A fome também cresce nas cidades
do Zimbábue.
por
Jeffrey Moyo, da IPS
Impactados pela fome, um grande número de
refugiados no Zimbábue saem às ruas para vender o que encontram para levar
alguma comida para suas casas. Foto: Jeffrey Moyo/Envolverde/IPS.
Harare, Zimbábue, 18/12/2014 – Com o aumento do
desemprego no Zimbábue, fica cada vez mais difícil para este país cumprir os
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) até o final de 2015, o que se
traduz no fato de que milhares de cidadãos continuarão passando fome nas
cidades.
Os oito ODM foram estabelecidos pela Cúpula do
Milênio, na fase inaugural da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas
(ONU) de setembro de 2000, quando 189 governantes acordaram as metas de
desenvolvimento da humanidade para os primeiros 15 anos do novo século.
Entre as metas dos ODM para 2015, com relação aos
dados de 1990, estão reduzir pela metade a proporção de pessoas que sofrem
fome, conseguir a educação primária universal, promover a igualdade de gênero e
o empoderamento das mulheres, reduzir a mortalidade infantil em dois terços e a
materna em três quartos. Também incluem lutar contra a expansão do vírus HIV,
causador da aids, a malária e outras doenças transmissíveis, garantir a
sustentabilidade ambiental e gerar uma aliança mundial para o desenvolvimento
entre o Norte e o Sul.
O Zimbábue tem 13 milhões de habitantes, segundo o
Censo Nacional de 2012, dos quais 67% vivem em áreas rurais e 33% nas cidades.
Pela Pesquisa de Pobreza, Renda, Consumo e Gastos 2011-2012, realizada pela
Agência de Estatísticas do Zimbábue, 30,4% da população rural é “extremamente
pobre” e há pessoas que passam fome, muito acima das cidades onde sobrevivem
dessa forma 5,6% dos habitantes.
Os trabalhadores sociais consideram justificável as
pessoas escolherem a cidade para viver, apesar das grandes dificuldades que
encontram. “Viver em povoados e cidades é muito melhor do que viver no campo,
já que ali é onde aparece a mínima oportunidade de trabalho, apesar do elevado
custo de vida”, opinou à IPS a trabalhadora social Tracey Ngirazi. Para o presidente
do Conselho de Trabalhadores Sociais do Zimbábue, Philip Bohwasi, a fome nas
zonas rurais é consequência da perda de postos de trabalho.
O Programa Mundial de Alimentos (PMA) estima que o
desemprego afeta 60% da população economicamente ativa deste país do sul da
África. “A atual incapacidade da economia para atender as necessidades básicas
da população gera situações de fome em uma grande quantidade de famílias
urbanas, onde quase nenhum residente tem acesso a três refeições diárias”,
afirmou Bohwasi à IPS.
Esse é o caso de Josphat Madyira, contador, de 39
anos, residente em Harare, a capital do país, onde é comum passar fome. “A
maioria dos estabelecimentos comerciais está cheia de produtos, mas a maioria
das pessoas não tem trabalho e, portanto, não tem dinheiro para comprar insumos
básicos, e por isso muitos só comem uma vez por dia”, explicou à IPS.
Madyira perdeu o emprego em uma fábrica de sapatos
que encerrou suas atividades devido ao aprofundamento da crise de liquidez que
acontece no país, produto de uma economia falida que deixou milhões de
desempregados. Consultado sobre como as pessoas na mesma situação que a dele
fazem, Madyira contou que “as pessoas que não têm trabalho, como eu, vão às
ruas vender tudo o que cai em suas mãos para tentar levar alguma comida para
casa”.
A comunidade de doadores, que costuma distribuir
alimentos às famílias rurais pobres, não faz o mesmo em povoados e cidades,
apesar de agora também haver pessoas que passam fome nesses lugares, afirmam
ativistas da sociedade civil. “Seja nas cidades ou em zonas distantes, a fome
afeta as pessoas comuns, e a maioria dos doadores há muito tempo distribui
alimentos no campo e raramente prestam atenção às cidades, que agora também
sucumbem à fome”, alertou à IPS a diretora da Rede de Ação para o Diálogo de
Jovens, Catherine Mukwapati.
A persistente queda econômica do Zimbábue impediu
este país de avançar na erradicação da pobreza extrema e da fome. Por isso, no
começo deste ano o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), junto com
o governo, ampliou seu programa de ajuda em dinheiro às zonas urbanas.
Como parte do programa, que começou a ser aplicado
em 2008, ano em que a crise interna se agravou, as famílias com renda inferior
a US$ 1,25 por dia recebem entre US$ 10 e US$ 20 mensais, segundo o número de
integrantes. Economistas especializados em desenvolvimento locais afirmam que é
utópico conseguir os ODM sem alimento nas mesas das famílias, especialmente nas
cidades, cujos moradores rapidamente começam a passar fome.
“Tanto nas cidades quanto nas zonas rurais, o
Zimbábue ainda tem muitas pessoas vivendo com menos de US$ 1,25 ao dia, quantia
que mede a extrema pobreza, em um claro sinal de como esse país está longe de
combater a fome e a pobreza, segundo as diretrizes dos ODM, cujo prazo para
cumpri-los vencerá no ano que vem”, apontou à IPS o especialista em
desenvolvimento Obvious Sibanda.
Segundo o Índice de Desenvolvimento Humano 2014, do
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o Zimbábue é um país
de baixa renda e com déficit alimentar, situado em 156º lugar entre 186 países.
Segundo o Pnud, atualmente 72% da população do Zimbábue vive abaixo da linha de
pobreza. E, embora a fome afete as pessoas tanto em zonas urbanas como rurais,
fontes governamentais também reconhecem que o problema é sentido cada vez mais
em povos e cidades.
“O desaparecimento do emprego formal, a maioria em
povoados e cidades, com muitos trabalhadores realizando trabalhos informais e
mal remunerados, está diretamente relacionado com a pobreza e a fome”,
reconheceu à IPS um economista que trabalha para o governo e pediu para não ser
identificado.
Para o grande número de pessoas que, como Madyira,
passam fome no Zimbábue, pouco importa alcançar os ODM até o final de 2015.
Fonte: ENVOLVERDE
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