Mudanças Climáticas: O tempo está
se esgotando.
O céu de Pequim pode ser azul. Isso é o que os
habitantes da capital chinesa acabam de descobrir.
E tudo graças ao plano que
as autoridades locais colocaram em prática para receber no melhor dos
ambientes, no começo de novembro, Putin, Obama,
Bachelet e outros líderes da Cúpula Ásia-Pacífico (Apec, sigla
em inglês). Restringiu-se o tráfego de carros privados, 70% dos veículos
públicos saíram de circulação, as obras foram interrompidas, assim como a
produção das fábricas mais poluentes da cidade. Resultado? O
desaparecimento da eterna neblina que flutua sobre as cabeças dos pequineses e
a aparição de um céu limpo que até recebeu um nome: azul Apec.
A reportagem é de Joseba Elolam,
publicada pelo jornal El País, 29-11-2014.
Foram-se os líderes, o fórum de cooperação
econômica terminou com um acordo entre Estados Unidos e China – considerado
histórico por alguns; fraco por outros, por não ser vinculante – para reduzir
as emissões de gases de efeito estufa, e a poluição voltou. Mas os pequineses
já não são os mesmos de antes: descobriram que basta vontade para ter um céu
azul. Questão de adotar medidas firmes. De não se limitar a gestos apenas
demagogos.
Gráfico: Jornal El País.
Algo similar está acontecendo com o planeta.
Necessita de medidas firmes e rápidas. A situação já foi remendada demais, e o
tempo está se esgotando. A ONU deixou isso bem claro ao se
expressar no começo do mês por meio doIPCC, Painel
Intergovernamental para a Mudança Climática,
formado por 830 cientistas da comunidade internacional. A emissão de gases do
efeito estufa tem que ser reduzida entre 40% e 70% até 2050. Ao final do
século, as emissões devem ser zeradas. Se não, os efeitos
serão graves – e os cientistas analisam todo um arsenal de cenários possíveis –
para o meio-ambiente, a segurança alimentícia e a pobreza.
“Ainda há tempo, mesmo que muito pouco tempo”.
Assim se expressou na apresentação do relatório, em Copenhague, em 2 de
novembro, a presidente do IPCC, Rajendra Pachauri.
“Estamos a tempo se conseguirmos reduzir as emissões“,
acrescenta o vice-presidente do Grupo II do IPCC, José
Manuel Moreno, encarregado de avaliar impactos,
adaptações e vulnerabilidades. Moreno, professor de Ecologia
da Universidade de Castilla-La Mancha, é um dos 13 cientistas espanhóis que
formam parte do organismo patrocinado pela ONU.
Temos tempo, dizem os especialistas, e cronômetro
começa a correr nesta segunda-feira, quando começa a cúpula climática de Lima,
a chamada COP 20, vigésima Conferência das Partes
organizada pela ONU. De lá, pode sair um projeto para a cúpula
decisiva, a do ano que vem em Paris, a reunião na qual estão depositadas todas
as esperanças, da qual devem sair ambiciosos objetivos de redução de emissões,
um tratado que substitua Kyoto, uma reunião que deve romper o sabor amargo que
o fracasso de Copenhague deixou há cinco anos, que consiga implicar finalmente
os principais atores, China e Estados Unidos.
Nós estamos levando a sério a luta contra os
efeitos das mudanças climáticas? “Estamos
levando muito menos a sério do que é preciso”, afirma, contundente, a
ex-secretária de Estado da Mudança Climática
no último governo deRodríguez Zapatero, Teresa
Ribera, atualmente conselheira de um think tank
francês, o Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Relações
Internacionais (IDDRI, sigla em francês). “Não estamos (levando a
sério) nem com a velocidade, nem com a intensidade que a situação exige. Cedo
ou tarde, os líderes políticos serão avaliados por essa questão”.
A quantidade de gases de efeito estufa
enviados à atmosfera alcançou um novo recorde histórico em 2013. Foi o que
revelou, no começo de setembro, a Organização Meteorológica Mundial.
O dióxido de carbono aumentou sua concentração em um ritmo que
não era observado há trinta anos.
