Aquecimento em oceanos pode ter
efeitos imprevisíveis para a Terra.
Branqueamento de corais. Foto: Projeto Coral Vivo
Mussismilia harttii.
Liderado por brasileiros, estudo sobre
fixação de nitrogênio em corais foi publicado pelo grupo ‘Nature’.
A elevação de temperatura nos oceanos
poderá influenciar no processo de fixação de nitrogênio em corais. A conclusão
é do estudo que acaba de ser publicado no “The ISME Journal”, do
grupo “Nature”, que investigou os efeitos do aquecimento sobre as bactérias que
vivem em associação com o coral Mussismilia harttii e que
são capazes de fixar esse componente essencial para a vida. Ele foi realizado
no mesocosmo marinho do Projeto Coral Vivo – um sistema experimental alimentado
constantemente pela água do mar com equipamentos que permitem simular as
projeções do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas), da ONU,
para as próximas décadas.
“Percebemos que a comunidade microbiana
que fixa o nitrogênio ficou aumentada e a diversidade alterada
consideravelmente com os tratamentos elevados a +2 º C e +4,5 º C. Isso é um
alerta vermelho sobre o nitrogênio nos oceanos. Esse estudo com corais aponta
que a diversidade e a quantidade de microrganismos com funções
essenciais para o planeta poderá ser modificada, com consequências
imprevisíveis para os ciclos biogeoquímicos ao longo do tempo”, observa Raquel
Peixoto, coordenadora da pesquisa e professora do Instituto de Microbiologia
Paulo de Góes da UFRJ. O estudo faz parte da Rede de Pesquisas Coral Vivo, que
é patrocinada pela Petrobras por meio do Programa Petrobras Socioambiental e
copatrocinada pelo Arraial d’Ajuda Eco Parque.
O experimento nos tanques foi feito
durante 21 dias, após 15 dias de aclimatação e, em seguida, eles foram
avaliados em laboratório. Alterações da diversidade da microbiota do
coral Mussismilia harttii do mar para o experimento
também foram consideradas. Do controle para os que passaram pelo aquecimento
monitorado dos tanques, houve ainda mais proliferação
de microrganismos fixadores de nitrogênio, como
algumas cianobactérias. Cabe observar que esse tipo de desenvolvimento
costuma ser encontrado também nos casos em que os corais estão doentes, por
exemplo. Tudo o que acontece no microambiente está relacionado ao
macroambiente. “Para se ter uma ideia da importância do
tema, a presença e a atividade da microbiota de corais está
relacionada à degradação de DMSP, que é
um composto produzido no coral. Quando esse componente é
degradado ele vai para a atmosfera em forma de DMS, que está relacionado à
formação de nuvens e a manutenção do clima local”,exemplifica a bióloga.
“Escolhemos a
espécie Mussismilia harttii, conhecida como coral vela ou coral
couve-flor, porque é uma das principais construtoras de recifes brasileiros e
cujo gênero só ocorre em águas brasileiras”, justifica o biólogo
marinho Clovis Castro, coordenador geral do Projeto Coral Vivo e coordenador
executivo do Plano de Ação Nacional para Conservação dos Ambientes Coralíneos
(PAN Corais).
O trabalho fez parte da tese de doutorado do
Henrique Fragoso dos Santos, e é o primeiro estudo que verifica o efeito da
temperatura sobre as bactérias fixadoras de nitrogênio em recifes de
coral. O estudo foi liderado por brasileiros, com o
desenvolvimento do sistema experimental mesocosmo, a formulação da pergunta, a
execução do experimento, assim como a liderança nas análises e na discussão.
Foi realizado com uma colaboração ampla entre os pesquisadores do Instituto de
Microbiologia Paulo de Góes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, do
Projeto Coral Vivo e do Centro para Estudos Ecológicos e Evolucionários,
da Universidade de Groningen, Holanda.
Para o professor Clovis Castro, isso
demonstra o potencial do trabalho colaborativo entre pesquisadores de
diferentes especialidades sobre um problema concreto com o qual o Brasil se
depara. “Estes e outros grupos de pesquisa brasileiros estão desenvolvendo
diversos estudos para compreender os efeitos das mudanças climáticas e da
qualidade da água, especificamente poluição, sobre os seres recifais. O
objetivo é ajudar a compreender o que pode acontecer em diferentes cenários e,
eventualmente, ajudar a procurar formas de aumentar a resiliência de
nossos recifes frente às alterações esperadas”, conclui Castro.
