Muito
dinheiro, conhecimento e polêmicas no BNDES.
O prédio de vidro da sede do BNDES, à esquerda,
tendo por vizinha do outro lado da rua a sede da Petrobras. Os edifícios dos
dois grupos estatais dominam a avenida Chile, no Rio de Janeiro. Foto: Mario
Osava/IPS
Por Mario Osava, da IPS –
Rio de Janeiro, Brasil, 12/5/2015 – A impaciência
com que o Brasil se pôs a construir centrais hidrelétricas, refinarias,
ferrovias, portos e outros megaprojetos desde a década passada, inclusive no
exterior, teve como grande combustível o ingente financiamento de seu banco de
fomento.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES) emprestou no ano passado R$ 187,8 bilhões, mais de um terço
destinado a infraestruturas. Há anos que seus créditos superam amplamente os do
Banco Mundial, em totais anuais.
Por trás das quantias que ditam rumos, ao menos
setoriais, para a economia, é necessária uma inteligência, quase sempre
ofuscada pelos números grandiloquentes. É o conhecimento acumulado de seus
2.881 funcionários, 85% universitários e 11,4% com pós-graduação.
“Desde sua fundação, em 1952, o BNDES tem uma
importância estratégica para o Brasil, isso não mudou, na essência, e de certa
forma atualmente o banco é inclusive mais importante do que no passado”, disse
à IPS o economista Fernando Cardim de Carvalho, professor aposentado da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
“Sobreviveu a muitas modas dominantes na política
nacional, o desenvolvimentismo do ex-presidente Juscelino Kubitschek
(1956-1961) ao planejamento autoritário do general-presidente Ernesto Geisel
(1974-1979) e o neoliberalismo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
(1995-2002), que tentou mudar sua cultura, sem conseguir”, afirmou Carvalho.
Com “o desmantelamento do aparato estatal de planejamento e intervenção desde o
fim do regime militar (1985)”, o BNDES ficou como o “último dos moicanos capaz
de formular políticas econômicas no país, embora em campos relativamente
restritos”, acrescentou.
O Ministério do Planejamento “foi reduzido a uma
instância de controle contábil de execução orçamentária e no processo de erosão
que demoliu o setor público brasileiro apenas sobreviveram dois órgãos, na área
econômica, o BNDES e o Banco Central”, afirmou o professor. Mas, acrescentou, o
banco, apesar de “essencial” para financiar obras de infraestrutura, já não é
suficiente para as necessidades de investimentos no Brasil, que exigem
mecanismos adicionais de financiamento.
O economista lamenta que sua atuação dependa do
governo, “que formula estratégias mais gerais”. Isso levou a um “erro importante,
que não é de responsabilidade do banco mas dos governos que decidiram usá-lo
como instrumento de política anticíclica”.
A crítica de Carvalho se dirige à aceleração de
projetos com recursos do Tesouro transferidos ao banco, para manter o
crescimento econômico depois da crise global de 2008. “O banco existe para
promover objetivos de longo prazo, de transformação produtiva” e impor-lhe
outras funções e a dependência financeira do Tesouro “é um erro”, ressaltou.
Mais contundente. Mauricio Dias David, ex-funcionário
do banco onde trabalhou até 2009, atribui às “facilidades de financiamento sem
controle”, por considerá-las anticíclicas, os créditos concedidos a “muitos
projetos inconsistentes” e “elefantes brancos”, como estádios de futebol
construídos ou reformados para a Copa de 2014.
Antes, quando era pequeno, o banco era “criativo e
tinha capacidade crítica” que se perdeu com seu “crescimento e sua
burocratização”, segundo David, agora professor de economia na Universidade
Estatal do Rio de Janeiro. Sem a crítica são aprovados maus projetos cujos
custos e inclusive insolvências explodirão mais adiante, disse à IPS.
Parte de um dos bairros da cidade de Altamira, no
Pará, à margem do rio Xingu, que ficará sob as águas da represa da hidrelétrica
de Belo Monte. Esse município amazônico é o mais afetado por esse megaprojeto
financiado pelo BNDES. Foto Mario Osava/IPS.
