Megaprojetos podem sepultar reputações.
Maquete de uma das plataformas petroleiras para
extração em alto mar do petróleo pré-sal, exposta no Centro de Pesquisas da
Petrobras, no Rio de Janeiro. Foto: Mario Osava/IPS
Por Mario Osava, da IPS –
Rio de Janeiro, Brasil,7/5/2015 – Os megaprojetos
são apostas de alto riso. Podem consagrar o governante que os impulsionou, mas
também pode colocar a perder sua imagem e até seu poder, e no caso do Brasil a
balança se inclina perigosamente para o negativo.
Isso acontece em detrimento da imagem do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) e de sua sucessora Dilma
Rousseff, ambos do PT, ao agigantar-se o escândalo dos subornos na Petrobras,
que estouro em 2014.
A companhia admitiu em seu balanço do ano passado
que as perdas por corrupção somaram R$ 6,194 bilhões, equivalente a US$ 2,060
bilhões ao câmbio atual, muito mais antes, com o real valorizado em relação ao
dólar. Mas sete vezes essa quantidade foi pela desvalorização de ativos, ou
seja, o equivalente atual a US$ 14,870 bilhões.
Essas são as rebaixadas cifras contáveis, as perdas
reais nunca serão conhecidas com exatidão. A empresa perdeu crédito
internacional, sua imagem ficou gravemente manchada e em consequência muitos de
seus negócios e planos não se concretizaram.
A cifra de corrupção se baseou em testemunhos dos
acusados na operação Lava Jato e em pesquisa da Procuradoria e da Policia
Federal, de que os subornos representavam 3% da somas contratadas pela
Petrobras com 27 empresas, entre 2004 e 2012.
Os prejuízos maiores podem ser atribuídos a más
decisões e falhas de planejamento e gestão, embora a corrupção tenha tidogrande
repercussão entre a população, suas consequências ainda são incalculáveis. Além
disso, será difícil avaliar que influência teve a corrupção nos erros
administrativos, que também são políticos, e vice-versa.
Dois terços da desvalorização de ativos se
concentraram nos dois grandes projetos da Petrobras, a Refinaria Abreu Lima,
quase concluída na região Nordeste, e o Complexo Petroquímico do Estado do Rio
de Janeiro (Comperj), ambos iniciados durante o mandato de Lula.
O Comperj, um megaprojeto de US$ 21,6 bilhões,
segundo informou a Petrobras aos investidores, deixou a parte petroquímica em
2014, considerada inviável economicamente, depois de indecisões durante três
anos, e foi reduzido a uma refinaria para processar 165 mil barris (de 159
litros) diários de petróleo.
Agora descapitalizada, será difícil para a
Petrobras investir mais milhões de dólares para concluir a refinaria, que a
empresa estimaestar com 82% da obra concluída.Mas deixar de fazê-lo
representaria perdas muito maiores.
Milhares de trabalhadores demitidos, depressão
econômica e social em Itaboraí, onde fica o complexo, a 60 quilômetros da
cidade do Rio de Janeiro, equipamentos já adquiridos e sem perspectiva de uso
cuja armazenagem custa milhões de dólares ao ano, e a quebra de fornecedores,
são alguns dos efeitos da redução e paralisação do projeto.
A hidrelétrica de Santo Antônio, no rio Madeira, no
Estado de Rondônia, noroeste do Brasil, durante sua construção em 2010. Foto:
Mario Osava/IPS
A crise da Petrobras também se deve à queda dos
preços internacionais do petróleo e ao seu subsídio por longo tempo do consumo
de derivados para conter a inflação, por decisão governamental. Além disso,
coloca em perigo a indústria naval, que se expandiu para atender a demanda da
companhia petroleira.
Os estaleiros podem demitir cerca de 40 mil
empregados se a crise se prolongar, segundo dados do setor. É uma indústria que
praticamente ressuscitou no Brasil, diante dos pedidos de sondas, plataformas e
outros equipamentos para que a Petrobras possa extrair petróleo da camada
pré-sal de águas profundas no oceano Atlântico.
