprendizagem,
pois sai de uma abordagem só de conteúdo e amplia para a experiência, vivência,
criando um jeito legal de aprender”, opina Norberto.
Alunos da Chácara Sonho Azul passeiam em feira livre
da região.Alunos da Chácara Sonho Azul passeiam em feira livre da região. Foto:
Divulgação.
Cidade para crianças
Voltando ao centro, Eloisa ressalta as
transformações que o espaço urbano vivencia quando incorpora as crianças em seu
cotidiano. “A despeito de violência, temos espaços educadores na nossa cidade e
condição de levar as crianças para participarem da rotina urbana, favorecendo
um elemento importantíssimo para o desenvolvimento da sociedade – a infância.”
Já Mônica lamenta que os planejadores da cidade
ainda não considerem meninos e meninas nos processos de decisão. “Se o espaço
urbano pensar na criança, ele naturalmente vai ser mais educador e fará com que
avancemos na questão da cidadania pedagógica. Como é que o sistema quer adultos
educados se a criança não participa da cidade? Ninguém nasce aos 14!”
Fonte: Portal Aprendiz
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