O financiamento do BNDES foi multiplicado por seis
durante os governos do PT, primeiro com Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) e
agora com Dilma Rousseff. O número de seus funcionários quase duplicou neste
século, com 35,8% de mulheres. São selecionados por concurso e desfrutam de
estabilidade trabalhista.
O potencial do banco atrai graduados das melhores
universidades, porque oferece “o melhor emprego em uma instituição federal do
Rio de Janeiro”, segundo Marcelo Miterhof, assessor da presidência do BNDES. O
conhecimento se forma principalmente na própria atuação do banco, em análises
de projetos, diálogo com as empresas e com pessoas de diferentes
especializações, explicou o economista, há 13 anos na instituição.
“Nossos técnicos não sabem mais sobre temas
específicos, como energia ou logística, do que os órgãos especializados ou
empresas, mas ganham visão de conjunto, sistematizam setores, têm a
oportunidade de aprender muitos temas”, relatou Miterhof à IPS. Além disso, há
mecanismos internos, como seminários, grupos de discussão, o “café do
conhecimento” no qual especialistas de fora ou de dentro do banco expõem temas
específicos “como energia eólica”. O intercâmbio de funcionários cedidos a outras
instâncias do governo também contribui para o aprendizado permanente.
O pessoal do banco e seus “pensadores” estão
distribuídos em 20 áreas, entre elas Infraestrutura, Industrial, Comércio
Exterior e Meio Ambiente, além das estratégicas de Planejamento e Pesquisas
Econômicas. A divisão do conhecimento também se dá pela revista BNDES Setorial,
com edições semestrais e artigos de autores internos e externos.
Miterhof explica que com banco o BNDES não promove
o desenvolvimento por si só, depende da iniciativa e de demandas dos clientes.
Mas, às vezes surgem propostas não reativas, como o Programa de Modernização da
Administração Tributária, que apoia prefeituras para melhorar a gestão
financeira e os serviços aos cidadãos.
A dimensão ambiental foi incorporada gradualmente
nas atividades do BNDES. Começou na década de 1970 em colaboração com as
autoridades do setor. Depois foi criada uma gerencia para “apoiar avaliações de
projetos e políticas internas” do banco, um departamento nos anos 1990 e a
atual “área” em 2009.
Com esse status, o meio ambiente tem seus
representantes nos comitês que selecionam os pedidos de crédito e aprovam
resoluções e diretrizes, que se somam às de outras instâncias que ditam a
governança do banco, explicou à IPS o chefe do Departamento de Meio Ambiente,
José Guilherme Cardoso.
A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento de 1992, realizada no Rio de Janeiro, intensificou a ação
ambiental do banco, que hoje responde pela gestão do Fundo Amazônia, que financia
projetos nesse bioma e promove iniciativas próprias. Um exemplo é o Programa
BNDES Restauração Ecológica, que destina recursos a fundo perdido para
recuperar a vegetação em outros biomas, com a Mata Atlântica (florestas da
costa leste que adentram o continente), os Pampas no sul e a savana do cerrado,
no centro do país.
A questão ambiental se estendeu a variadas
instâncias e ações do banco, como o Comitê de Sustentabilidade e a Gerência
Socioambiental da Área de Planejamento, dessa forma permeando todos os níveis
de decisão, com a seleção dos projetos a serem financiados e a aprovação de
resoluções sobre diretrizes geais.
A complexidade dos temas interligados ganha corpo
no desenvolvimento territorial que o BNDES tenta promover na área de impacto da
Central Hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, envolvendo a população e os
governos locais. Trata-se de uma abordagem que busca superar os fortes
conflitos que gera uma obra como a construção de uma central com capacidade de
11.330 megawatts, uma das maiores do mundo, em uma região pobre. “Impressiona a
mobilização da sociedade civil, já bem organizada, que participa intensamente
das reuniões plenárias”, para gerir o plano de desenvolvimento local, disse Ana
Maria Glória, da Área de Planejamento do BNDES e que acompanha o processo com visitas
à região.
Fonte: ENVOLVERDE
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