Assim não
dá, Canadá!
Por Mark Lutes –
O Canadá enfim submeteu formalmente às Nações
Unidas seus planos para lutar contra a mudança climática. Como
canadense vivendo no exterior, só tenho uma coisa a dizer: foi mal aí, gente.
Não que alguém esperasse do atual governo
canadense qualquer coisa, assim, de tirar o fôlego – ou mesmo qualquer coisa
minimamente aceitável – em relação à mudança climática. Eu não vou me delongar
nas razões pelas quais a redução anunciada de 30% até 2030 em relação a 2015 é
uma meta fraca; suas fragilidades têm sido amplamente documentadas, por exemplo
aqui. Mas quero colocar o anúncio em contexto e explicar
por que o desempenho do Canadá é especialmente embaraçoso para um canadense que
trabalha fora do país tentando convencer outras nações a adotar metas e ações
ambiciosas para evitar mudanças climáticas perigosas.
Desde que o governo conservador atual de Ottawa
chegou ao poder – ironicamente, depois de o governo anterior ter caído num voto
de desconfiança no primeiro dia de negociações da COP-10, a conferência do
clima de Montréal, em 2010 –, seus representantes têm tratado a questão da
mudança climática como uma chateação a ser administrada e varrida para debaixo
do tapete de todas as formas possíveis.
Mesmo antes de assumir o governo, o então futuro
primeiro-ministro Stephen Harper, como líder da oposição, escreveu em uma famosa carta aos seus apoiadores que o
Protocolo de Kyoto “é basicamente um esquema socialista para sugar dinheiro das
nações que produzem riqueza”. Após chegar ao poder, a administração Harper
anunciou que não faria nenhum esforço para atingir os compromissos firmados
pelo país no acordo de Kyoto. Em vez disso, estabeleceria uma meta “made in
Canada” para substituir o objetivo que governos anteriores haviam negociado em
lugares distantes e exóticos como Kyoto.
Mas logo Harper abandonou a estratégia “made in
Canada” em favor de uma “made in USA”, pela qual em 2008 o país harmonizaria
suas metas e políticas com as de seu vizinho e principal parceiro comercial –
coincidentemente governado, naquela época, por George Bush II, que partilhava o
desinteresse de Harper na ação climática. Foi assim que nós ganhamos o plano
“Turning the Corner” [“Hora da Virada”], com uma meta que acompanhava de perto
a dos EUA, mas sem nenhuma ação do governo federal para assegurar seu
cumprimento. Agora que o presidente Obama está de fato tentando reduzir
emissões nos EUA, harmonizar com as metas americanas caiu da lista de
prioridades, e o Canadá anunciou recentemente que acharia outro país com quem
pudesse harmonizar.
A presente submissão de INDC (Contribuição
Nacionalmente Determinada Pretendida) segue a linha de desculpas esfarrapadas e
mensagens falaciosas que há tempos substituem a ação real no país. O Canadá tem
um monte de hidrelétricas e de energia nuclear, então por faturar em cima dos
fatos positivos com um gráfico completamente gratuito comparando o Canadá e
outros países no quesito “Porcentagem de Geração de Eletricidade Sem Emissões”?
Nem precisa explicar como outros setores fazem para se desdobrar a ponto de
garantir que as emissões per capita do Canadá estejam entre as mais altas do
mundo. Um caso é o das areias betuminosas, cujas emissões crescentes poderiam
anular qualquer ganho em outras áreas.
Esse gráfico é seguido por uma afirmação de doer:
“Embora o Canadá represente apenas 1,6% das emissões mundiais de gases de
efeito estufa, o Canadá permanece comprometido a fazer sua parte para atacar a
mudança climática”. Como se as emissões do Canadá fossem irrelevantes e não
fosse realmente necessário agir, mas o Canadá estivesse fazendo o que lhe cabe
mesmo assim. Duplamente errado. Em nenhum momento é mencionado que o Canadá
responde por 0,5% da população do planeta, mas suas emissões per capita são
três vezes maiores que a média global.
Dado esse histórico e dada a merecida reputação
do Canadá de pária climático mundial, eu não me orgulho muito em explicar que
sou canadense quando tento convencer outros países a adotar mais ações contra a
mudança climática. Não sei se isso importa para os outros, mas eu pelo menos me
sinto um tanto desconfortável em vir de um país rico e desenvolvido que está
fazendo tão pouco para reduzir suas altas emissões, enquanto digo a outros
países, incluindo nações em desenvolvimento como o Brasil, que abracem metas
ambiciosas de redução de emissões.
O Canadá já foi uma força progressista por um
mundo melhor em várias frentes. Nada me deixaria mais feliz do que exibir meu
país como um exemplo de responsabilidade climática. Esse tempo ainda há de vir.
Há coisas importantes acontecendo no nível provincial e municipal no Canadá, e
uma rara mudança no governo da província de Alberta no começo deste mês que
poderia significar uma nova abordagem em relação a uma das fontes de petróleo
mais sujas do mundo, as areias betuminosas. Uma eleição federal vem aí em
outubro, e eu espero que os canadenses elejam um governo comprometido com a
liderança do país no tema mudança climática. Enquanto isso, nenhum país deveria
usar a inação do Canadá como desculpa para agir igual.
* Mark William Lutes
mora em São Paulo e é analista-sênior de Política Climática no WWF. Este artigo
é uma opinião pessoal e não reflete necessariamente as posições do WWF.
Fonte: Observatório
do Clima
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