quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Depois dos parklets, os jardins de chuva.
Lincoln Paiva: retomar espaços públicos. Foto: Arquivo Lincoln Paiva.

“Antes de fazer um parklet, é preciso pensar onde a cidade quer chegar, o que vai fazer depois, se vai aumentar a calçada, criar praças…”

Por Marcos de Sousa, do Mobilize Brasil

Há pouco mais de um ano, em abril de 2014, o ativista Lincoln Paiva promovia a inauguração do primeiro parklet de São Paulo. A ação foi promovida pelo Instituto Mobilidade Verde, que ele dirige, e que já colocou em prática algumas ideias curiosas, como a “Bicicloteca” e as Vagas-vivas”, todas implantadas com sucesso. A diferença, no caso dos parklets, é que a iniciativa foi adotada pela prefeitura paulistana e foi regulamentada por um decreto específico, o de nº 55.045, de 2014. Daí, hoje a cidade já conta com cerca de 50 destas pracinhas provisórias. Nesta entrevista, Paiva fala sobre a origem dos parklets e os futuros desdobramentos dessa retomada de espaços públicos para desfrute das pessoas.

Quando foram implantados os primeiros parklets em São Paulo?

As primeiras experiências aconteceram na época dos protestos, entre junho e agosto de 2013, em dois locais da cidade, um em paralelo com o evento Design Weekend, e outro como parte da programação da Bienal Internacional de Arquitetura. Eu me inspirei nos parklets que vi em São Francisco (EUA), quando fui participar de um evento sobre mobilidade. Na época, com a adesão rápida das pessoas, descobrimos uma coisa óbvia: que os parklets não estavam usando o espaço de estacionamento dos carros, mas que na verdade o carro é que estava usando um espaço público, que pertence às pessoas.

Como as pessoas reagiram?

Nós já tínhamos o histórico das “vagas-vivas”, instalações provocativas em que colocávamos grama artificial, brinquedos e guarda-sóis, como forma de mostrar a possibilidade de outros usos para aquelas áreas. Quando instalamos o primeiro parklet na rua Maria Antonia (zona central da cidade), a pegada era de design e as pessoas ficavam um pouco intimidadas, achavam que era uma instalação de arte. Já na av. Paulista, durante a bienal de arquitetura, procuramos usar um desenho claro de mobiliário urbano, com bancos, floreiras, e as pessoas logo tomaram o espaço como uma praça. Em paralelo, fizemos discussões sobre o uso do espaço urbano dentro da programação da bienal.

Os comerciantes aceitaram bem a novidade?

Na Paulista, fizemos uma pesquisa entre as pessoas que passavam pelo local e também conversamos e fizemos reuniões com os comerciantes. Nessas discussões descobrimos que a imensa maioria das pessoas que estacionam seus carros na rua – são cerca de 40 carros por vaga por dia – não frequentam o comércio local. Elas seguem para outros locais, participam de reuniões nos edifícios ou dão aulas em faculdades. Nas reuniões, os próprios comerciantes confirmaram que as vagas são usadas transitoriamente.

O que você e sua equipe aprenderam com essas experiências?

A disposição do mobiliário é muito importante, de forma a acomodar vários tipos de usuários. A questão é como transformar espaços em lugares. O espaço pode ser criado pelo arquiteto, mas os lugares são criados pelas pessoas, porque aqueles espaços comunicam alguma coisa, acolhem, formam um nicho de conforto. Por exemplo, colocar bancos com encostos e alguma vegetação nas proximidades. Descobrimos também que casais de namorados são um bom indicador, porque as pessoas precisam se sentir seguras para conversar e namorar. Dispusemos o mobiliário como uma sala de família, por exemplo. E criamos outros pontos – mais distantes – para leitores, que querem estar mais sozinhos. E o mobiliário precisa ser muito racional, de forma a acomodar todos esse usos em apenas 22 m2, que é a área de um parklet.

