O que
acontece quando as indígenas administram a floresta na Índia?
Mulheres da aldeia tribal de Gunduribadi, no Estado
de Odisha, na Índia, patrulham a floresta com paus para evitar o desmatamento
ilegal. Foto: Manipadma Jena/IPS
Por Manipadma Jena, da IPS
Nauyagarh, Índia, 14/5/2015 – Longe de Nova Délhi,
na Índia se desenvolvem em silêncio um drama que inclui 275 milhões de pessoas
que vivem nas florestas do país e que poderia ser a luta definidora do século
XXI.
Kama Phradhan, uma indígena de 35 anos, com seus
olhos fixos na tela de um aparelho GPS portátil, se move rapidamente entre as
árvores. Diante dela, um grupo de homens se apressa para limpar os arbustos dos
marcos dispersos pela densa selva do distrito de Nayagarh, no Estado de Odisha.
Os pesados marcadores de pedra, dispostos pelas
forças britânicas há 150 anos, delimitam o perímetro externo de uma zona que a
administração colonial determinou que seria uma reserva florestal de
propriedade estatal, ignorando em seu momento a presença de milhões de
habitantes das florestas, que já viviam da terra há séculos.
Pradhan integra a aldeia tribal de Gunduribadi,
composta por 27 famílias, e trabalha com os demais residentes para traçar os
limites dessa floresta de 200 hectares que a comunidade reclama como sua terra
ancestral.
O grupo levará dias para percorrer o terreno
montanhoso com os mapas do governo e seus rudimentares sistemas GPS para
encontrar a totalidade dos marcadores e determinar o alcance exato da zona
florestal. Mas, Pradhan está decidida a fazê-lo. “Ninguém pode nos roubar nem
um só metro de nossa mãe, a floresta. Ela nos deu a vida e nós damos a vida por
ela”, afirmou a mulher à IPS, com voz emocionada.
Na vanguarda deste movimento estão as comunidades
tribais de Estados como Odisha, decididas a fazer valer a emenda A2012 da lei
de Direitos Florestais para reclamar o título de propriedade sobre suas terras.
Uma das disposições da lei que devolve mais poder aos habitantes da selva e às
comunidades tribais lhes deu o direito de possuir, administrar e vender os produtos
florestais não madeireiros, dos quais cerca de 100 milhões de pessoas sem terra
dependem para obter renda, remédios e moradia.
Vigilantes apreendem a madeira levada por um
ladrão. O corte de árvores é supervisionado com rigor nas florestas de Odisha,
e a permissão para retirar troncos só é dada às famílias que necessitam deles
para construir casas ou acender piras funerárias. Foto: Manipadma Jena/IPS
As mulheres se converteram nas líderes naturais que
realizam as gestões para aplicar a lei, já que são as administradoras
tradicionais das florestas, abastecendo de maneira sustentável de alimentos,
combustível e forragem os pobres sem terra, bem como através da coleta de
materiais para cercar suas hortas, e obter plantas medicinais e madeira para
construírem suas casas com teto de palha.
Com a liderança de mulheres como Pradhan, 850
aldeias do distrito de Nayagarth administram coletivamente 100 mil hectares de
floresta e, em consequência, 53% da massa terrestre da área que agora tem uma
cobertura florestal. Isso dá mais do que o dobro da média nacional em toda Índia,
que se limita a 21% de cobertura florestal. No total, 15 mil aldeias,
principalmente nos Estados orientais, protegem cerca de dois milhões de
hectares de floresta.
A última Pesquisa Florestal da Índia concluiu que a
cobertura florestal do país aumentou 5.871 quilômetros quadrados entre 2010 e
2012, o que elevou o total a 697.898 quilômetros quadrados, ou cerca de 69
milhões de hectares. Mas, a pesquisa indica que diariamente uma média de 135
hectares de floresta são entregues a projetos de desenvolvimento, como
mineração e geração de energia. As comunidades tribais de Odisha são alheias
aos projetos de desenvolvimento em grande escala que se aproveitam da terra.
