terça-feira, 12 de maio de 2015

Megaprojetos podem sepultar reputações.

Maquete de uma das plataformas petroleiras para extração em alto mar do petróleo pré-sal, exposta no Centro de Pesquisas da Petrobras, no Rio de Janeiro. Foto: Mario Osava/IPS
Por Mario Osava, da IPS – 

Rio de Janeiro, Brasil,7/5/2015 – Os megaprojetos são apostas de alto riso. Podem consagrar o governante que os impulsionou, mas também pode colocar a perder sua imagem e até seu poder, e no caso do Brasil a balança se inclina perigosamente para o negativo.

Isso acontece em detrimento da imagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) e de sua sucessora Dilma Rousseff, ambos do PT, ao agigantar-se o escândalo dos subornos na Petrobras, que estouro em 2014.

A companhia admitiu em seu balanço do ano passado que as perdas por corrupção somaram R$ 6,194 bilhões, equivalente a US$ 2,060 bilhões ao câmbio atual, muito mais antes, com o real valorizado em relação ao dólar. Mas sete vezes essa quantidade foi pela desvalorização de ativos, ou seja, o equivalente atual a US$ 14,870 bilhões.

Essas são as rebaixadas cifras contáveis, as perdas reais nunca serão conhecidas com exatidão. A empresa perdeu crédito internacional, sua imagem ficou gravemente manchada e em consequência muitos de seus negócios e planos não se concretizaram.

A cifra de corrupção se baseou em testemunhos dos acusados na operação Lava Jato e em pesquisa da Procuradoria e da Policia Federal, de que os subornos representavam 3% da somas contratadas pela Petrobras com 27 empresas, entre 2004 e 2012.

Os prejuízos maiores podem ser atribuídos a más decisões e falhas de planejamento e gestão, embora a corrupção tenha tidogrande repercussão entre a população, suas consequências ainda são incalculáveis. Além disso, será difícil avaliar que influência teve a corrupção nos erros administrativos, que também são políticos, e vice-versa.

Dois terços da desvalorização de ativos se concentraram nos dois grandes projetos da Petrobras, a Refinaria Abreu Lima, quase concluída na região Nordeste, e o Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro (Comperj), ambos iniciados durante o mandato de Lula.

O Comperj, um megaprojeto de US$ 21,6 bilhões, segundo informou a Petrobras aos investidores, deixou a parte petroquímica em 2014, considerada inviável economicamente, depois de indecisões durante três anos, e foi reduzido a uma refinaria para processar 165 mil barris (de 159 litros) diários de petróleo.

Agora descapitalizada, será difícil para a Petrobras investir mais milhões de dólares para concluir a refinaria, que a empresa estimaestar com 82% da obra concluída.Mas deixar de fazê-lo representaria perdas muito maiores.

Milhares de trabalhadores demitidos, depressão econômica e social em Itaboraí, onde fica o complexo, a 60 quilômetros da cidade do Rio de Janeiro, equipamentos já adquiridos e sem perspectiva de uso cuja armazenagem custa milhões de dólares ao ano, e a quebra de fornecedores, são alguns dos efeitos da redução e paralisação do projeto.
A hidrelétrica de Santo Antônio, no rio Madeira, no Estado de Rondônia, noroeste do Brasil, durante sua construção em 2010. Foto: Mario Osava/IPS

A crise da Petrobras também se deve à queda dos preços internacionais do petróleo e ao seu subsídio por longo tempo do consumo de derivados para conter a inflação, por decisão governamental. Além disso, coloca em perigo a indústria naval, que se expandiu para atender a demanda da companhia petroleira.

Os estaleiros podem demitir cerca de 40 mil empregados se a crise se prolongar, segundo dados do setor. É uma indústria que praticamente ressuscitou no Brasil, diante dos pedidos de sondas, plataformas e outros equipamentos para que a Petrobras possa extrair petróleo da camada pré-sal de águas profundas no oceano Atlântico.

