Os
ensinamentos da morte de Cecil.
Casal de leões na Reserva Krugersdorp Game, na
África do Sul. Foto: Derek Keats/cc by 2.0.
Por Rosie Cooney*
Gland, Suíça, 7/8/2015 – Cecil, o magnífico e
querido leão que fazia parte de um projeto de pesquisa de longo prazo, foi
atraído para fora de seu refúgio no Parque Nacional Hwange, no Zimbábue, por um
caçador ilegal que disparou contra ele e o deixou agonizar até morrer.
O fato, acontecido em julho, gerou tamanho
escândalo que vale a pena parar para pensar no que aconteceria se a partir de
agora fosse proibida a caça de troféus em todo o continente africano.
Essa prática é o fim da limitada caça de “alto
valor”, na qual pessoas, que costumam ter muito dinheiro e são principalmente
ocidentais, pagam elevadas quantias para poderem matar animais.
Imaginemos o que aconteceria na África austral, uma
área que ocupa quase o dobro da soma dos parques nacionais da região.
O fato geral tal indignação e repugnância, pois se
mata amimais por esporte, e em alguns casos, como no dos leões, nem mesmo se
come sua carne. Inclusive os milhões de caçadores de fim de semana com suas
geladeiras cheias têm dúvidas sobre a caça de troféus.
É uma prática que quase não tem mais cabimento em
um mundo moderno, quando a humanidade avança para uma posição ética que, cada
vez mais, outorga aos animais os mesmos direitos morais que os seres humanos se
concedem (ao menos em princípio) entre si.
Agora, imaginemos que a União Europeia e a América
do Norte proíbam a importação de troféus, enquanto Namíbia, África do Sul,
Zimbábue e outros países proíbam a caça de troféus, as companhias aéreas se
neguem a transportá-los e a atividade morra lenta (ou rapidamente), livrando o
mundo dessa suja mancha sobre a consciência coletiva.
Nos concentramos em olhar para a África austral,
orgulhosos do que conseguimos assinando uma petição na internet, pressionando
dirigentes políticos e compartilhando e comentando artigos no Facebook.
Salvamos os leões? Preservamos áreas naturais?
Desferimos o golpe de graça ao tráfico de vida silvestre? Livramos as
comunidades locais dos caçadores estrangeiros imperialistas?
Voltemos ao Parque Nacional Hwange, onde Cecil foi
morto. A Autoridade de Gestão de Parques e Vida Silvestre do Zimbábue,
responsável pela gestão desse e de outros parques, agora tem enormes problemas.
O órgão obtém sua renda para proteger, conservar e
administrar a vida silvestre em todo o território nacional da caça de troféus,
e recebe magros recursos do governo central, que não tem precisamente fama de
incentivar a boa governança nem a transparência em matéria de administração de
fundos.
O orçamento do Parque Hwange sofre um corte radical
e há poucos recursos para automóveis ou equipamentos de patrulha. A carne
procedente de caçadores ilegais aumenta e os guardas florestais não têm
equipamentos para enfrentá-los. O uso de armadilhas com alarmes é
indiscriminado e permite capturar muitos leões, entre outros predadores, que
agonizam e sofrem uma morte sem sentido.
Na Namíbia, mais da metade das áreas de conservação
comunitária, que cobrem 20% do país, estão em colapso, porque sua renda, não
derivada de atividades relacionadas à caça, como o turismo, não é viável e não
é possível encontrar fontes alternativas de renda.
Os espaços de conservação comunitária da Namíbia
são uma inovação da década de 1990, e são responsáveis pelo pronunciado aumento
de várias espécies silvestres fora dos parques nacionais, como elefantes, leões
e rinocerontes negros. A renda procedente da caça de troféus e do turismo
impulsionou as comunidades a dedicarem suas terras à conservação.
As comunidades ficam com 100% dos benefícios do uso
sustentável da vida silvestre, incluída a caça, quase 18 milhões de dólares
namíbios (US$ 1,2 bilhão) em 2013, que usaram para construir escolas, centros
de saúde, estradas, capacitar e empregar 530 guardas florestais para proteger a
fauna e a flora.
Quase dois milhões de refeições ricas em proteínas
por ano foram um subproduto da caça. Agora tudo isso virou fumaça. Algumas
poucas áreas de conservação conseguem doadores ricos para não desaparecer, e
cruzam os dedos na esperança de que essas doações se mantenham nas próximas
décadas.
Os guardas florestais estão desempregados, sem
poderem alimentar suas famílias e em busca de alguma oportunidade para
conseguir uma renda. As comunidades dedicadas à conservação estão furiosas,
pois ninguém as consultou sobre tão importante decisão. Poucos jornalistas e
ativistas sociais refletem sua própria visão da situação.
As comunidades e as autoridades responsáveis pela
conservação voltam a ser indispor.
Ali onde colapsaram as áreas de conservação, se
destrói a vida silvestre. As épocas más anteriores à reforma voltaram e a fauna
vale mais morta do que viva.
Só ventres famintos se alimentam da caça ilegal e
os caçadores ilegais ganham terreno. As comunidades locais já não estão
interessadas em fornecer informação à polícia para ajudar a proteger a vida
silvestre, os programas de guardas florestais faliram por falta de fundos, e os
chifres de rinocerontes, os ossos de leão e o marfim dos elefantes embarcam
ilegalmente rumo à Ásia Pacífico.
Na África do Sul, terminou a caça de troféus,
inclusive a pequena proporção que estava “cercada”. Nas propriedades privadas,
que cobrem cerca de 20 milhões de hectares, a renda procedente da vida silvestre
sofreu colapso.
As propriedades com paisagens pitorescas, perto das
grandes rotas ou atrações turísticas e que contam com infraestrutura turística,
sobrevivem graças ao fototurismo, mas acabou a época de ampliar a vida
silvestre comprando terras e repondo com mais exemplares.
A maioria dos proprietários voltou a ter gado
bovino e caprino e a cultivar para poder pagar a educação dos filhos e a
hipoteca da casa.
A vida silvestre nessas terras se extinguiu, em
grande parte, com seu habitat, e voltaram as paisagens degradadas pela
agricultura, que prevaleceram antes dos anos 1970, quando foi legalizado o uso
da vida silvestre pelos fazendeiros (incluídos os caçadores).
Os leões que estavam nessas terras se foram faz
tempo, e os poucos que restam nos parques nacionais são mortos quando
ultrapassam seus limites, porque se converteram em um problema. O grande êxito
em matéria de conservação na África do Sul se deteriora rapidamente.
Especulação? Sim, mas é um prognóstico razoável
porque já passou.
A proibição da caça de troféus na Tanzânia, entre
1973 e 1978, no Quênia em 1977, e em Zâmbia entre 2000 e 2003, acelerou a
rápida perda de vida silvestre pela eliminação de incentivos à conservação. Os
primeiros informes indicam que há indícios semelhantes em Botsuana, que no ano
passado proibiu todo tipo de caça.
Choremos por Cecil, mas tenhamos cuidado com o que
desejamos…
* Rosie Cooney é presidente do Grupo
Especialista em Uso Sustentável e Sustento da União para a Conservação da
Natureza (UICN). As opiniões contidas nesse artigo são de responsabilidade da
autora e não representam necessariamente as da IPS – Inter Press Service, nem
podem lhes ser atribuídas. Tampouco expressam necessariamente os pontos de
vista da UICN.
Fonte: ENVOLVERDE
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