Quarenta anos de corte ilegal no cinturão florestal
do Estado, junto com a venda comercial de teça, sal (Shorea robusta) e bambu,
deixaram estéreis as colinas. Os riachos que antes regavam pequenas parcelas de
terras de cultivo começaram a secar, já que as fontes de água subterrânea
desapareciam gradualmente. Entre 1965 e 2004, Odisha sofreu secas recorrentes e
crônicas, incluídos três períodos consecutivos entre 1965 e 1967.
As aldeias se esvaziaram, já que quase 50% da
população fugiu em busca de alternativas. “Nós que ficamos tivemos que vender
os utensílios de bronze de nossas famílias em troca de dinheiro vivo para
comprar arroz. Era tal a escassez de madeira que às vezes os mortos tinham que
esperar enquanto íamos de casa em casa pedindo troncos para a pira funerária”,
relatou à IPS Arjun Pradhan, de 70 anos e chefe da aldeia Gunduribabi.
Nibasini Phradhan, na aldeia de Gunduribadi, maneja
um GPS fornecido pelo governo para ajudar a comunidade a definir os limites de
suas terras ancestrais. Foto: Manipadma Jana/IPS
Quando a crise se agravou, Kesarpur, um conselho
municipal em Nayagarh, idealizou uma campanha que agora serve de modelo para a
silvicultura comunitária em Odisha. O conselho destinou direitos a cada
família, segundo suas necessidades, para colher lenha, forragem ou produtos
comestíveis. Toda pessoa que desejasse cortar uma árvore para fazer uma pira
funerária ou reparos em sua casa devia pedir permissão especial. Além disso, os
machados estavam proibidos na floresta.
Os aldeões faziam turnos para patrulhar a selva
mediante o sistema “thengapali”, literalmente traduzido como “rotação do pau”.
A cada noite os representantes de quatro famílias faziam suas rondas com paus
afiados. No fim do turno os vigilantes deixavam os paus junto às portas de seus
vizinhos, o que indicava a troca de guarda.
O conselho impôs sanções rígidas mas lógicas a quem
violasse as regras. Os que fossem pegos roubando tinham que pagar multa
correspondente ao roubo. Não se apresentar para a patrulha significava uma
noite adicional de guarda.
Na medida em que a selva se regenerava lentamente,
os aldeões assumiram sacrifícios adicionais. Todas as cabras, cuja venda significava
dinheiro fácil em tempos difíceis, foram vendidas e proibidas durante 10 anos
para proteger os novos brotos na floresta. Em lugar de cozinhar duas vezes ao
dia, as famílias preparavam as duas refeições em uma só fogueira para
economizar lenha.
Cerca de 20 anos depois de aplicado esse
projeto-piloto, um riacho passa nos arredores de Gunduribadi e permite a
irrigação de pequenas hortas de lentinha e verduras prontas para colher. Sob a
sombra de uma árvore a água limpa brota à profundidade de 120 centímetros em um
poço recém-cavado. As mulheres idosas enchem baldes de água com facilidade.
Manas Pradhan, que dirige o comitê local de
proteção florestal, explica que as chuvas depositaram húmus nos 28 hectares de
terras de cultivo administradas pelas 27 famílias. Isso deu lugar a um solo tão
rico que um único hectare produz 6.500 quilos de arroz sem reforço químico,
equivalentes a três vezes o rendimento normal das propriedades nos arredores
das florestas que não recebem a mesma proteção, afirmou.
“Quando a batata era escassa e vendida ao preço
inacessível de 40 rúpias (US$ 0,65) o quilo, a substituímos por pichuyli, um
tubérculo doce disponível em abundância na selva”, contou Janha Pradhan, uma
indígena sem terra, apontando para um pequeno monte do produto que colheu
durante sua patrulha na noite anterior. “Fizemos bom dinheiro vendendo alguns
na cidade quando os preços da batata aumentaram há alguns meses”, acrescentou.
Em um Estado onde a renda média fica em torno de
US$ 40 por mês, e a fome e a desnutrição afetam 32% da população, com metade
das crianças com baixo peso, esta comunidade representa um oásis de saúde em um
deserto de pobreza.
*Esta reportagem faz parte de uma série concebida
em colaboração com Ecosocialist Horizons.
Fonte: ENVOLVERDE
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