As veias
abertas da Amazônia.
Garimpo na terra indígena Sawré Muybu. Foto:
©Greenpeace/Fábio Nascimento - Por Luana Lila, do Greenpeace Brasil –
Uma série de reportagens sobre a luta do povo
Munduruku contra a construção de barragens na Amazônia.
PARTE II – A luta pela terra
“Esperamos pelo governo há décadas para demarcar
nossa Terra e ele nunca o fez. Por causa disso que a nossa terra está morrendo,
nossa floresta está chorando, pelas árvores que encontramos deixadas por
madeireiros nos ramais para serem vendidas de forma ilegal nas serrarias[…]
árvores centenárias como Ipê, áreas imensas de açaizais são derrubadas para
tirar palmitos. Nosso coração está triste[…] Agora decretamos que não vamos
esperar mais pelo governo. Agora decidimos fazer a autodemarcação, nós queremos
que o governo respeite o nosso trabalho, respeite nossos antepassados, respeite
nossa cultura, respeite nossa vida. Só paramos quando concluir o nosso trabalho.
”.
Aldeia Sawré Muybu, Itaituba, 17 de novembro de 2014, I Carta da
autodemarcação do território Daje Kapap Eypi.
Conhecidos como um dos grandes povos guerreiros da
Amazônia, os Munduruku habitam a região do rio Tapajós há milhares de anos.
Existem registros de contato desse povo com os colonizadores já no século VIII,
quando começaram a combater as tropas portuguesas até que acabaram se aliando a
elas, como estratégia de sobrevivência.
Desde então, assim como a maioria dos povos
indígenas do Brasil, os Munduruku têm enfrentado uma série de ameaças. No
século XIX suas terras foram invadidas por seringalistas e muitos deles fugiram
para as cabeceiras do rio Tapajós, onde hoje existem duas terras indígenas
demarcadas: a TI Mundurucu e a TI Sai Cinza. Na década de 70 chegou o garimpo,
na esteira da construção da rodovia Transamazônica, causando a contaminação dos
igarapés e rios. Atualmente, eles são obrigados a ver o rio que lhes dá vida
sendo cobiçado para a construção de grandes hidrelétricas na Amazônia.
Rio Tapajós em risco
O Complexo do Tapajós prevê a construção de pelo
menos cinco barragens nos rios Tapajós e Jamanxim. A soma da área dos
reservatórios ultrapassa o tamanho da cidade de São Paulo, mas, no lugar de uma
selva de pedras, a área a ser alagada concentra uma das principais porções de
floresta intacta do País, que abriga espécies ameaçadas de extinção e outras que
só se encontram na região.
São Luiz do Tapajós, a primeira hidrelétrica a ser
construída, cuja capacidade instalada, 8.040 MW, deve ser a maior depois de
Itaipu, Belo Monte e Tucuruí, causaria o alagamento da terra indígena Sawré
Muybu, onde existem três aldeias e onde os indígenas cultivam roças, caçam,
pescam e mantém um cemitério ancestral. O Artigo 231 da Constituição Federal
proíbe a remoção definitiva de grupos indígenas de suas terras a não ser em
algumas situações extremas que coloquem em risco a população, e garantindo o
retorno imediato assim que possível.
A demarcação desse território, conhecido pelos
Munduruku como Daje Kapap Eypi, se arrasta há mais de 13 anos e foi paralisada
no ano passado. A Funai não publicou o relatório circunstanciado que confirma a
ocupação tradicional dos índios e que é fundamental para a continuidade do
processo da demarcação. Em setembro de 2014, durante reunião com os Munduruku,
a então presidente interina da Funai, Maria Augusta Assirati, afirmou que o
relatório estava aprovado há meses, mas que não tinha sido publicado por
envolver outros interesses do governo.
A autodemarcação
No final de 2014 os Munduruku decidiram então
iniciar a demarcação de seu território – que tem mais de 178 mil hectares – com
as próprias mãos, marcando os limites da terra de acordo com o que consta no
próprio relatório não publicado. Assim, tentam escapar da invisibilidade que
lhes tem sido imposta pelo governo – uma forma de exigir não só o
reconhecimento de sua existência, mas também de seus direitos.
Para eles, Sawré Muybu é muito mais que um simples
pedaço de chão. É lá que eles têm a base de sua cultura e alimentação. O Rio
Tapajós é tão importante que, na cosmologia Munduruku, faz parte também da
história da própria criação desse povo e possui diversos locais sagrados que
poderão ser destruídos com a construção.
No final de abril deste ano, a Justiça Federal em
Itaituba acatou uma ação do Ministério Público Federal do Pará obrigando a
Funai a se manifestar a respeito da demarcação e a pagar indenização de R$ 20
mil revertidos em políticas públicas por danos aos Munduruku, pela demora no
processo.
Mas, enquanto a demarcação não é feita
oficialmente, o território que lhes é de direito tem sido invadido por
madeireiros e garimpeiros. Em um sobrevoo promovido pelo Greenpeace no final de
março, o cacique de Sawré Muybu, Juarez Saw, pôde ver com os próprios olhos um
gigantesco garimpo que rodeia um dos morros dentro da terra delimitada no
relatório da Funai.
A sentença da Justiça em Itaituba destacou as
intervenções que estão ocorrendo dentro da terra indígena enquanto a demarcação
está paralisada, afirmando que a atuação de madeireiros, garimpeiros e os
planos de construção da usina de São Luiz estão prejudicando os direitos
originários dos Munduruku sobre suas terras.
“A gente conserva a floresta andando nela, por
terra, debaixo dela, e não só de cima, onde muitas vezes não dá para ver nada.
A autodemarcação para nós é isso, é cuidar da floresta, impedir que tirem
madeira e conservar os frutos e a caça”, afirma o cacique, explicando que o
direito à terra é fundamental para a sobrevivência de seu povo.
Fonte: Greenpeace Brasil
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