A quem interessa o Brasil ser o
primeiro país a liberar o plantio de árvore transgênica?
por
Flávia Camargo, do ISA
Grande parte da produção de mel do País baseia-se
no eucalipto, daí um dos grandes riscos da nova espécie transgênica. Plantio de
eucalipto ao lado de floresta. Foto: © Adriano Fagundes.
O Brasil está a poucos passos de aprovar a
liberação comercial de eucalipto transgênico. Sem ter realizado devidamente os
estudos para avaliar os impactos e riscos dessa tecnologia, poderemos ser o
primeiro país a liberar comercialmente o plantio de árvores transgênicas no
mundo.
A liberação de árvores transgênicas requer maior
precaução tendo em vista que as árvores têm ciclos bem mais longos de vida e a
sua interação com o meio ambiente é bem mais complexa do que a interação de
plantas anuais, como a soja e o milho. A liberação do eucalipto transgênico
exige uma preocupação ainda maior, uma vez que boa parte da produção de mel
brasileira é oriunda do pólen dos eucaliptos.
O eucalipto transgênico foi desenvolvido pela
empresa FuturaGene, uma subsidiária da Suzano Papel e Celulose, a segunda maior
produtora de celulose de eucalipto do mundo. De acordo com a empresa, o
eucalipto transgênico pode elevar a produtividade do volume de madeira em até
20% em relação ao eucalipto convencional.
A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
(CTNBio), responsável pela autorização do uso de transgênicos no Brasil,
realizou, em setembro, uma audiência pública sobre o eucalipto transgênico. Com
o objetivo de acelerar o processo de liberação de seu produto, a audiência
pública foi solicitada pela própria empresa. Essa audiência contou com a
presença maciça de funcionários da empresa e foi um espaço insuficiente para um
debate mais aprofundado com a sociedade civil. Vários questionamentos
levantados pela sociedade civil e por gestores públicos não foram devidamente
respondidos.
No relatório de biossegurança apresentado pela
empresa à CTNBio, consta como justificativa, para a não realização de uma
avaliação mais aprofundada, a reduzida disponibilidade de tempo e a liberação
tardia dos recursos destinados a financiar as pesquisas sobre os efeitos do
eucalipto transgênico. Baseando-se nessa desculpa, a FuturaGene eximiu-se de
realizar o estudo sobre as proteínas do mel, o efeito desse mel sobre as
bactérias da flora intestinal, a possibilidade de transferência dos genes
transgênicos para os micro-organismos e os possíveis efeitos tóxicos,
mutagênicos e teratogênicos (efeito sobre fetos), entre outros.
Além disso, sob as mais diversas justificativas,
outras análises obrigatórias deixaram de ser realizadas e estudos relevantes
mais específicos, como a análise dos impactos da plantação de eucalipto
transgênico sobre a disponibilidade da água, também não foram feitos da forma
adequada. Parte dos estudos de campo ainda está em andamento. Mesmo sem a
realização das devidas análises de impacto e risco e sem obtenção de resultados
das pesquisas que ainda estão em curso, a empresa apressou-se em solicitar a
audiência pública para acelerar a liberação do eucalipto transgênico.
Qual seria a atitude esperada da CTNBio diante da
“estratégia” da empresa de alegar falta de recursos financeiros e de tempo,
entre outras justificativas, para não realizar a devida avaliação de impacto e
de risco? O esperado seria determinar a realização dos estudos e paralisar os
procedimentos para a liberação até que as devidas avaliações estivessem
concluídas ou aceitar essas justificativas e dar andamento ao processo?
O esperado de uma comissão que deve zelar pela
proteção da saúde humana e do meio ambiente seria determinar a realização de
novos estudos e a conclusão dos que estão em curso. Mas, não foi isso o que
aconteceu. Sem que fossem realizados os estudos necessários, a CTNBio deu
andamento ao processo e a Subcomissão Setorial Permanente de Saúde Humana e
Animal do colegiado aprovou, em novembro, a liberação comercial do eucalipto
transgênico. Agora, falta a aprovação na Subcomissão Setorial Permanente das
Áreas Vegetal e Ambiental, para que posteriormente o pedido de liberação possa
ser encaminhado à plenária para a aprovação final.
