Câmara
retrocede e marco legal da biodiversidade reduz direitos.
Indígenas Kayapó com planta medicinal © Mauri
Rautkari / WWF
Por Jaime Gesisky –
Foi um retrocesso para os povos indígenas e
comunidades tradicionais detentores de conhecimentos e provedores de
biodiversidade. Na madrugada desta quarta-feira, 28/4, a Câmara dos Deputados
rejeitou as principais emendas feitas pelo Senado ao projeto de lei 7735/14, do
Poder Executivo, conhecido como “novo marco legal da biodiversidade” e que
trata sobre os recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados à
biodiversidade e agrobiodiversidade.
Os deputados – em sua maioria da bancada ruralista
– foram implacáveis. Excluíram 11 emendas que garantiam o essencial do ponto de
vista dos direitos dos povos tradicionais, afrontando princípios da Convenção
da Biodiversidade das Nações Unidas – CDB e da Constituição Federal, ambos
mecanismos legais sacramentados ali mesmo naquele plenário.
O texto que agora vai à sanção da presidente Dilma
Rousseff abre o acesso para empresas e pesquisadores ao patrimônio genético
brasileiro, beneficiando principalmente as indústrias de remédios e cosméticos.
Para os povos e comunidades tradicionais, a principal derrota é que a lei
restringe a repartição de benefícios.
Além de restringir os direitos dessas populações, o
texto aprovado da Câmara permite anistia de multas de empresas que tenham
cometido infrações por exploração indevida do patrimônio genético, que é um bem
sob responsabilidade da União.
Os deputados rejeitaram, por exemplo, o ponto que
tornava obrigatório o pagamento de royalties sobre “qualquer” elemento
[substância] de agregação de valor ao produto resultante do acesso ao
patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado. O texto agora
prevê o pagamento apenas no caso em que a substância pesquisada seja o
ingrediente principal do produto.
Na votação, ficou garantido que se um produto foi
criado a partir de material existente na biodiversidade nativa, a empresa terá
que repassar ao futuro Fundo Nacional de Repartição dos Benefícios de 0,1% a 1%
da receita líquida anual obtida com a sua exploração econômica. As emendas que
aumentariam alcances dos royalties foram rejeitadas.
Para o CEO do WWF-Brasil, Carlos Nomoto, a
repartição de benefícios seria uma forma justa e mais duradoura de inclusão econômica
das comunidades da floresta, que precisam de incentivos econômicos para
continuar a proteger as matas nativas onde vivem há séculos.
Segundo ele, a justa repartição seria também uma
maneira de estimular a economia de baixo carbono a partir do uso sustentável da
biodiversidade, reconhecendo e respeitando direitos já consagrados na
Constituição Federal e acordos internacionais, como o Protocolo de Nagoya e a
Convenção da Diversidade Biológica (CDB/ONU).
Origem
O desequilíbrio de interesses entre os segmentos
sociais diretamente envolvidos no tema do acesso e repartição de benefícios já
veio impresso no texto enviado pela Casa Civil da Presidência da República, no
final do ano passado. O Executivo foi quem formulou a primeira versão,
encaminhada ao Congresso Nacional “em regime de urgência”, que fez com que o
projeto tramitasse rapidamente, sem tempo de debates mais amplos com a
sociedade.
“O Senado recuperou em parte essa disparidade.
Chamou indústria, cientistas e comunidades, resgatando um pouco do processo
democrático que se espera do Estado. Houve acordos entre os segmentos. Mas os
deputados foram ainda mais conservadores do que a própria indústria e romperam
esse tecido”, lamentou Jean François Timmers, Superintendente de Políticas
Públicas do WWF-Brasil.
Perdas
As perdas impostas pela Câmara atingiram também as
áreas protegidas (unidades de conservação da natureza de domínio público,
terras indígenas, territórios Quilombolas e áreas prioritárias para a
conservação). Os senadores propuseram que nos casos em que os royalties fossem
na modalidade não monetária – quando o pagamento é feito com serviços ou
materiais –, o usuário (empresa) indicaria o beneficiário da repartição, que
poderia ser uma dessas áreas, no entendimento do Senado.
O Plenário da Câmara também derrubou o artigo que
obrigava os órgãos oficiais de defesa dos direitos de populações indígenas
(Funai) e de comunidades tradicionais (ICMbio, MDA) a serem ouvidos na hora dos
acordos setoriais no caso de acesso a conhecimento tradicional associado de
origem não identificável. O texto da Câmara trata essa consulta como uma
“possibilidade”.
O Ibama também perdeu prerrogativas e não será mais
um dos responsáveis pela fiscalização das pesquisas agropecuárias, juntamente
com o Ministério da Agricultura. Prevaleceu o texto da Câmara, elaborado a
pedido da Frente Parlamentar Agropecuária, que determina a fiscalização apenas
pelo Ministério da Agricultura.
Fonte: WWF Brasil
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