Os níveis de neve e gelo desceram. A temperatura
dos oceanos e da atmosfera continuam subindo. O nível do mar se eleva. A mudança
climática já é uma realidade e está sendo causado pela mão do
homem, afirmam os cientistas daONU. Altera as estações, os
ciclos da natureza; favorece os fenômenos meteorológicos extremos. Um vídeo
distribuído pela ONU, para que o mundo tome consciência,
mostra uma Islândia com clima similar ao da Toscana; um Alasca como o lugar
perfeito para celebrar os Jogos Olímpicos de verão.
O relatório científico do IPCC
levanta vários cenários para o futuro em função de como o mundo reagir. Se nada
for feito, se as emissões não forem reduzidas, as temperaturas podem subir até
4,8 graus, com as quais as geleiras seriam reduzidas em 85% e o nível do mar
subiria 0,82 metros, afetando gravemente o equilíbrio dos ecossistemas.
Se as medidas propostas por essa bíblia da mudança climática
forem tomadas, e ao final do século as emissões forem reduzidas a zero, o
aumento da temperatura pode se limitar a dois graus. Este é o objetivo.
“O princípio da precaução tem que ser aplicado.
Dizer que será um catástrofe geral não é correto, as generalizações são
perigosas”, afirma Miquel Canals, professor
de Geologia Marinha e diretor do departamento de Estratigrafia, Paleontologia e
Geociências Marinhas da Universidade de Barcelona. Canals argumenta que uma das
chaves do futuro será o papel desempenhado pelos oceanos na absorção do excesso
da temperatura atmosférica.
O mundo enfrenta uma mudança no modelo
energético. Reduzir as emissões a zero até o final do
século significa renunciar ao petróleo, ao gás e ao carvão progressivamente. “É
necessário um processo de transformação profundo”, declara a ex-secretária de
Estado. “Ou mudamos ou vamos acabar”. Ribera disse que isso
não basta para conseguir a redução de emissões necessária. “Devemos mudar o
modelo energético, econômico e financeiro”, afirma. “Não sabemos como abordar
uma mudança de época porque a inércia é muito forte”.
A mudança para um novo modelo significa apostar
em outras fontes. O geólogo Miquel Canals afirma que, nesse
contexto, não podemos prescindir da energia nuclear. “O que não é contemplável
é um retorno à Idade da Pedra”, diz. Afirma que não há fórmula perfeita, e que
as energias renováveis não são uma panaceia porque precisam de
subsídios. “O caminho passa por um coquetel de fontes de energia
que teria que favorecer as energias menos poluentes”.
Da Suécia, o ex-diretor do Departamento de
Meteorologia do Instituto Max Planck, Lennart
Bengtsson, que por um tempo pertenceu a uma organização cética
sobre as mudanças climáticas, argumenta em uma conversa por telefone que não
podemos ter mudanças abruptas para não prejudicar a economia. “Não há uma
urgência imediata”, disse. “Temos que desenvolver modelos energéticos
robustos”.
Já os ambientalistas apostam em um modelo baseado
100% nas energias renováveis. “Precisamos de
umarevolução energética“, manifesta a
responsável pela campanha de mudanças climáticas do Greenpeace
na Espanha,Tatiana Nuño: “A probabilidade de
um acidente é catastrófica em termos humanos e econômicos”. Nuño afirma que o
relatório do IPCC mostra que, com o objetivo de limitar o
aquecimento a dois graus, os custos de energia nuclear não são muito superiores
aos que se geraria com o seu uso. “A opção nuclear não é necessária”.
A questão fundamental é um estilo de vida dos
países ricos (que os emergentes estão atingindo progressivamente), com seus
elevados níveis de consumo de energia, compatível com um
planeta saudável. E se as novas fontes darão conta das necessidades que esse
estilo de vida gera. Resolver esse sudoku abre a porta de múltiplos caminhos.
Nosso estilo de vida, sustentado no conforto, é um despropósito ou uma
conquista? Foi no ano de 2006 que o economista britânico Nicholas Stern
modificou o debate. Argumentou que os custos de não combater as mudanças
climáticassão muito superiores aos de reduzir as emissões.