Até recentemente, a CTNBio estava sem
representantes do Ministério do Meio Ambiente (MMA), os quais foram nomeados
após a realização da referida audiência pública. Além disso, os cargos (titular
e suplente) de especialista de meio ambiente a ser indicados pela sociedade
civil e nomeados pelo MMA continuam vagos. A dimensão ambiental está
enfraquecida na composição da CTNBio e, a despeito disso, ela tem dado
continuidade à aprovação dos transgênicos. Em abril, por exemplo, o colegiado
aprovou a liberação comercial do mosquito transgênico Aedes aegypti para
combater a dengue sem que os especialistas da área ambiental estivessem
presentes. Aspectos relevantes como o impacto desses mosquitos sobre o
saneamento ambiental e o controle biológico de pragas não foram avaliados com a
ausência desses especialistas.
É importante recordar uma decisão política que
facilitou a aprovação dos transgênicos no Brasil.
Em 2007, o então presidente
Lula sancionou uma lei que reduziu o número de votos necessários à liberação de
transgênicos, que passou de dois terços dos membros da comissão à maioria
simples. Como a CTNBio tem 27 membros, o número de votos necessários à
aprovação caiu de 18 para 14. Essa diferença de quatro votos foi essencial para
“destravar” a liberação dos transgênicos. Mais de 90% das plantas transgênicas
permitidas hoje no país foram liberadas após essa mudança.
Postura irresponsável
A postura do Estado brasileiro frente aos
transgênicos não tem sido de responsabilidade. Além dos riscos de sua liberação
sem os estudos adequados, hoje o consumidor brasileiro não têm sequer seu
direito à informação respeitado, para que possa escolher consumir ou não
transgênico, pois nem a rotulagem tem sido cumprida. A liberação da primeira
árvore transgênica no mundo não pode ser mais um exemplo da omissão do Estado
brasileiro frente aos riscos e impactos que os transgênicos podem oferecer.
Caso o eucalipto transgênico seja liberado sem as
pesquisas necessárias, não é apenas a saúde humana e ambiental que poderá ser
prejudicada. Aspectos socioeconômicos também poderão ser afetados. O Brasil é o
segundo maior exportador de mel orgânico do mundo. Essa atividade poderá ser
prejudicada, uma vez que as normas de orgânicos não permitem transgênicos e haverá
riscos de as áreas de produção orgânica de mel serem afetadas pelo pólen de
eucaliptos transgênicos. Além disso, ao aprovar a liberação do eucalipto
transgênico, o Brasil estará caminhando na contramão do mercado internacional,
tendo em vista que a certificação Forest Stewardship Council (FSC) não admite
que produtos oriundos de árvores transgênicas sejam certificados.
A questão de fundo sobre os transgênicos não é mais
ser contra ou a favor dessa tecnologia. Hoje, os transgênicos (infelizmente
para uns e felizmente para outros) são uma realidade que a sociedade precisa
saber como lidar e definir quais limites irá impor. Uma das questões essenciais
refere-se aos interesses dos diversos atores e como estes estão sendo
representados. Se a CTNBio optar por autorizar a liberação comercial da
primeira árvore transgênica no mundo sem que os devidos estudos tenham sido
realizados, ela terá considerado os interesses da empresa acima dos da
sociedade e do meio ambiente.
Que legitimidade tem a comissão, que tem como
competência legal proceder à análise da avaliação de risco e emitir decisão
técnica sobre a biossegurança dos transgênicos, se ela não exige da empresa os
estudos necessários e assim favorece o interesse privado em detrimento do
interesse público? A continuar a tendência atual, talvez esteja mais do que na
hora de a sociedade brasileira exigir uma mudança da estrutura e da forma de
atuação da CTNBio.
Fonte: Instituto Sociambiental
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