Brasil, economia em retificação
ou beco sem saída?
por Mario
Osava, da IPS
Parte do porto da empresa Vale, a maior produtora
de minério de ferro do mundo, em Ponta da Madeira, no Estado do Maranhão, por
onde é exportado o minério de ferro extraído na Serra dos Carajás, na Amazônia
brasileira. Foto: Mario Osava/IPS.
Rio de Janeiro, Brasil, 9/12/2014 – Terá chegado ao
fim o modelo implantado no Brasil pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
em 2003, que integrou uma política econômica considerada neoliberal e um Estado
ativo em redistribuir a renda e promover a inclusão social? Em seu segundo
mandato, que começará em 1º de janeiro, a presidente Dilma Rousseff tenta
aparentemente restaurar essa combinação considerada de sucesso durante o
período de seu antecessor, que governou entre 2003 e 2011.
“Mas agora é insustentável o crescimento econômico
com exportação de produtos primários para financiar políticas sociais, porque
os preços (desses bens) caíram”, apontou à IPS Cândido Grzybowski, diretor do
não governamental Instituto Brasileiro de Análises Econômicas e Sociais
(Ibase). “O modelo está em um beco sem saída, já que não há soluções nem
alternativas no horizonte”, e as novas condições para sustentá-lo, como o
retorno da China a uma expansão acelerada, não parecem factíveis, acrescentou.
Outra grande fonte de renda, o petróleo descoberto
em 2006 sob a camada de sal em águas profundas do Oceano Atlântico, tampouco
oferecerá os resultados esperados, pelo menos enquanto não houver recuperação
dos preços dos hidrocarbonos, que caíram mais de 30% nos último semestre.
Para superar as debilidades atuais da economia
brasileira, incluindo sua paralisação, inflação e déficit fiscal elevados e
desconfiança do empresariado, Dilma ataca seu segundo mandato com a renúncia de
suas próprias ideias econômicas e a adoção das de seus opositores, nomeando
economistas ortodoxos para os principais ministérios.
“Engano eleitoral”, é como a oposição qualificou a
atitude da presidente ao assumir medidas que, durante a campanha eleitoral,
havia condenado como um retrocesso que apagaria programas sociais e devolveria
a fome à população mais pobre.
O ministro da Fazenda designado, Joaquim Levy, é o
mesmo que, como secretário do Tesouro Nacional entre 2003 e 2006, executou um
duro ajuste fiscal, aumentando impostos e cortando gastos públicos, por isso é
conhecido como “mãos de tesoura”.
Levy, mais o novo ministro do Planejamento, Nelson
Barbosa, e o ratificado presidente do Banco Central, Alexandre Tombini,
anunciaram a disposição de restabelecer o tripé macroeconômico de baixa meta
inflacionária, câmbio flutuante e austeridade fiscal, para que se traduza em um
superávit primário (sem os juros da dívida).
A flexibilização e o descumprimento das metas, além
de manobras contábeis para aparentar melhores contas pública, levaram ao
fracasso a gestão econômica do primeiro mandato da presidente Dilma, junto com
a baixa confiança de investidores privados no governo, segundo os críticos.
Um aperto gradual nos gastos públicos, de maneira a
obter um superávit primário de 1,2% do produto interno bruto em 2015 e pelo
menos 2% nos dois anos seguintes, foram as metas anunciadas por Levy, junto com
contas transparentes, sem recorrer à “contabilidade criativa”.
Para conter a inflação, que chegou a 6,56% no
índice acumulado de 12 meses até novembro, o Banco Central já elevou a taxa
básica de juros para 11,75% ao ano. A meta inflacionária está fixada em 4,5%
com tolerância até 6,5%.
“Teremos pelo menos dois anos dramáticos”, com
cortes orçamentários e alta de juros que afetarão políticas sociais e elevarão
o desemprego, previu Grzybowski à IPS, após se reunir com outros dirigentes de
organizações sociais para avaliar a situação política depois das eleições de
outubro e o papel da sociedade nesse quadro.
