O desafio é a mudança sistêmica e
não a climática.
por Patricia Fachin, do IHU
On-Line
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“Ainda temos de ver, para além de Lima e antes de
Paris, quais serão as posições dos países tanto em relação às ações para
mitigação quanto para adaptação, ou seja, qual será a contribuição nacional de
cada um nas negociações do clima”, diz o representante da Agência Jovem de
Notícias Internacional na COP-20, Luciano Frontelle.
Na última semana da 20ª Conferência das Partes da
Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – COP-20, que
acontece em Lima, no Peru, as delegações dos 190 países participantes do
encontro conseguiram cumprir parte dos desafios propostos ao dar início ao
rascunho do texto que será discutido em Paris, no próximo ano.
Na manhã de ontem, a IHU On-Line conversou, por
Skype, com Luciano Frontelle, que participa da Conferência representando a
Agência Jovem de Notícias Internacional e o coletivo de jovens Clímax Brasil,
que busca “tirar as mudanças climáticas do armário”. Segundo ele, “nesta semana
saiu um texto rascunho tanto do conjunto das posições dos países para Lima,
quanto um rascunho de negociação para Paris. Isso já dá um novo ar para as
negociações e ajuda a entender que caminho os países estão tomando”.
Entretanto, pontua, “ainda é preciso esperar mais um pouco para saber que
aspectos do texto vão ficar e quais serão excluídos e, nesse sentido, não dá
para fazer uma avaliação agora, porque na próxima rodada de negociações, parte
do que já foi acordado pode cair, e novos pontos podem ser incluídos no acordo.
Mas ao menos já temos um texto que está sendo elaborado, embora em relação às
metas e definições ele ainda esteja fraco”.
Frontelle informa ainda que as negociações tiveram
poucos avanços, mas os países já chegaram ao consenso acerca de estabelecer
2050 como meta para neutralizar as emissões de gás carbônico, e ainda estão
negociando metas de early action (ação antecipada), que devem ser postas em
prática até 2020 e 2030. Sobre esse aspecto, ele chama atenção para pressões
realizadas por um conjunto de cidades de governos locais que “tem pressionado
para que os países assumam compromissos já para 2015, porque eles têm uma
preocupação com as trocas de governo e, assim, as cidades podem conduzir as
metas independentemente de quem for o prefeito”.
Luciano Frontelle esclarece ainda que o grupo
reiterou a necessidade de reconhecer “o papel das cidades” na discussão sobre
mudanças climáticas, porque não há como “garantir financiamentos para ações que
estão além dos recursos das cidades, ou seja, não tem como cobrar compromissos
de governos nacionais de ajuda às cidades para, por exemplo, melhorarem os
esforços em relação à mobilidade urbana, porque grande parte das ambições das
cidades é melhorar o transporte público. E boa parte das soluções para mitigar
os efeitos das mudanças climáticas está nas cidades”.
Frontelle comenta também a Marcha dos Povos,
realizada na última quarta-feira, e a pressão das comunidades indígenas, que
propõem não somente uma discussão acerca das mudanças climáticas, mas uma
“mudança sistêmica”, ao criticarem os mecanismos de financiamento que são tidos
como uma alternativa ao enfrentamento das mudanças climáticas. “Isso significa
que eles são contrários ao REDD, porque o mecanismo tem funcionado numa lógica
em que os direitos das comunidades e dos povos tradicionais não estão sendo
respeitados, porque se permite desmatar, por exemplo, e depois se compensa tal
dano ambiental com um valor monetário, criando assim um precedente para que os
países possam desrespeitar os direitos das comunidades. Eles estão preocupados
com que as negociações entrem somente na lógica do capital e os direitos das
comunidades não sejam preservados”, conclui.
Luciano Frontelle é empreendedor social e faz parte
do coletivo de jovens Clímax Brasil.
Confira a entrevista.
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IHU On-Line – Que avaliação faz da COP-20 até este
momento? Já é possível fazer uma avaliação final da Conferência em Lima?
Luciano Frontelle – Por enquanto dá para dizer que a
COP-20 tinha um desafio muito grande, que era o fato de que ainda não se tinha
nenhum sinal de um texto negociador para Paris, e isso era preocupante. Mas
nesta semana saiu um texto rascunho tanto do conjunto das posições dos países
para Lima, quanto um rascunho de negociação para Paris. Isso já dá um novo ar
para as negociações e ajuda a entender que caminho os países estão tomando. De
todo modo, ainda é preciso esperar mais um pouco para saber que aspectos do
texto vão ficar e quais serão excluídos e, nesse sentido, não dá para fazer uma
avaliação agora, porque na próxima rodada de negociações, parte do que já foi
acordado pode cair, e novos pontos podem ser incluídos no acordo. Mas ao menos
já temos um texto que está sendo elaborado, embora em relação às metas e
definições ele ainda esteja fraco.
IHU On-Line – Quais são alguns dos consensos entre
as delegações já presentes no texto que será discutido no próximo ano, em
Paris?