“Não se trata de uma corrida de cavalos entre o crescimento e a
responsabilidade climática; essa é uma dicotomia falsa”, afirmou Stern,
de Londres, em uma conversa telefônica, presidente do Instituto Grantham de
Investigação da Mudança Climática. O economista que em 2011 ganhou o Prêmio
Fundação BBVA Fronteiras do Conhecimento na categoria Mudança Climática alega
que a transição para umaeconomia de baixo consumo de carbono
oferece novas oportunidades de crescimento.
O desafio da transformação do modelo
energético-produtivo encontra-se com a resistência das grandes empresas de
petróleo, gás e carbono, que perderiam grande parte de seu negócio se não se
reinventassem. Um estudo publicado ano passado pelo investigador Richard
Heede, do Instituto de Responsabilidade Climática
do Colorado, afirma que acrise climática foi
causada fundamentalmente por 90 empresas que produziram cerca de dois terços
das emissões degases de efeito estufa desde a era industrial.
Entre elas, Chevron, Exxon, Shell,
Repsol e Gazprom.
Stern diz que algumas dessas
companhias, como a Shell, já disseram que estão dispostas a se
transformar. “Este é um processo de mudança que precisa acontecer se quisermos
um mundo mais seguro. Não podemos nos render e destruir o mundo simplesmente
porque no processo de transição alguns poucos vão ter que realizar grandes
ajustes; a grande maioria das pessoas sairá ganhando”.
Teresa Ribera arredonda a
questão: “Estão privatizando os benefícios de não combater a mudança
climática e socializando os custos: os benefícios são para os grandes
jogadores e são as populações que têm que lidar com as secas, os furacões, a má
qualidade do ar”.
Para alguns, a questão fundamental está nos
insustentáveis níveis de consumo que o estilo de vida geral carrega conforme os
países se desenvolvem. “É fundamental que os países desenvolvidos reduzam o
consumo material”, argumenta o ensaísta francês Hervé Kempf,
autor do livro Como os ricos destroem o planeta, que esta semana passou por
Madrid para falar em uma palestra sobre a crise ambiental na
Casa Escendida. “Os que estão no topo da pirâmide projetam uma imagem de sobre
consumo e arrastam os demais: todo mundo quer um carro carro, viajar de avião,
tela plana na televisão. O aumento dos gases de efeito estufa está ligado ao
crescimento econômico. Precisamos mudar o sistema econômico”, assegura. Kempf,
redator-chefe do site Reporterre, especializado em
meio-ambiente, argumenta que “a sociedade deve abraçar uma lógica global de
sobriedade”.
Outra frente desse debate é sobre como conduzir
essa transição de modo que ela seja equitativa, que não atrapalhe as opções de
desenvolvimento dos países mais desfavorecidos ou de economias emergentes. “Não
podemos pretender que todos subamos à bordo nas mesmas condições”, admite a
diretoria da Oficina Espanhola de Mudança Climática,Susana
Magro, – que costumava ter status de Secretaria de Estado -,
dependente do Ministério da Agricultura, Alimentação e Meio Ambiente. Magro
estará na cúpula de Lima, que começa neste domingo e acaba em 12 de dezembro.
“Precisará haver transferência de tecnologia a baixo custo ou sem custo nenhum
para que os países menos desenvolvidos possam dar o salto diretamente”, disse.
O mundo ocidental desenvolveu-se durante anos queimando combustíveis fósseis e
são muitos os que dizem que não seria justo aos mais desfavorecidos, que agora
decolam, ficarem com o fardo de um problema do qual não são responsáveis. “O
acordo de Paris será muito complexo”, afirmaMagro, “as
necessidades de 195 países são muito distintas”. Cada nação deve definir nessa
reunião sua contribuição para o processo de mudança.
A mudança que o planeta precisa, como se deduz
das análises da comunidade científica, pode nos conduzir a um outro mundo. A
transformação do mapa energético, a redução da dependência do gás e do petróleo
poderiam alterar substancialmente o tabuleiro geopolítico.
Enquanto isso, os pequineses continuam olhando
para o céu. Na quarta-feira passada, Xie Zhenhua,
vice-presidente da Comissão Reformista de Desenvolvimento Nacional, anunciou
que a poluição pode ser combatida até 2030 na China. E acrescentou: “Os dias de
azul Apec também são alcançáveis”.
Fonte: IHU On-line
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