A reativação dos movimentos sociais e os protestos
em massa serão um provável efeito dessa conjuntura negativa, com o governo e o
parlamento mais conservadores, segundo o diretor do Ibase, sociólogo e um dos
fundadores do Fórum Social Mundial. Mas o escândalo de corrupção na Petrobras,
sob investigação policial, é “a incógnita que poderá sacudir a política
nacional”, porque envolve quantias multimilionárias e dezenas de parlamentares
e dirigentes políticos.
“Meios de comunicação propagaram quase
exclusivamente a opinião de que austeridade fiscal e monetária é a única via
para solucionar nossos problemas”, distorcem o resultado das eleições e ignoram
a diversidade de opiniões, segundo expressaram mais de 1.300 “economistas pelo
desenvolvimento e a inclusão social”.
O manifesto, que coleta assinaturas desde o começo
de novembro, não conseguiu evitar a decisão de Dilma Rousseff. A austeridade
“agravou a recessão, o desemprego, a desigualdade e o problema fiscal nos
países desenvolvidos”, afirmaram os economistas preteridos em suas posições,
embora simpatizantes do governo.
“A indústria é o setor que mais sofre o impacto
quando a economia cresce pouco ou não cresce”, afirmou o economista Julio de
Almeida, temendo que a austeridade agrave a recessão que já amargou o setor
este ano. Como exemplo, lembrou que compras de automóveis, outros bens duráveis
e máquinas podem ser adiadas diante da escassez do crédito.
Mas esse professor da Universidade Estadual de
Campinas mantém certo otimismo. O ajuste fiscal anunciado, gradual, pode
conquistar a confiança do empresariado e melhorar expectativas, com impactos
negativos mitigados pela forma de executá-lo, destacou. “Assim se pavimenta o
crescimento econômico e depois de um primeiro semestre muito difícil em 2015
viria um semestre melhor, com a indústria parada, mas superando a queda de 3%
de seu produto neste ano de 2014”, acrescentou.
Com a desindustrialização ocorrida no Brasil, o
setor representa apenas de 12% a 13% do produto interno bruto, mas “tem grande
poder de arrasto” dinamizando muitos outros segmentos, como transporte,
finanças, tecnologia da informação e serviços em geral, ressaltou. Por isso
considera vital manter a indústria de transformação nacional, assegurando seu
financiamento por bancos de fomento e mercado de capitais, melhorando a infraestrutura,
o sistema tributário e o câmbio monetário, cuja supervalorização prejudicou
muito o setor na década de 1990.
“Nossa indústria perdeu densidade, mas mantém uma
diversificação que poucos países possuem e pode se recuperar em segmentos como
o de bens de capital e farmacêutico, com outro nível de sofisticação e
competitividade”, concluiu Almeida, que foi secretário de Política Econômica do
governo em 2006 e 2007.
Mauro Osório, professor da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, é outro economista que vislumbra um bom futuro possível para o
Brasil, apesar dos desequilíbrios atuais e do remédio recessivo anunciado. “O
Brasil já avançou muito. Em 1990 tinha 1.500 municípios com baixo Índice de
Desenvolvimento Humano, hoje nenhum. Havia poucos de índice alto, hoje são
1.500 municípios”, ressaltou.
O petróleo abre uma nova oportunidade de
prosperidade se for aproveitado com sensatez, usando a renda que gerar para o
desenvolvimento, como fizeram os noruegueses. No Brasil, uma política de
conteúdo nacional nos equipamentos pode impulsionar a indústria naval e
tecnologias necessárias inclusive em outras atividades, acrescentou Osório.
Alimentos, dos quais o país é grande produtor e
exportador, são outra possibilidade de progresso, apesar da ameaça climática e
dos riscos de inflação, se aumentarem muito seus preços internacionais. Mas o
crescimento econômico com mais igualdade enfrenta vários desafios no país que
dificilmente serão enfrentados pelo governo renovado de Dilma Rousseff.
“Seria preciso, por exemplo, mudar a estrutura
tributária, que grava muito o consumo e pouco a renda, ao contrário de Europa e
Estados Unidos. E reduzir o déficit do sistema previdenciário, que se agrava
com a crescente longevidade do brasileiro”, pontuou Osório, especialista em
história econômica do Rio de Janeiro.
Fonte: Envolverde
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