Agora os parklets foram regulamentados…

Depois de oito meses, veio o decreto municipal, porque o prefeito percebeu que o projeto permitia um diálogo com a cidade sobre como usar os espaços públicos. São Paulo foi a quarta cidade do mundo a regulamentar essas instalações, depois de São Francisco, Chicago e Nova York. Foi a primeira vez, de forma contundente, que a população pode compreender que era possível usar o espaço da cidade para atividades de contemplação. E é um espaço de cidadania, porque você pode perceber coisas boas e ruins que não se vê de dentro de um carro. Pelo decreto, qualquer pessoa pode pedir autorização e construir um parklet nas ruas da cidade. Mas o tempo de permanência é de três anos.

Então, não é uma instalação permanente?

Não, a função do parklet é estabelecer um diálogo com a cidade. Quando alguém ocupa aquela vaga de estacionamento está usando esse espaço como praça. O parklet é uma extensão da calçada, e assim vislumbra-se a possibilidade de ampliar a calçada de todo um quarteirão, ampliar o espaço para circulação do pedestre, do cadeirante, do ciclista.

Quanto custa e quem paga a instalaçao dos parklets?

O custo varia entre 15 a 80 mil reais, dependendo dos materiais. E esse custo, incluindo a manutenção, deve ser bancado pela pessoa ou estabelecimento comercial. Não é um custo baixo…

Mas, não existe o risco de um bar ou restaurante “privatizar” seu parklet?

Em São Francisco, onde tudo começou, quase 100% dos espaços ficavam na frente de bares e restaurantes. Aqui, o dono de um bar pode sim fazer um parklet em frente ao seu estabelecimento, mas sempre terá que manter aquele lugar como um espaço público. Eu ainda não vi, em nenhum dos bares, serviço de garçom ou coisa desse tipo, mas nada impede que o cliente leve sua comida e bebida para fora, com seus amigos, no parklet. Quando eu oriento a construção de um parklet, costumo recomendar, com muita veemência, que os bares evitem essa apropriação. Mais ainda, o estabelecimento tem que ter uma bom diálogo com a comunidade para evitar barulho e minimizar os transtornos à vizinhança.

Parklets são instalações exclusivas para bairros ricos?

Nossa estratégia tem sido a de colocar os parklets onde sempre há gente circulando. Por exemplo, na rua Padre João Manoel (região da avenida Paulista), boa parte dos usuários são trabalhadores que usam o parklet para descansar na hora do almoço. Na Oscar Freire (Jardins) também é assim, porque antes essas pessoas não tinham um lugar de descanso. Nas periferias das cidades eu creio que as pessoas estão preocupadas com outras prioridades, como saneamento, transporte, saúde, educação e segurança. Os parklets têm que estar em áreas de grande fluxo de pedestres, para que todo tipo de gente possa usufruir desses espaços criados.

Quantos parklets existem hoje em São Paulo?

Eu já perdi a conta, mas são cerca de 50 espalhados pela cidade e apenas um terço deles foi realizado pelo Instituto Mobilidade Verde. Essa era a ideia: estimular as pessoas. Hoje, São Paulo já tem mais parklets do que São Francisco.
Jardim de chuva em Portland (EUA).

E fora de São Paulo, há bons exemplos?

No Rio de Janeiro, há alguns meses, um decreto regulamentou os parklets e já existem alguns implantados. Em Belo Horizonte já há uns cinco ou seis. Goiânia também está fazendo e Fortaleza fez um parklet, mas não tem um decreto formal. Há bons exemplos em Sorocaba (SP), Curitiba e muitos na América do Sul, no Chile, Peru, México e outros países.

Mas, depois de três anos, o que vem no lugar dos parklets?

Antes de fazer um parklet, é preciso pensar onde a cidade quer chegar, o que vai fazer depois, se vai aumentar a calçada, criar praças….Em São Paulo, nós estamos estudando a possibilidade de criar jardins de chuva nos espaços dos atuais parklets. Esse tipo de jardim é muito visto em Portland (EUA) e é uma forma de drenar o excesso de água das chuvas e evitar enchentes, melhorar a permeabilidade da cidade. Na prática, significa quebrar o asfalto, realizar um projeto paisagístico e fazer uma extensão da calçada. Além disso, é possível incluir mobiliário, como bancos, paraciclos, toldos etc. Já temos um projeto conceitual, em parceria com o arquiteto Guilherme Castanha, mas ainda não encontramos ainda o financiador.

Veja o manual de parklets da Prefeitura de São Paulo.


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