A refinaria Abreu e Lima, com capacidade para
processar 230 mil barris diários, tem melhor sorte porque sua primeira fase foi
completada e começou a operar no final do ano passado. Mas seu custo aumentou
oito vezes sobre o previsto inicialmente.
Uma das razões foi a pretendida associação com a
estatal Petróleos da Venezuela (PDVSA), acordada por Lula com o hoje falecido
presidente venezuelano Hugo Chávez (1999-2013). A PDVSA nunca concretizou seu
aporto de 40% do capital da refinaria, mas o compromisso influiu no projeto e
na compra de equipamentos adequados ao petróleo pesado venezuelano. O projeto
teve que ser modificado já em andamento.
Os planos de construir outras duas grandes refinarias
no nordeste, no Ceará e Maranhão, foram descartados pela Petrobras como
antieconômicos. Mas depois de terem sido investidos cerca de US$ 900 mil na
compra e preparação do terreno.
O desastre no setor do petróleo se destaca na mídia
pelo escândalo, pelas quantias e pelos setores envolvidos, que compreendem as
quatro refinarias, dezenas de estaleiros e grandes construtoras que prestavam
serviços a Petrobras e são acusadas de pagar subornos.
Mas são numerosos os outros grandes projetos de
infraestrutura energética e logística que sofrem grandes atrasos ou
interrupções. Incentivados pelo crescimento econômico nos oito anos de governo
Lula, e pelos estímulos oficiais do Programa de Aceleração do Crescimento,
esses projetos se multiplicaram por todo o país.
Ferrovias, portos, ampliação e pavimentação de
estradas, centrais elétricas de todo tipo e biocombustíveis, todos projetos de
grande escala, puseram à prova a capacidade produtiva dos brasileiros,
especialmente das construtoras que, além disso, expandiram suas atividades ao
exterior.
A maioria das obras tem atraso de vários anos. A
transposição do rio São Francisco, composta por 700 quilômetros de canais,
túneis e represas, para aumentar o fluxo de água para o nordeste semi-árido
deveria, inicialmente, ter sido inaugurada em 2010, ao fim da administração
Lula. Seu custo quase duplicou, mas ainda não se pode garantir que o menor dos
canais esteja operacional ao final deste ano, como prometeu a presidente Dilma
Rousseff.
Projetos privados, como as ferrovias
Transnordestina e Oeste-leste, também no nordeste, sofrem atrasos e
paralisações. A resistência indígena e de algumas autoridades ambientais, junto
com greves e protestos trabalhistas – em certas ocasiões acompanhadas da
destruição de equipamentos e instalações – alimentaram os atrasos, mas não
absolvem as falhas de projetos e gestões.
A onda de megaprojetos iniciada na década passada
se explica pela abstinência de investimentos em infra estrutura que o Brasil
sofreu, e em geral a América Latina, nas duas “décadas perdidas” do final do
século XX.
Desde 1980 não se construía refinarias de petróleo
no Brasil. O êxito do etanol como substituto da gasolina adiou sua necessidade.
O país se tornou exportador de gasolina e importador de diesel, até que a
multiplicação dos veículos automotores e o consumo industrial tornaram urgente
ampliar a capacidade de refino.
Tampouco foram construídas grandes hidrelétricas
desde 1984, quando foram inauguradas as duas maiores do país, a de Itaipu na
fronteira com o Paraguai e a de Tucuruí, no norte amazônico.A privação estourou
em 2001, com o apagão e sucessivo racionamento de energia durante oito meses,
que marcou negativamente o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003).
O retorno do crescimento econômico durante o governo
Lula acentuou as carências e a necessidade de recuperar o tempo perdido. O
voluntarismo que às vezes embriaga os desenvolvimentistas multiplicou os
megaprojetos, com as consequências agora conhecidas, incluída, provavelmente, a
nova escala da corrupção. E sem esquecer o impacto político para o governo de
Dilma Rousseff e do PT e o risco de instabilidade para a grande potência latino-americana.
Fonte: ENVOLVERDE
Nenhum comentário:
Postar um comentário