Brasil,
bonito por natureza. Até quando?
Por Antônio Freitas e Ana Tereza Spinola
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As declarações conjuntas do Brasil e dos Estados
Unidos sobre o combate à mudança do clima e os compromissos anunciados pela
presidente Dilma Rousseff para mitigar os problemas climáticos brasileiros, no
último dia 30 de junho, em Washington (EUA), ainda não são suficientes para
colocar o país perto da meta real. Notamos um discurso mais temperado pelo
marketing do que pela vontade e viabilidade do cumprimento das promessas em si.
Segundo o Observatório do Clima, rede de organizações não governamentais, as
preocupações dos vilões do efeito estufa chegam atrasadas. A Organização das
Nações Unidas (ONU) complementa e faz um alerta quanto ao ritmo lento das
negociações: se fracassarmos, condenaremos nossos filhos e netos a um caos
climático.
Entre as diversas intenções apresentadas no
documento, o Brasil pretende, até 2030, restaurar e reflorestar 12 milhões de
hectares de florestas, o equivalente a 120 mil quilômetros quadrados, e zerar o
desmatamento ilegal em 15 anos. Para especialistas, as metas são frustrantes em
termos de grau de urgência. Afinal, vamos demorar 15 anos para garantir que a
lei seja cumprida e que o desmatamento ilegal acabe? Isso deveria ser
prioridade, ou melhor, nunca deveria ter ocorrido. Em um artigo publicado pela
revista americana Science, em 2014, pesquisadores afirmaram que o total de
áreas ilegalmente desmatadas que precisam ser recuperadas no Brasil soma 21
milhões de hectares, ou seja, quase o dobro do proposto.
Outros compromissos listados que merecem maior
observância são as fontes renováveis, tanto para geração de energia como para
biocombustíveis, que devem representar entre 28% e 33% do total de recursos
utilizados. Os governos se comprometem também a ampliar as pesquisas nas áreas
de energia eólica, solar e biomassa e a reduzir as emissões de gases de efeito
estufa. Fora isso, o Brasil também tenciona aumentar a eficiência dos sistemas
de infraestrutura de tratamento de água e efluentes; aprimorar as práticas de
baixo carbono em terras agrícolas e pastagens; promover novos padrões de
tecnologia limpa para a indústria, além de fomentar medidas adicionais de
eficiência energética.
Após o anúncio do pacote de bondades climáticas,
o próprio governo americano buscava estabelecer com o Brasil um acordo mais
ambicioso, que também abrangesse cortes de emissões de carbono. A presidente
Dilma, porém, se recusou a oferecer, neste momento, propostas para este tema.
Os acordos entre os países visam prepará-los para a Cúpula do Clima, que será
realizada em dezembro, na França, e está sendo considerada a última chance de
um acordo global para evitar o caos climático. No evento, deve ser assinado o
documento que substituirá o Protocolo de Quioto. E, ao que tudo indica, o
governo brasileiro não deve se comprometer com os cortes de emissão de gás carbônico.
O Brasil é um dos dez maiores emissores de
dióxido de carbono do planeta. Entre 1990 e 2004, o país foi o emissor mais
irracional do mundo, com 70% dos lançamentos na atmosfera oriundos da
devastação da Amazônia. Todos os anos são desmatados 26 mil quilômetros
quadrados da maior floresta tropical do mundo, principalmente para a extração
ilegal de madeira e pela agropecuária. Essa destruição tem contribuído com
diversos problemas para o país, como, recentemente, a pior crise hídrica da
história. No cerrado, a situação também é surpreendentemente preocupante, com a
taxa de devastação chegando a 7 mil quilômetros quadrados a cada ano.
Como encorajado pela ONU, neste ano, o mundo tem
uma oportunidade única para atuar de forma coletiva e responder ao problema
mais urgente de nosso tempo, o sistema climático global, que vem colocando um
número cada vez maior de pessoas em risco, sobretudo, as populações mais
vulneráveis. De acordo com a ONG Observatório do Clima, a emissão de gás
carbônico deve cair 35% no Brasil até 2030 para evitar o caos. Os lançamentos
na atmosfera devem se limitar a 1 bilhão de toneladas, meio bilhão a menos do
que o praticado atualmente. O objetivo é assegurar que a temperatura global não
aumente mais do que dois graus Celsius, o que significaria o colapso de setores
econômicos no Brasil e no mundo.
Para garantirmos uma melhor qualidade climática
precisamos adotar uma série de ações em diferentes setores. É necessário criar
e aplicar leis mais rígidas contra a emissão de poluentes; adotar uma maior
fiscalização e punição ao desmatamento ilegal; e incentivar o reflorestamento,
para que não aconteça com a Amazônia o mesmo que ocorreu com a Mata Atlântica,
que foi destruída quase por completo. Atualmente, restam apenas 7% de sua área
original.
No campo logístico, há uma clara viabilidade no
Brasil para construir hidrovias, incentivar a cabotagem e, eventualmente,
interligar estes sistemas às atuais ferrovias. É possível, inclusive, torná-las
eficientes, sem usar recursos públicos, por meio de concessões a empresas
privadas qualificadas. A interligação destes três modais melhoraria,
substancialmente, a qualidade do ar pela diminuição do dióxido de carbono
emitido pelo transporte rodoviário. Além disso, deve-se preconizar a ampliação
do transporte público e o estímulo para que as pessoas substituam o transporte
individual pelo coletivo ou pelo não motorizado.
Na agropecuária, o objetivo maior seria recuperar
18 milhões de hectares de pastagens degradadas e implementar 3,5 milhões de
hectares de integração lavoura-pecuária-floresta, para fazer frente ao
crescimento do rebanho, projetado para mais de 260 milhões de cabeças, segundo
dados da ONG Observatório do Clima. No setor elétrico, uma proposta seria
reduzir a expansão das fontes térmicas de combustível fóssil, e investir mais
nas energias solar, de biomassa e eólica. Hoje, cerca de 10% do quadro
energético brasileiro tem fonte renovável. Com o compromisso do governo, o
potencial atual seria dobrado.
Tão importante quanto as ações práticas, está a
incorporação da responsabilidade corporativa e da sustentabilidade nas escolas
de negócios e nas empresas. O tema foi recentemente discutido no Fórum Global
para Educação Empresarial 2015, realizado em Nova Iorque. Na ocasião, foi
reforçado que, por meio dos “Princípios para Educação Empresarial Responsável”,
busca-se a formação de líderes de negócios capazes de agir em prol de uma nação
mais sustentável e socialmente responsável em um ambiente cada vez mais
desafiador.
O Brasil, um país tropical abençoado por Deus e
bonito por natureza, parece que se conformou com o refrão da música do Jorge
Ben Jor, e há décadas vira as costas para as questões ambientais. Como se a
riqueza natural desta terra abençoada fosse eterna e/ou o governo já tivesse
feito o suficiente pelo desenvolvimento sustentável. O Brasil precisa mudar
essa lógica e se espelhar na sua vocação e nos potenciais naturais para se
destacar mundialmente na luta ambiental. É preciso, mais do que nunca, avançar
com as políticas de clima e aumentar o engajamento dos políticos e da sociedade
como um todo em prol de um planeta mais sustentável. Sair das promessas e das idéias
no papel e colocá-las em prática no nosso dia a dia. Só assim alcançaremos uma
vida melhor para todos nós.
* Antonio Freitas
é membro da Academia Brasileira de Educação e Ana Tereza
Spinola é economista.
Fonte: ENVOLVERDE
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