Carta pede veto à lei da biodiversidade.
Menos de 0,5% das espécies amazônicas foram
detalhadamente estudadas quanto ao seu potencial medicinal. Foto: ©
WWF-Brasil/Adriano Gambarini
Por Jaime Gesisky
Organizações e movimentos sociais ligados à
proteção dos direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais
protocolaram nesta quarta-feira (6/5) uma carta à presidente Dilma pedindo veto
total ou parcial ao projeto de lei da biodiversidade (PL) 7735/2014. A carta
leva a assinatura de 150 entidades civis, incluindo o WWF-Brasil (Conheça o
documento no link ao lado).
O principal argumento é que camponeses, pequenos
agricultores, povos e comunidades locais foram excluídos do debate que os
interessa diretamente, e que vários artigos da lei restringem seus direitos
garantidos em acordos internacionais e mesmo na Constituição Federal.
Esses povos e comunidades são responsáveis por
extensas áreas naturais, ricas em biodiversidade. É o caso de indígenas,
extrativistas, quilombolas. Eles também são guardiões de espécies crioulas de
larga utilização agrícola.
Juntos, eles também detém conhecimentos ancestrais,
saberes que indicam usos e aplicações de plantas e animais – o que para a
indústria representam atalhos científicos importantes na hora de pesquisar
substâncias que podem se transformar em remédios, cremes, xampus.
“Por isso essas comunidades são chave no debate, e
sua inclusão seria uma maneira de integrá-los social e economicamente por meio
do uso sustentável da biodiversidade”, considera André Dallagnol, da ONG Terra
de Direitos, uma das articuladoras da carta.
Mas o processo político conduzido pelo governo
desconsiderou esses grupos. É como se eles não existissem para o país. Além de
não terem sido ouvidos durante a elaboração da lei, à exceção da fase de
tramitação no Senado, esses povos e comunidades se dizem prejudicados por
pontos específicos da lei que restringem seus direitos e os deixam vulneráveis
diante da indústria.
Das 23 emendas apresentadas pelo Senado com o
objetivo de diminuir os prejuízos aos direitos dessas populações, 11 das foram
derrubadas pelos deputados federais.
Polêmicos
Um dos artigos que mais causam preocupação aos
povos e comunidades tradicionais diz que o consentimento prévio para acesso ao
conhecimento tradicional poderá ser feito por órgãos oficiais, retirando dos
comunitários o poder de decidir se eles querem ou não participar, por exemplo,
de uma pesquisa que pode gerar produtos ou teses científicas.
Isso restringiria direitos já assegurados em
acordos internacionais que o Brasil assinou, como a Convenção da Diversidade
Biológica – CDB e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho –
OIT.
Esses dois tratados são claros quanto à consulta
prévia, livre e informada para povos e comunidades quando se trata de decisões
que podem comprometer seu ambiente natural ou seus modos de vida.
A lei também prevê que o conhecimento tradicional
associado ao patrimônio genético de variedades tradicionais ou crioulas
relacionadas à alimentação e agricultura será tratado como conhecimento
tradicional “de origem não identificável”.
Por isso, seu acesso não dependeria do
consentimento prévio de comunidades tradicionais ou povos indígenas. A medida
beneficia apenas ao agronegócio. Este é um dos vetos pedidos na carta.
A possibilidade de o usuário (empresa) escolher
quem será beneficiário da repartição de benefícios também não agrada aos povos
e comunidades tradicionais. Isso pode gerar distorções à ideia de repartição
justa e equitativa dos benefícios.
“Os deputados deram muita ênfase ao acesso, olhando
apenas o lado da indústria e do agronegócio. Pouco se discutiu a repartição de
benefícios e isso criou um desequilíbrio na lei”, avalia Jean François Timmers,
Superintendente de Políticas Públicas do WWF-Brasil.
A isenção da repartição de benefícios sobre
exploração econômica de produtos cujos ingredientes naturais tenham sido
acessados antes de 2000 é outro nó do projeto. Isso significa que quem acessou
o patrimônio genético antes dessa data não precisa repartir os benefícios com
as comunidades de origem, mesmo que estejam lucrando agora com a venda de
produtos acabados.
No entendimento dos povos e comunidades
tradicionais, da maneira como está, a lei poderá ser questionada por ser
inconstitucional em vários pontos. Isso faria com que a segurança jurídica,
principal reivindicação da indústria, não aconteça na prática.
“Para uma lei que vai prevalecer pelas futuras
gerações e regular o uso da biodiversidade, um bem que é público e estratégico
para o Brasil, o ideal seria vetar tudo e recomeçar a discussão com todos os
segmentos da sociedade envolvidos no tema”, defende André Dallagnol.
Fonte: WWF Brasil
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