A refinaria Abreu e Lima, com capacidade para processar 230 mil barris diários, tem melhor sorte porque sua primeira fase foi completada e começou a operar no final do ano passado. Mas seu custo aumentou oito vezes sobre o previsto inicialmente.

Uma das razões foi a pretendida associação com a estatal Petróleos da Venezuela (PDVSA), acordada por Lula com o hoje falecido presidente venezuelano Hugo Chávez (1999-2013). A PDVSA nunca concretizou seu aporto de 40% do capital da refinaria, mas o compromisso influiu no projeto e na compra de equipamentos adequados ao petróleo pesado venezuelano. O projeto teve que ser modificado já em andamento.

Os planos de construir outras duas grandes refinarias no nordeste, no Ceará e Maranhão, foram descartados pela Petrobras como antieconômicos. Mas depois de terem sido investidos cerca de US$ 900 mil na compra e preparação do terreno.

O desastre no setor do petróleo se destaca na mídia pelo escândalo, pelas quantias e pelos setores envolvidos, que compreendem as quatro refinarias, dezenas de estaleiros e grandes construtoras que prestavam serviços a Petrobras e são acusadas de pagar subornos.

Mas são numerosos os outros grandes projetos de infraestrutura energética e logística que sofrem grandes atrasos ou interrupções. Incentivados pelo crescimento econômico nos oito anos de governo Lula, e pelos estímulos oficiais do Programa de Aceleração do Crescimento, esses projetos se multiplicaram por todo o país.

Ferrovias, portos, ampliação e pavimentação de estradas, centrais elétricas de todo tipo e biocombustíveis, todos projetos de grande escala, puseram à prova a capacidade produtiva dos brasileiros, especialmente das construtoras que, além disso, expandiram suas atividades ao exterior.

A maioria das obras tem atraso de vários anos. A transposição do rio São Francisco, composta por 700 quilômetros de canais, túneis e represas, para aumentar o fluxo de água para o nordeste semi-árido deveria, inicialmente, ter sido inaugurada em 2010, ao fim da administração Lula. Seu custo quase duplicou, mas ainda não se pode garantir que o menor dos canais esteja operacional ao final deste ano, como prometeu a presidente Dilma Rousseff.

Projetos privados, como as ferrovias Transnordestina e Oeste-leste, também no nordeste, sofrem atrasos e paralisações. A resistência indígena e de algumas autoridades ambientais, junto com greves e protestos trabalhistas – em certas ocasiões acompanhadas da destruição de equipamentos e instalações – alimentaram os atrasos, mas não absolvem as falhas de projetos e gestões.

A onda de megaprojetos iniciada na década passada se explica pela abstinência de investimentos em infra estrutura que o Brasil sofreu, e em geral a América Latina, nas duas “décadas perdidas” do final do século XX.

Desde 1980 não se construía refinarias de petróleo no Brasil. O êxito do etanol como substituto da gasolina adiou sua necessidade. O país se tornou exportador de gasolina e importador de diesel, até que a multiplicação dos veículos automotores e o consumo industrial tornaram urgente ampliar a capacidade de refino.

Tampouco foram construídas grandes hidrelétricas desde 1984, quando foram inauguradas as duas maiores do país, a de Itaipu na fronteira com o Paraguai e a de Tucuruí, no norte amazônico.A privação estourou em 2001, com o apagão e sucessivo racionamento de energia durante oito meses, que marcou negativamente o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003).

O retorno do crescimento econômico durante o governo Lula acentuou as carências e a necessidade de recuperar o tempo perdido. O voluntarismo que às vezes embriaga os desenvolvimentistas multiplicou os megaprojetos, com as consequências agora conhecidas, incluída, provavelmente, a nova escala da corrupção. E sem esquecer o impacto político para o governo de Dilma Rousseff e do PT e o risco de instabilidade para a grande potência latino-americana.


Fonte: ENVOLVERDE

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