Luciano Frontelle – Por enquanto o texto trata da
eliminação de emissões de carbono para a transição de energia limpa até 2050.
Isso significa eliminar fontes de resíduos fósseis ou entrar numa linha
negativa de emissões em relação aos anos anteriores, até 2100. Essa questão já
tem uma timeline de longo prazo, mas o texto ainda está sintético e não está
definido como isso vai funcionar. Hoje o texto diz que a mitigação consiste em
neutralizar as emissões de carbono até 2050 e ter uma completa descarbonização
até essa data, ou emissões negativas até 2100. Algumas organizações sugerem que
a meta deveria ser mais clara.
IHU On-Line – E quais são as metas assumidas para
períodos mais próximos, como 2020, 2030?
Luciano Frontelle – Essa meta de 2050 diz respeito à
neutralização de emissões, mas há metas para 2030 e 2025 em relação a
financiamentos, por exemplo. Essas duas semanas foram de intenções acerca dos financiamentos,
e até agora já passamos os 10% da meta de 100 bilhões anuais até 2020,
inclusive com a Austrália fazendo um acordo conjunto com a Bélgica nesta
semana. Esperamos que o texto tenha mais conteúdo de early action (ação
antecipada), que são metas até 2020. As metas definidas até agora não estão
muito claras nesse aspecto, mas o conjunto de cidades de governos locais tem
pressionado para que os países assumam compromissos já para 2015, porque eles
têm uma preocupação com as trocas de governo e, assim, as cidades podem
conduzir as metas independentemente de quem for o prefeito.
Eles defendem ainda que se reconheça o papel das
cidades na discussão sobre as mudanças climáticas, porque se não se reconhece o
direito das cidades, não há como garantir financiamentos para ações que estão
além dos recursos das cidades, ou seja, não tem como cobrar compromissos de
governos nacionais de ajuda às cidades para, por exemplo, melhorarem os
esforços em relação à mobilidade urbana, porque grande parte das ambições das
cidades é melhorar o transporte público. E boa parte das soluções para mitigar
os efeitos das mudanças climáticas está nas cidades.
IHU On-Line – Pode dar alguns exemplos de ações
anunciadas pelos países como metas internas, as quais eles irão cumprir a fim
de reduzir as emissões de CO²?
Luciano Frontelle – Os principais anúncios são em
relação ao que blocos de países estão pensando em fazer. Ontem foi divulgado o
compromisso dos países do bloco do Pacífico (Peru, Chile, Colômbia e México),
que trata de reduções de emissões e ações em relação às florestas e oceanos.
Essa é uma boa notícia para a nossa região. Mas, por outro lado, o Peru ganhou
o Fóssil do dia (a mais baixa honraria possível a ser recebida no encontro), na
segunda-feira, por causa de uma lei nacional de descompatibilização do
desenvolvimento com o meio ambiente.
Então, ao mesmo tempo que se têm acordos globais,
há países andando na contramão.
O Brasil também foi bastante criticado no início
das negociações, na semana passada, por conta do desmatamento e das emissões em
alta, e ganhou o Fóssil do dia por ter tentado dar um “jeitinho” nas
negociações, ou seja, por tentar contar duas vezes a redução de emissões, tanto
a redução nacional quanto a redução do que vendeu como crédito; o Brasil contou
as duas reduções como sendo reduções nacionais, o que está errado. Embora esse
seja o momento de tentar fazer negociações internacionais, esse exemplo do
Brasil mostra que os países, em suas ações nacionais, nem sempre estão
contribuindo.
Os indígenas do Brasil estão reclamando bastante
por conta da falta de negociação e da truculência por causa da construção das
hidrelétricas, mas aqui a delegação brasileira tem feito um discurso de que há
um processo grande de consulta e de diálogo com os movimentos sociais e os
indígenas.
IHU On-Line – A exemplo da Alemanha, outros países
se comprometeram com a transição energética para os próximos anos?
Luciano Frontelle – Não existem anúncios oficiais,
mas Seul anunciou que tem feito um esforço gigante em conseguir fontes
alternativas de energia para não usar energia nuclear. Eles lançaram um projeto
aqui na COP-20 no sentido de desenvolver uma série de ações para que, a partir
da participação das pessoas, se consiga ter energia suficiente para deixar de
usar energia nuclear.
Tenho acompanhado ainda a importância da educação
no processo de formação das pessoas para discutir as questões climáticas, e
essa questão está relacionada com o artigo 6º da Plataforma de Doha, sobre a
participação das pessoas; ou seja, como as pessoas se envolvem no processo
tanto de comunicar as ações de mudanças climáticas, como podem se envolver para
o desenvolvimento concreto de ações. Temos o incentivo da Polônia e de outros
países para que se possa elaborar também um texto nesse sentido no acordo final
da COP-20. Por outro lado, no texto elaborado até então em relação às INDC
(posições nacionais), não está claro como se dará a participação da sociedade
civil nas ações que os governos nacionais irão adotar em relação às suas metas,
às emissões, planos de ação, planos de mitigação. Essas questões devem ser
definidas pelos países do Anexo I no início do ano que vem e pelos demais
países no começo do primeiro semestre do ano que vem.
