Exclusivo: Relatório da Funai
determina que terra é dos Munduruku.
por Ana
Aranha e Jessica Mota, da Agência Pública
Índios e ribeirinhos se uniram na
batalha pela defesa do território. Foto: Marcio Isensee e Sá.
Demarcação da terra Sawré Muybu é vista como um
empecilho pelo governo, que planeja construir sete usinas na bacia do rio
Tapajós. Leia na íntegra o documento, que está parado na Funai há mais de um
ano.
Considerado um território histórico para os
Munduruku, a terra indígena Sawré Muybu, no oeste do Pará, nunca foi
oficialmente demarcada pelo estado brasileiro. Desde setembro de 2013, a
Fundação Nacional do índio (Funai) segura um detalhado relatório que identifica
e delimita os perímetros necessários ao modo de vida dos índios. Tudo indica
que o relatório ainda não foi publicado porque o reconhecimento desta terra
pode atrapalhar os planos do governo federal para a construção de usinas
hidrelétricas na região. O processo de demarcação só pode ter início quando
esse relatório for publicado no Diário Oficial da União – algo que ainda não há
previsão para acontecer.
Se construída como prevista, a hidrelétrica de São
Luiz do Tapajós alagaria a área, obrigando o estado a realocar indígenas, o que
é vedado pela constituição. Assim, o reconhecimento da terra é visto como um
entrave pelo governo federal. Enquanto o processo de demarcação segue parado em
Brasília, no Tapajós, os Munduruku decidiram fazer a demarcação de sua terra
por conta própria (leia mais aqui).
A Pública teve acesso ao Relatório Circunstanciado
de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Sawré Muybu e o apresenta com
exclusividade. (Acesse o documento completo no texto
original).
O relatório é fruto dos estudos realizados pela
Funai ao longo de 2012 e 2013. Mas poderia estar pronto há mais tempo. Em 2008,
os estudos de identificação da Sawré Muybu já haviam sido cumpridos, mas o
relatório não foi entregue pela então antropóloga-coordenadora do grupo.
O trabalho agora apresentado é rico. São 193
páginas que descrevem com profundidade a história e relação dos Munduruku com
esse território cercado pelos rios Tapajós e Jamanxim, no meio da floresta
amazônica. A área é habitada permanentemente por 113 pessoas que dependem da
terra. “A TI Sawré Muybu se constitui em unidade socioambiental indissolúvel e
necessária à reprodução física e cultural dos Munduruku que nela habitam”,
conclui o documento.
A fixação definitiva da primeira aldeia no
território da Sawré Muybu se deu em 2004. Em 2006, os índios construíram uma
segunda aldeia, desta vez no alto do morro, depois que uma criança morreu de
malária. Hoje o território abriga as duas que, de acordo com o relatório, podem
ser consideradas como uma só: a aldeia Sawré Muybu.
Antes disso os índios utilizavam a terra para caça,
pesca e cultivo de suas roças. “Trata-se de uma área que os Munduruku sempre
enxergaram como parte de seu território histórico, e que de fato utilizavam,
desde pelo menos a década de 1980”, indica o documento. A fixação da aldeia na
região foi motivada pela interrupção do atendimento médico pela Funasa para
índios não aldeados e pelos conflitos com locais da comunidade de Pimental,
onde moravam antes.
O relatório aponta ainda que, embora seja
provavelmente mais antiga, a ocupação indígena no médio Tapajós, onde fica
Sawré Muybu, foi registrada pela primeira vez no século 18. “É apenas no início
da década de 1770, quando começaram a atacar sistematicamente os portugueses
situados ao longo das margens do rio Amazonas, que os Munduruku se tornaram
conhecidos na historiografia oficial”. O documento destaca “um ousado ataque”
desses índios ao estado do Maranhão. Pelos registros, foi a resposta militar da
província do Grão-Pará que forçou a migração do alto do rio, onde até hoje
vivem muitos Munduruku, na região de Jacareacanga, sul do Pará, para as calhas
do Tapajós.
Importância simbólica
Em sítios arqueológicos de Montanha e Mongabal,
comunidade de ribeirinhos próxima à Sawré Muybu, foram encontrados artefatos
com desenhos similares às pinturas corporais Munduruku. O grupo de trabalho da
Funai também encontrou diversos artefatos arqueológicos na terra em questão.
Por essas evidências, o relatório indica que “os ancestrais destes índios podem
ter ocupado a calha do médio Tapajós antes do século XIX, e até mesmo antes da
conquista”.
Para os Munduruku, isso não é novidade. A Sawré
Muybu é circundada por cemitérios, localizados no rio Jamanxim e nos igarapés
Prainha e São João; e inclui locais de grande importância simbólica como a
região do Fecho e a Ilha da Montanha, onde morava, segundo sua tradição oral, o
primeiro Munduruku do mundo, chamado Karosakaybu. Foi ali na região do Fecho,
dentro da Sawré Muybu, que para os Munduruku se deu a origem dos homens,
mulheres, animais e do próprio rio Tapajós, criado a partir da semente de
tucumã.
O relatório também chama atenção para a ameaça que
o projeto das hidrelétricas no Tapajós representa aos índios. “O temor dos
Munduruku do médio Tapajós se justifica por acompanharem, de perto, a luta de
seu povo e de outros povos indígenas contra a implantação das hidrelétricas em
áreas próximas, como é o caso da UHE São Manoel, no rio Teles Pires, em Mato
Grosso, que atingirá as TIs Munduruku, Kayabi e Apiaká do Pontal e Isolados, e
da UHE Belo Monte, que está em processo de construção no rio Xingu, no estado
do Pará”, explica. Na conclusão desse item, o documento é taxativo: “O
reconhecimento da TI Sawré Muybu, por parte do Estado, é imprescindível para
conferir segurança jurídica aos indígenas e garantir que seus direitos sejam
plenamente respeitados”.
* A realização dessa reportagem só foi possível
graças a uma bolsa da organização Mongabay.
Fonte: Agência Pública
Nenhum comentário:
Postar um comentário