Nitrogênio é essencial para a vida
Vale lembrar que o nitrogênio é um
componente essencial para todos os seres vivos, e é constituinte de
proteínas, DNA e do RNA, por exemplo. Contudo, a maior parte desse
elemento se encontra na atmosfera, e de forma não assimilável por organismos em
geral. Só quem consegue fixar esse nitrogênio atmosférico
são alguns procariotos. Resumidamente, eles disponibilizam
o nitrogênio fixado na forma de amônia ou nitrato no solo para as
plantas, que os transforma em formas orgânicas, como aminoácidos. Os
herbívoros consomem essas plantas, os carnívoros consomem os herbívoros e o
nitrogênio, desta forma, no resto da cadeia. Esse processo
também ocorre no ambiente marinho, onde o nitrogênio é
transferido dos procariotos para os animais por meio de algas
e plâncton. Recentemente foi descoberto que os fixadores
de nitrogênio também beneficiam os corais, por meio desta simbiose específica
“Como esses microrganismos são os únicos que conseguem fixar o
nitrogênio da atmosfera e disponibilizá-lo para outros organismos,
torna-se importante que se estude a dinâmica deles, simulando as
mudanças climáticas nos oceanos”, afirma Raquel.
Esse estudo aponta que a alteração de
temperatura dos oceanos poderá alterar a relação simbiótica entre os
microrganismos fixadores de nitrogênio e os corais. “Essa fixação de
nitrogênio ocorre em nível intracelular, onde grande parte deste composto
fixado é usado pelas algas zooxantelas – algas que vivem em simbiose com os
corais e que são extremamente importantes para a nutrição deles”, explica o
biólogo marinho Gustavo Duarte, coordenador executivo do Projeto Coral Vivo, e
que participou do estudo.
Entenda o funcionamento do mesocosmo
marinho do Coral Vivo
Com o intuito de simular as condições propostas
pelo IPCC da ONU, o Projeto Coral Vivo desenvolveu um sistema experimental com
16 tanques que recebem água do mar continuamente, com capacidade de alterar
temperatura, acidez ou adicionar poluentes em tempo real. De acordo com o
biólogo Gustavo Duarte, esse mesocosmo marinho foi construído de maneira a
propiciar maior realismo em comparação às pesquisas experimentais convencionais
feitas em laboratório, sem o inconveniente das dificuldades logísticas das
pesquisas de campo, como momentos de mar agitado e a impossibilidade do
pesquisador permanecer muito tempo sob a água.
“O ponto forte desse mesocosmo marinho
é manter muitas das variáveis ambientais encontradas no mar, podendo alterar
sua condição e simular impactos, como os de mudanças climáticas e contaminações
por poluentes diversos, mantendo o realismo”, explica Duarte. O especialista
destaca que eles têm conseguido resultados tão próximos aos do mar que, no
experimento de acidificação em 2012, os corais que estavam sendo testados
desovaram em pleno experimento. “Com isso, os resultados são mais
aplicáveis ao que se espera das mudanças climáticas futuras. Nossos
experimentos vêm apresentando resultados significativamente interessantes e
claros”, comemora o especialista. O lugar escolhido como base de pesquisas
do Coral Vivo é Arraial d’Ajuda, sul da Bahia – uma das regiões mais ricas do
país em biodiversidade marinha.
Projeto Coral Vivo
O Coral Vivo faz parte da Rede BIOMAR
(Rede de Projetos de Biodiversidade Marinha), que reúne também os
projetos Tamar, Baleia Jubarte, Golfinho Rotador e Albatroz. Todos
patrocinados pela Petrobras por meio do Programa Petrobras Socioambiental, eles
atuam de forma complementar na conservação da biodiversidade marinha do Brasil,
trabalhando nas áreas de proteção e pesquisa das espécies e
dos habitats relacionados. As ações do Coral Vivo são viabilizadas
também pelo copatrocínio do Arraial d’Ajuda Eco Parque, e realizadas pela
Associação Amigos do Museu Nacional (SAMN) e pelo Instituto Coral Vivo (ICV).
Mais informações na página www.facebook.com/CoralVivo e no site www.coralvivo.org.br.
Fonte: Projeto
Coral VIVO
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