Também não está claro no texto atual quais devem
ser os padrões dessas posições, porque até o momento a regra é que cada país
anuncia sua contribuição nacional, mas tem de ser feito um acordo para que
essas contribuições nacionais tenham um padrão para que se possa fazer uma
comparação entre as nações para medir quanto cada país tem avançado em relação
aos demais. Portanto, ainda temos de ver, para além de Lima e antes de Paris,
quais serão as posições dos países tanto em relação às ações para mitigação
quanto para adaptação, ou seja, qual será a contribuição nacional de cada um.
Por isso, estamos alertas a como será abordada essa questão no texto da COP-20,
ou seja, se vai haver ou não um padrão de comparação entre os países.
IHU On-Line – Qual foi o discurso do Brasil durante
a COP-20 em relação às medidas que vai adotar nos próximos anos para enfrentar
as mudanças climáticas e transição energética?
Luciano Frontelle – Por enquanto o Brasil focou
bastante na proposta que havia feito antes da COP-20, acerca das
responsabilidades iguais, porém diferenciadas, que está estabelecida nos
círculos concêntricos. Ontem ocorreu uma reunião de delegação a qual não pude
acompanhar, mas, pelo que pude ver, mais anunciaram as reduções que foram
alcançadas de 2004 para cá, do que fizeram novos compromissos e acordos. Na
reunião de delegação antes da COP-20, o Ministério do Meio Ambiente se limitou
a dizer que o Brasil está dentro das metas acordadas no Protocolo de Kyoto,
citando o caso do desmatamento, por exemplo, e as demais reuniões foram para
discutir o que o país quer dizer com a diferenciação de responsabilidades ou o
que isso quer dizer em questão de compromissos e posições. Além disso, o Brasil
não fez nenhum novo posicionamento em relação a metas.
IHU On-Line – Como o acordo entre China e EUA
repercutiu na COP-20?
Luciano Frontelle – Fizemos essa pergunta para a
delegação brasileira e a resposta foi de que o Brasil vê esse acordo como
positivo, como um caminhar para o enfrentamento das mudanças climáticas, porém,
desde que isso também reflita em ações dos dois países dentro dos compromissos
que envolvem as negociações, porque uma coisa é eles fazerem um acordo
bilateral, fora das negociações, e outra coisa é a posição oficial dentro das
negociações. Então, desde que o acordo reflita e não influa no enfraquecimento
do processo da Convenção, pode ser positivo, porque se começam a surgir acordos
fora da Convenção, pode gerar um descrédito em relação a todo o processo que
está sendo feito até aqui.
IHU On-Line – Como foi a Marcha dos Povos realizada
em Lima na quarta-feira? Qual foi o discurso dos indígenas e movimentos sociais
que participaram?
Luciano Frontelle – A mensagem principal da marcha
foi dada pelos indígenas, que têm se posicionado contra o mecanismo REDD plus.
O discurso deles é em torno de uma mudança sistêmica e não somente climática.
Isso significa que eles são contrários ao REDD porque o mecanismo tem
funcionado numa lógica em que os direitos das comunidades e dos povos
tradicionais não estão sendo respeitados, porque se permite desmatar, por
exemplo, e depois se compensa tal dano ambiental com um valor monetário,
criando assim um precedente para que os países possam desrespeitar os direitos
das comunidades. Eles estão preocupados com que as negociações entrem somente
na lógica do capital e os direitos das comunidades não sejam preservados.
A marcha teve a presença das comunidades indígenas
da Amazônia brasileira e do Peru, além de ONGs ambientais. Foi uma marcha
plural, mas a mídia reclamou do trânsito ao invés de noticiar o conteúdo da
marcha; noticiou os incômodos que a manifestação gerou, embora a marcha
estivesse anunciada há mais de seis meses. De todo modo, a marcha foi pacífica,
com mais de 10 mil pessoas, certamente; as pessoas manifestaram que esperam
mais ambições nas negociações e querem que se preservem os direitos das pessoas
que não são ouvidas, além de criticarem a mercantilização das negociações,
tendo em vista que participam da COP-20 as grandes corporações do petróleo.
IHU On-Line – Diante das negociações feitas até
agora, qual a expectativa para o encontro de Paris, que vai discutir o texto
que substituirá Kyoto em 2020?
Luciano Frontelle – Houve um processo de ratificação
da emenda referente ao segundo termo de Kyoto e como isso se relaciona com as
negociações, mas espera-se que Paris seja o marco de acordos mais ambiciosos
tanto em relação às reduções como em relação a soluções de uma transição justa
para energias renováveis e limpas. Para Paris, entre as várias coisas que se
esperam, esperamos compromissos claros e transparentes para saber como a sociedade
civil de cada país poderá participar tanto da implementação quanto da
participação da tomada de decisão de como esse caminho será iniciado.
Fonte: IHU On-Line
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