Em 2014,
Sabesp vendeu água do Cantareira com desconto.
Por Natalia Viana, da Agência Pública –
Pedido de acesso à informação revela que empresa
assinou 16 contratos de demanda firme usando o Cantareira, adicionando demanda
de 120 milhões de litros mensais a um sistema já em colapso.
Sistema Cantareira. Foto: Vagner Campos/A2
FOTOGRAFIA
Um terço dos contratos “premium” assinados no ano
passado, em meio à pior crise de abastecimento da história de São Paulo, usam
água do sistema Cantareira. É o que mostra o mais recente pedido de acesso à
informação feito pela Agência Pública à Sabesp. Segundo os dados enviados pela
empresa de saneamento paulista, esses contratos respondem por mais da metade da
demanda de água (120 milhões de litros, de um total de 220 milhões) dos novos
contratos para grandes consumidores assinados em 2014.
Em fevereiro daquele ano, a Sabesp reconheceu
oficialmente a crise no sistema Cantareira e suspendeu a obrigatoriedade de
consumo mínimo das empresas, pré-condição para os descontos que chegavam a até
75% da conta. Quanto maior a faixa de consumo, maiores os descontos.
Mesmo assim, a empresa continuou assinando tais
contratos ao longo do ano, e os descontos continuam até hoje, assim como os
contratos, renovados automaticamente. Os últimos foram assinados em novembro de
2014, quando a ex-presidente da Sabesp Dilma Pena já havia reconhecido a
severidade da crise no abastecimento de água em depoimento à Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Municipal de São Paulo.
Mais de um terço dos 43 novos contratos assinados
em 2014 utiliza água do sistema Cantareira, sendo que 16 deles têm um total 120
milhões de litros por mês reservados. Desses, cinco contratos usam
exclusivamente o sistema já sobrecarregado, enquanto o resto também recebe água
de sistemas diversos, como o Guarapiranga e Tietê. No total, os novos contratos
de demanda firme foram responsáveis, em dezembro do ano passado, pelo uso de
222,6 milhões de litros de água.
Dentre os três clientes recentes campeões em
consumo de água, dois têm fornecimento assegurado em parte pelo Cantareira. Um
deles, cujo contrato foi assinado em 11 de agosto, com vigência para 5 anos,
consumiu 86,2 milhões de litros durante 2014, nas suas 18 ligações de água,
usando, além dos sistemas já citados, também o Rio Claro.
O outro, cujo contrato foi assinado em 24 de janeiro, usou 70 milhões de litros em suas 13 ligações, provenientes da Cantareira e Guarapiranga.
Consumo dos contratos de demanda firme assinados em
2014
Acesse o infográfico com o consumo de
contratos no site da Agência Pública.
Não é possível saber quem são essas duas empresas,
já que a Sabesp, pela terceira vez, enviou em resposta ao pedido da Lei de
Acesso à Informação uma tabela incompleta que esconde os nomes dos seus maiores
clientes. Também se negou a dar o endereço das ligações de água. “A Sabesp
preserva a relação comercial estabelecida com seus clientes e portanto adota a
política de resguardar as informações referentes ao cadastro comercial”,
escreveu a companhia. As tarifas com desconto, aplicadas a cada um dos
contratos, também não foram fornecidas.
Na verdade, a Sabesp desobedece mais uma vez a uma
determinação da Controladoria-Geral da Administração (CGA) proferida em janeiro
deste ano. O ex-Corregedor Geral da Administração Gustavo Ungaro ordenou a
entrega dos contratos até dia 26 de fevereiro. “A liberação dos contratos
conhecidos como demanda firme (…) permitirá à sociedade o aceso ao modus
operandi da Sabesp no que diz respeito à prestação de serviços públicos de
saneamento básico”, diz a decisão da CGA. Um mês depois, Ungaro foi retirado da
CGA e substituído pelo promotor de Justiça Ivan Francisco Pereira Agostinho. Em
março, a Sabesp chegou ao cúmulo de escanear e publicar no seu site 536
contratos de demanda firme assinados com os maiores consumidores de água do
Estado. Mas censurou todas as informações de interesse público. Estão riscados
nos documentos os nomes das empresas e de seus representantes, o valor total
dos contratos, a vigência, a tarifa praticada e até mesmo a equação utilizada
para chegar a tal tarifa. Nem a data de assinatura escapou da canetada da
Sabesp. Sem essas informações não é possível fazer uma análise consistente
sobre a política de demanda firme.
É impossível saber quem são os maiores favorecidos,
quem são as empresas que mais consomem água no estado e quanto de desconto elas
estão recebendo – ou o quanto a Sabesp está deixando de arrecadar por causa
desse favorecimento aos grandes consumidores. Ou seja, como os demais
consumidores estão pagando a conta. No começo de abril a companhia comunicou
aos seus investidores que pretende reajustar as contas de água em 22,70% em
razão da redução de receita motivada pela queda no consumo, fruto da
colaboração da população diante da crise de abastecimento. A agência
responsável pelo setor de água e energia no estado de São Paulo, Arsesp, já
aprovou um aumento de 13,87%.
Outras empresas agem de modo diferente: respondendo
a um pedido de acesso à informação, a SPTrans enviou um contrato imediatamente.
O nível atual do Cantareira está em 20,1%. Embora
esteja sendo tratado com naturalidade, as chuvas de verão recuperaram apenas o
segundo volume morto; o sistema ainda está 9,2% abaixo do nível de normalidade.
O volume continua bem abaixo do registrado no mesmo período no ano passado,
quando o sistema estava 11% acima do volume útil.
Fonte: Agência Pública
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