Produção de biocombustíveis
prejudica culturas alimentares no Mato Grosso.
Publicação elaborada pela Action Aid e pela FASE
questiona a sustentabilidade ambiental e social desse tipo de energia.
A publicação “Biocombustíveis: energia que não mata a fome”,
produzida pela ActionAid e pelo programa da FASE em Mato Grosso, aborda a
produção de biocombustíveis a partir da soja e da cana-de-açúcar, cultivadas em
monoculturas do agronegócio. Com foco no Mato Grosso, a publicação demonstra
como estas produções afetam o espaço ecológico e social que as cerca. O estado
é o principal produtor de grãos, detentor de um quarto da área total plantada
no país.
Também é o oitavo maior produtor de cana de açúcar, com 80% da
produção localizada nos municípios da Bacia do Alto Paraguai.
A pesquisa observa que, enquanto a soja, o milho e
a cana-de-açúcar, matérias-primas para os biocombustíveis, crescem no Mato
Grosso, a produção de alimentos, como o arroz, feijão e a mandioca, caem. “A
produção diversificada de outros alimentos, como frutas, legumes e verduras,
também é extremamente reduzida em relação às necessidades de consumo da
população do estado”, destaca um trecho do estudo, assinado por Sergio
Schlesinger.
Ainda que o foco do estudo seja o Mato Grosso, com
trabalhos de campo em Mirassol D’Oeste e região, o relatório contextualiza a
realidade do setor no Brasil, que desponta como o segundo maior e o maior
produtor e exportador de soja e cana-de-açúcar, respectivamente. E que essas
produções vêm crescendo, sobretudo da soja. Na safra 2012/13, a soja chegou a
ocupar mais de 52% da área total plantada com grãos do país. A soja também
representa, segundo a Agência Nacional de Petróleo (ANP), 73,1% do volume de
matérias-primas utilizadas na produção brasileira de biodiesel.
Impactos à agricultura familiar
Plantação
de cana-de-açúcar. (Foto Sergio Schlesinger).
De acordo com o estudo, é frequente a contaminação
de lavouras de alimentos através do lançamento de agrotóxicos por aviões.
A prática também contamina rios, reduzindo as colônias de peixes, causando
chuvas ácidas, dentre outros problemas. “Esse ano, eu não sei se foi o veneno,
o que aconteceu: o quiabo, a abóbora, a laranjeira não está dando nada. O vento
traz o veneno que eles jogam de avião pra madurar a cana. Eu tenho vontade de
plantar, mas desse jeito fica difícil.
Feijão não pode plantar, porque o veneno
prejudica, não dá”, conta Ailton Basílio da Costa morador do Assentamento
Roseli Nunes, localizado em Mirassol D’Oeste.
O relatório indica a relação direta entre o aumento
da produção das monoculturas de cana e soja e o declínio da produção de
alimentos: quanto mais cresce o agronegócio na
região, mais se enfraquece a agricultura familiar. Como exemplo,
destaca que em Lucas do Rio Verde, outro município mato-grossense, 90% de todos
os alimentos consumidos por seus habitantes vêm de centros de abastecimento
distantes, como de São Paulo e Curitiba.
Sergio Schlesinger questiona o discurso de
conciliação entre a convivência entre a agricultura familiar e o agronegócio.
Para ele, é preciso tomar lado: “A realidade nos mostra um panorama que torna
evidente a necessidade de fazer escolhas, estimulando algumas atividades,
inibindo ou regulamentando outras”.
Desmatamento
e pesticidas nas monoculturas ameaçam os rios. (Foto: Segio Schlesinger).
Além dos agrotóxicos, a pesquisa também cita a
contaminação das águas pela vinhaça, utilizada como fertilizante na produção de
cana, e constata que, para cada litro de etanol produzido, são gerados dez a 15
litros de vinhaça. Cita também a queima da palha de cana, que causa sérios
problemas respiratórios, além de gerar alta concentração de ozônio na
atmosfera.
Energias limpas?
A pesquisa questiona os biocombustíveis como
energias limpas, já que os impactos sociais e ambientais da prática da
monocultura com uso de agrotóxicos não costumam entrar nessa conta. Para Vilmon
Alves Ferreira, da FASE em Mato Grosso, é urgente a revisão do modelo de
produção de monocultivos para produção de biocombustíveis.
“Da forma como são produzidos, não podem ser
chamadas de energias limpas, renováveis, verdes ou alternativas. Está claro que
elas também destroem o meio ambiente e a produção de alimentos, com enormes
prejuízos sociais. Nessa questão, acreditamos ser central o debate sobre como
são produzidos, com quais objetivos e a que modelo de desenvolvimento os
agrocombustíveis têm atendido”, destaca.
Em diálogo com a publicação “Biocombustíveis: energia que não mata a fome”, a
ActionAid produziu uma animação sobre o tema. Segundo Maíra Martins,
coordenadora da equipe de Políticas da organização no Brasil, o objetivo do
trabalho é tentar comunicar, de forma criativa, as contradições dos biocombustíveis
e os impactos sobre a produção de alimentos. “Dizem que eles são combustíveis
limpos e uma alternativa, por emitirem menos CO2, mas, na verdade, seu processo
de produção tem uma série de impactos”, reforça.
Fonte: Fase Nacional
Nenhum comentário:
Postar um comentário