A crise da água e as perspectivas
futuras.
por
Marcelo Buzaglo Dantas*
Crise hídrica na Cantareira: a água não brota de
obras de cimento. Foto: Vagner Campos/A2 FOTOGRAFIA.
O ano de 2014 no Brasil foi marcado, dentre outras
coisas, pela escassez de água. Fenômeno até então pouco conhecido fora dos
limites do Norte e do Nordeste do País, a seca chegou ao Sudeste e região.
Fruto da ausência de chuvas, possivelmente associada
às mudanças climáticas, outros fatores também contribuíram para a terrível (e
ainda não solucionada) situação a que chegamos. A falta de cuidado com a
vegetação ciliar onde ela ainda existe é também apontada por especialistas como
uma das causas do problema, na medida em que a devastação das áreas
circundantes de rios, cursos d’água, lagos, lagoas, reservatórios e similares
contribui para o assoreamento e, portanto, para as perdas qualitativas e
quantitativas dos elementos hídricos e de suas funções ecológicas.
Por isso, a contundente crítica dirigida ao Novo
Código Florestal quando, no particular, reduz os limites de proteção da mata
ciliar, já que a faixa de Área de Preservação Permanente (APP) passa a ter a
metragem contada a partir da “borda da calha do leito regular” do rio – e não
mais do seu “nível mais alto”, como outrora – deixando desguarnecidas áreas
alagadiças que exercem importantes funções ambientais.
De todo modo, mesmo no regime florestal anterior,
as dificuldades de fazer implementar a legislação ambiental no Brasil sempre
foram muitas, a ponto de ter se tornado lugar comum afirmar que o país possui
um dos mais bem estruturados sistemas legais de proteção ao meio ambiente do
mundo, o qual, contudo, carece de efetividade.
A cultura que se desenvolveu no país nunca foi a da
preservação. Por aqui, sempre se preferiu investir na reparação dos danos a
propriamente prevenir para que aqueles não acontecessem. No caso dos recursos
hídricos, jamais fizemos como os nova-iorquinos: preservar os mananciais para
não ter que investir em saneamento. O resultado é conhecido: o povo daquele
Estado americano altamente industrializado possui uma das águas de melhor
qualidade do planeta.
No Brasil, contudo, a preocupação com a água nunca
foi a tônica dos setores público e privado. Exceção feita a poucas iniciativas
aqui e acolá, a regra sempre foi a poluição dos elementos hídricos.
Desnecessário citar exemplos, infelizmente.
Por outro lado, é incontestável que os instrumentos
de comando e controle, tão enaltecidos por muitos, não tiveram o condão de
diminuir os efeitos da degradação do meio ambiente. Não fosse assim, o Código
Florestal anterior, aliado a uma série de outras normas legais (Sistema
Nacional de Unidades de Conservação, Lei da Mata Atlântica, etc.) teria sido
responsável pela redução do desmatamento. Não foi, contudo, o que aconteceu.
Logo, torna-se necessário partir-se para uma nova
era. Um tempo em que se passe a investir intensamente na valorização e na
recompensa daqueles que realizam serviços ambientais.
Marcelo Buzaglo Dantas. Foto: cedida pelo autor.
A lógica é simples: em vez de simplesmente punir
aquele que descumpre a legislação – o que, repita-se, revelou-se ineficaz –
remunera-se quem preserva. É uma inversão total daquilo que sempre se praticou
no Brasil. Em vez de “poluidor-pagador”, passa-se para a tônica do
“protetor-recebedor”.
Iniciativas como essas vão desde a remuneração
financeira aos pequenos proprietários rurais que preservam a vegetação que
protege as águas, passando por incentivos tributários à preservação ecológica
(IPTU verde, ICMS ecológico, redução de IPI para produtos ambientalmente
sustentáveis, etc.), maior incentivo financeiro à criação de reservas
particulares do patrimônio natural (RPPNs), estímulo à comercialização de
créditos de logística reversa e de cotas de reserva ambiental, entre outros.
Ganham as pessoas, ganha o meio ambiente e ganha a
sustentabilidade.
Já está mais do que na hora de se reconhecer que a
proteção do meio ambiente não é apenas uma fonte geradora de despesas, mas pode
se tornar uma grande oportunidade para se obter recompensas financeiras
efetivas, ao mesmo tempo em que se contribui para a melhoria da qualidade
ambiental das presentes e futuras gerações.
* Marcelo Buzaglo Dantas é advogado,
pós-doutor em Direito, consultor jurídico na área ambiental e membro da
Comissão de Direito Ambiental da OAB/RJ e da Comissão Permanente de Direito
Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB. Também é membro da Rede
de Especialistas em Conservação da Natureza.
Fonte: ENVOLVERDE
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