sábado, 16 de maio de 2015

Políticas sociais latino-americanas deram impulso às mulheres.
A Conferência Internacional As mulheres e a inclusão social: de Pequim a pós-2015, durante sua jornada inaugural, dia 6 de maio, no Palácio San Martín, sede da chancelaria da Argentina. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS
Por Fabiana Frayssinet, da IPS – 

Buenos Aires, Argentina, 12/5/2015 – Não foram dirigidas especificamente às mulheres, mas as políticas sociais com subsídios familiares e pensões contribuíram para melhorar suas vidas na América Latina, a região que mais avanços registrou neste século na questão de gênero, embora ainda persistam enormes dívidas. A brasileira Luiza Carvalho, diretora regional da ONU Mulheres para a América Latina e o Caribe, assegurou que essa realidade é constatada em cada um dos informes da organização que promove a igualdade de gênero no mundo.

“É interessante notar que dentro de todas as regiões do mundo, a América Latina, de fato, é a que registrou maiores progressos”, afirmou Carvalho em entrevista à IPS, durante a Conferência Internacional As mulheres e a inclusão social: de Pequim a pós-2015, realizada entre os dias 6 e 8 de maio na capital argentina.

Segundo Carvalho, o avanço latino-americano “não foi tanto pelas políticas econômicas, mas – pelo contrário – pelas políticas sociais, que embora não necessariamente tenham por objetivo promover a mulher especificamente acabaram beneficiando-a muito, direta e indiretamente”. Entre esses programas de transferência de renda se destacam o Bolsa Família, no Brasil; o argentino Destinação Universal por Filho; o equatoriano Bônus de Desenvolvimento Humano, e o mexicano Prospera.

Também influíram positivamente medidas como melhoria do salário mínimo, que não incluiu uma perspectiva de gênero mas que beneficiou as mulheres que são quem majoritariamente o recebem. Isso aumentou seu poder de compra e, em consequência, sua capacidade de decisão e “de controle sobre alguns assuntos domésticos”, afirmou Carvalho.

O mesmo aconteceu com iniciativas de proteção do trabalhador informal e com a criação de pensões não contributivas, entre as quais diretora da ONU Mulheres destacou as de Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa Rica e México.

Como medida dos diferentes planos de transferência de renda, “não há dúvida de que houve uma redução da pobreza extrema em toda América Latina. Com a melhoria do poder aquisitivo, do salário mínimo e da extensão das pensões não contributivas também houve uma modificação significativa na desigualdade de gênero”, destacou Carvalho.

Entretanto, ressaltou, esses programas têm o handicap que insistem na responsabilidade da mulher como mãe. “Suas condições são para a mulher. A mulher tem que ajudar os filhos a permanecerem na escola, a mulher tem que se preocupar que sejam vacinados. E essas condições não reforçam um papel mais responsável do homem na criação dos filhos”, afirmou Carvalho.

“Se queremos ir além desses êxitos, as políticas devem ser focadas”, afirmou Jessica Faieta, diretora regional do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), ao se referir ao que denominou “a segunda geração de políticas sociais”.

“Devem ser políticas dirigidas diretamente à inclusão das mulheres nestes êxitos do desenvolvimento que não chegaram a todos”, afirmou Faieta à IPS. Entre esses “grupos excluídos” se destacam as mulheres, principalmente as camponesas, os indígenas e os afrodescendentes. “Esta provado que incluir mulheres tem um credito mais amplo. Empregar mais mulheres, dar-lhes um pagamento mais equitativo, tem um alcance que vai além delas mesmas, vai à família”, ressaltou.

“A América Latina tem isso muito claro. Tanto que estamos vendo a expansão desses programas na África e sua introdução na Ásia, que estão replicando suas experiências positivas”, disse Carvalho. Para apoiar este processo, o Pnud e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do Brasil, buscam atualmente sistematizar as iniciativas regionais. “Há uma possibilidade de cooperação Sul-Sul muito importante” enfatizou Faieta.

Na jornada inaugural do encontro internacional de Buenos Aires participaram a diretora-executiva da ONU Mulheres, a sul-africana Phumzile Mlambo-Ngcuka, e a administradora mundial do Pnud, a neozelandesa Helen Clark.

Na reunião, convocada por essas duas agências da ONU e pelo governo argentino, participaram delegadas de diferentes regiões do mundo, com o objetivo de avaliar os desafios que persistem para a população feminina 20 anos depois da Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Pequim em 1995.

Em nível regional, Carvalho mencionou entre esses desafios os altos indicadores de mortalidade materna, a violência contra a mulher e sua expressão mais grave: os feminicídios. “Dos 28 países de maior índice de feminicídios no mundo, 14 estão em nossa região”, lamentou. Um fenômeno atribuído tanto à “uma ausência do Estado, que responda com medidas de prevenção”, como à “uma cultura machista muito cristalizada, em uma visão da mulher como propriedade, como parte de uma coleção particular de um homem”, e também à “questões legais que impedem que tenha acesso à terra ou ao crédito”.

O “empoderamento econômico das mulheres” é outra dívida latino-americana, afirmou Faieta. Apesar dos avanços regionais, “ainda é a mulher quem sofre maior desemprego. O pagamento por trabalho igual continua sendo menor para as mulheres”, acrescentou. Apesar disso, o informe O progresso das mulheres no mundo 2015-2016: transformar as economias para realizar os direitos, lançado pela ONU Mulheres dia 27 de abril, registra esse avanço ao indicar que entre 1990 e 2013 o maior aumento mundial da participação feminina no trabalho foi registrado na América Latina. Nesse período essa participação passou de 40% para 54%, embora longe da masculina, com 80%.

O informe acrescenta que a brecha de gênero persiste nas remunerações latino-americanas, que é de 19%, mas é menor que a média mundial, de 24%. Além disso, em todos os países latino-americanos com pesquisas sobre o uso horário, as mulheres dedicam entre o dobro de tempo e cinco vezes mais do que os homens ao trabalho não remunerado.

Também houve êxitos, como a inclusão política das mulheres, na região do mundo com o maior número de chefes de Estado e de governo. Onze países aprovaram as cotas políticas, nos parlamentos, 26,4% são mulheres e nos governo há, em média, 22,4% de ministras, a maior proporção mundial, embora ainda não o nível desejado para uma democracia inclusiva, segundo Faieta.

“Está claro que a transferência condicionada de renda não resolverá tudo. Por isso também têm de ser implantadas outras políticas”, ressaltou Carvalho. Políticas específicas de gênero, mas também macroeconômicas, fiscais e monetárias. Também criticou o corte de programas sociais, que “afetam a sociedade como um todo, mas prioritariamente a mulher”, porque reduzem as políticas de educação e saúde, e outros que “aumentarão mais sua carga doméstica”.

Segundo Carvalho, “a mulher depende de um articulado conjunto de políticas sociais e econômicas. Todas as políticas, em seus diferentes níveis, influenciam a mulher e podem melhorar ou piorar a desigualdade de gênero”.

“Não pode haver igualdade de gênero sem justiça, inclusão, crescimento e desenvolvimento social”, reafirmou a ministra argentina de Desenvolvimento Social, Alicia Kirchner, durante a abertura da conferência. Por isso, segundo Clark, do Pnud, na Agenda Global de Desenvolvimento pós-2015, que será definida em setembro, é crucial garantir que todas as políticas tenham uma “perspectiva de gênero”.


Fonte: ENVOLVERDE

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