Pesquisa constata que pólen
apícola fornece evidências de contaminação do ambiente por agrotóxicos.
Pesquisa desenvolvida para a tese de doutorado da
farmacêutica bioquímica Renata Cabrera de Oliveira comprovou a viabilidade do
uso do pólen apícola como bioindicador de contaminação ambiental por
agrotóxicos. O estudo, orientado pela professora Susanne Rath, do Instituto de
Química (IQ) da Unicamp, e coorientado pela pesquisadora Sonia Cláudia do
Nascimento Queiroz, da Embrapa Meio Ambiente, constatou a presença de
defensivos em sete de 21 amostras coletadas em apiários comerciais da cidade de
Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. “Se as substâncias estão no pólen, é
sinal de que estão também no ambiente. Isso revela a necessidade de maior
controle em torno do uso desses produtos”, afirma a autora do trabalho.
O estudo conduzido por Renata foi dividido em
três partes. Inicialmente, ela coletou, entre março de 2012 e maio de 2013, 145
amostras de pólen de um apiário experimental instalado na área da Embrapa Meio
Ambiente, localizada na cidade de Jaguariúna, vizinha a Campinas. Nas
imediações do apiário, a pesquisadora espalhou amostradores passivos, espécie
de esponjas que retêm contaminantes do ambiente, a fim de estabelecer uma
relação quantitativa entre a concentração encontrada nos amostradores e os
níveis de contaminação das amostras de pólen apícola. Ao analisar as amostras
de pólen e as esponjas quanto à presença de 26 substâncias, a farmacêutica
detectou a presença em quantidade reduzida de dois agrotóxicos, bioletrina e
pendimetalina, ainda que ela tivesse conhecimento prévio do uso de diferentes
defensivos por parte de agricultores da vizinhança.
A autora da tese explica que o resultado
provavelmente se deveu ao fato de o apiário estar situado dentro de uma área de
microrreserva ambiental, que funcionou como barreira de proteção contra os
defensivos agrícolas. “Se o apiário estivesse localizado em um ponto distante
da microrreserva, provavelmente o resultado teria sido outro”, infere Renata. A
segunda parte da pesquisa consistiu em analisar amostras de pólen de apiários
comerciais de Ribeirão Preto, importante centro produtor de mel do Estado de
São Paulo, onde a pesquisadora encontrou um quadro completamente diferente do
anterior.
Naquele município, conforme a autora da tese, já
havia o registro de mortes excessivas de abelhas, e os apicultores se mostravam
bastante preocupados com a situação. Houve caso de produtor que perdeu uma
colmeia inteira, provavelmente por causa da contaminação por agrotóxicos. Lá,
Renata coletou 21 amostras, sendo que em sete delas foram encontradas presenças
significativas dos agrotóxicos alacloro, aldrin, bioaletrina, endossulfan alfa,
fempropatrim, permetrina e trifluralina, alguns deles pertencentes à classe dos
organoclorados, que são potencialmente cancerígenos e cujo uso é proibido pela
legislação.
Segundo Renata, a análise também identificou a
presença de piretroides em algumas amostras, substâncias muito utilizadas em
inseticidas domésticos. “Como no Brasil não há legislação que estabeleça
limites para a presença desses contaminantes no pólen apícola, nós tivemos que
extrapolar os dados com base no que é determinado para outros alimentos. Em uma
das amostras nós identificamos a presença de uma quantidade de agrotóxicos dez
vezes acima do permitido para alimentos. Isso é extremamente preocupante, pois
oferece pistas de que o mel também pode estar contaminado. Sem falar que o
pólen apícola tem sido muito utilizado como alimento, podendo ser comprado em
qualquer loja de produtos naturais. Por causa da falta de controle e
fiscalização, há uma boa chance de as pessoas estarem ingerindo esses produtos
apícolas contaminados”, alerta.
Para que uma quantidade tão expressiva de
agrotóxicos atinja as colmeias, prossegue Renata, é necessário que a
concentração dessas substâncias no ambiente seja muito elevada. “A pesquisa não
fez essa correlação quantitativa, visto que não foi possível utilizar os
amostradores passivos em Ribeirão Preto. No entanto, o estudo fornece uma forte
evidência de que está havendo um uso indiscriminado de defensivos agrícolas por
parte dos agricultores”, considera.
A pesquisadora lembra que, nesse caso, a fonte de
contaminação está próxima dos apiários, pois as abelhas viajam, em média, de
dois a três quilômetros por dia em busca de alimento. Em casos excepcionais,
esse deslocamento pode chegar a sete quilômetros. Além de comprovar que o pólen
apícola é viável como bioindicador de contaminação ambiental por agrotóxicos, o
estudo demonstrou ainda que o método pode ser aplicado a qualquer apiário ou
mesmo adaptado para a análise de outros tipos de amostras, como água ou outros
alimentos.
A terceira e última etapa da pesquisa
desenvolvida por Renata consistiu na avaliação da afinidade de dois agrotóxicos
(aldrin e malation) com o pólen apícola. A pesquisadora explica que o pólen é
composto por 20% de proteína e uma quantidade pequena de gordura, propriedades
que fazem com que tenha afinidade com certas substâncias, mas não com outras.
“Nós fizemos um estudo de sorção, que normalmente é aplicado para avaliar o
comportamento das substâncias nos solos. Não encontramos na literatura nenhum
protocolo para o estudo de sorção de substâncias químicas em alimentos. O que
constatamos foi que o aldrin, que é três vezes mais apolar que o malation,
demonstrou uma afinidade também três vezes superior a este. Ainda assim, o
malation também demonstrou grande afinidade com o pólen”, informa.
Renata adianta que pretende dar continuidade à
pesquisa durante o pós-doutorado que desenvolve no próprio Instituto de
Química. Um dos objetivos é avaliar a afinidade de outras substâncias pelo
pólen apícola e propor um modelo matemático que permita estimar a afinidade dos
agrotóxicos pelo pólen. A expectativa de Renata, que contou com bolsa de
estudos concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(FAPESP), é que os dados gerados pela sua pesquisa sirvam à formulação de
políticas públicas que exerçam maior controle sobre a contaminação ambiental e
de alimentos por agrotóxicos.
Publicação
Tese: “Avaliação do potencial do
pólen apícola como bioindicador de contaminação ambiental por agrotóxicos”
Autora: Renata Cabrera de
Oliveira
Orientadora: Susanne Rath
Unidade: Instituto de Química
(IQ)
Financiamento: Fapesp
Texto: MANUEL ALVES FILHO
Fotos: Divulgação / Antoninho Perri
Edição de Imagens: Diana Melo
Fonte: Jornal da Unicamp Nº 612
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