COP20: tensão de interesses marca
a Conferência do Clima em Lima. Entrevista com Ricardo Baitelo.
“As maiores notícias da COP vieram antes e, nesse
sentido, o acordo entre Estados Unidos e China foi a grande notícia, mas que
dificilmente será debatida aqui”, avalia o coordenador de Clima e Energia do
Greenpeace Brasil.
A principal tensão entre os 190 países que
participam da COP-20é chegar a um acordo acerca do ano em que as nações
irão se comprometer com as metas de redução de CO², diz Ricardo Baitelo,
que representa o Greenpeace na Conferência do Clima, em Lima, à IHU
On-Line, por telefone.
“Um ponto bastante relevante é a divisão de grupos
de países que querem jogar o começo do compromisso para 2030 e grupos de países
que já assumem o começo dessas novas metas para 2025”, pontua. Segundo ele, a
tensão para se chegar a um consenso para o cumprimento de metas demonstra que
será difícil estabelecer um acordo para o próximo ano, em Paris. “Com
isso dá para dizer que será bem difícil chegar a um consenso, porque, por um
lado, só o Brasil e os Estados Unidos querem 2025 como o prazo limite, enquanto
a Europa quer o prazo para 2030 e a China e a Índia querem um prazo maior
ainda. Então este ponto deve ser negociado”.
Baitelo informa que, entre as notícias que podem ser
comemoradas na COP-20, estão a de que a Alemanha já anunciou a
data de quando deixará de utilizar usinas nucleares, a de que a União Europeia
reduzirá suas emissões em 40% até 2030 e a de que a Índia, apesar de
insistir no uso de carvão, vai instalar 100 mil MW de energia solar até o fim
da década.
De acordo com ele, ao longo das negociações da
primeira semana, o Itamaraty fez uma proposta metodológica de situar as
responsabilidades de cada país a partir da ideia de círculos concêntricos, ou
seja, cada nação poderá assumir metas mais ambiciosas ao longo do tempo.
Contudo, adverte, “o Brasil se liberou da responsabilidade, por enquanto, de
dizer onde se situaria nesse círculo concêntrico. O nosso papel enquanto Greenpeace
é realmente pressionar e dizer que o Brasil tem todas as condições e também a
responsabilidade de estar no grupo do centro, já que somos um dos seis maiores
emissores do mundo e estamos entre o sétimo e oitavo maior PIB do mundo. Então,
devemos assumir essa responsabilidade”.
Ricardo Baitelo é coordenador de Clima e Energia do Greenpeace
Brasil e doutor em Planejamento Integrado de Recursos pela Poli-USP.
Confira a entrevista.
Foto: Rede Brasil Atual
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IHU On-Line – Como estão as negociações na COP-20
até o momento? Pode nos dar um panorama geral da primeira semana de negociações?
Ricardo Baitelo – Na primeira semana, as negociações foram lentas,
sendo que nos primeiros três dias foram basicamente plenárias de apresentação,
com todas as delegações falando, discutindo o texto rascunho, que será
trabalhado aqui e depois em Paris. Então, diria que ainda é muito cedo para
traçar um diagnóstico. Entre alguns pontos que podem ser colocados, um deles é
a discussão do Brasil com relação à contabilização de carbono; essa é uma
discussão dentro do subgrupo de florestas.
Em um panorama mais geral, posso dizer que as
maiores notícias da COP vieram antes e, nesse sentido, o acordo entre Estados
Unidos e China foi a grande notícia, mas que dificilmente será
debatida aqui. Esses dois países finalmente se comprometeram com metas para
2030. Da parte do Brasil, o Itamaraty fez uma proposta de
metodologia de como outros países devem se situar em termos de responsabilidade
no futuro, já que propuseram essa nova divisão de círculos concêntricos, onde,
ao longo do tempo, cada país vai se comprometendo com metas mais ambiciosas —
obviamente, de acordo com o número de riqueza e de possibilidades.
A única crítica que fazemos é ao fato de que o Brasil
se liberou da responsabilidade, por enquanto, de dizer onde se situaria nesse
círculo concêntrico. O nosso papel enquanto Greenpeace é realmente
pressionar e dizer que o Brasil tem todas as condições e também a
responsabilidade de estar no grupo do centro, já que somos um dos seis maiores
emissores do mundo e estamos entre o sétimo e oitavo maior PIB do mundo. Então,
devemos assumir essa responsabilidade.
IHU On-Line – Quais são as críticas em relação ao
rascunho do acordo de Paris feitas pelas delegações?
Ricardo Baitelo – Ainda é cedo para traçarmos um comentário sobre
esse assunto. Um ponto bastante relevante é a divisão de grupos de países que
querem jogar o começo do compromisso para 2030 e grupos de países que já
assumem o começo dessas novas metas para 2025. Com isso dá para dizer que será
bem difícil chegar a um consenso, porque, por um lado, só o Brasil e os Estados
Unidos querem 2025 como o prazo limite, enquanto a Europa quer o prazo para
2030 e a China e a Índia querem um prazo maior ainda. Então, este ponto deve
ser negociado.
“O Brasil diz que os números
brasileiros em Copenhague já eram mais ambiciosos. A delegação brasileira diz
que aquela meta que se tinha em 2009 de reduzir de 36% a 39% é mais avançada
do que as metas que os Estados Unidos estão propondo”
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IHU On-Line – O acordo entre China e EUA foi bem
visto na COP-20, apesar de os comprometimentos serem também para 2030?
Ricardo Baitelo – Eu ainda não tenho um panorama dos demais países.
Posso dizer, informalmente, que, segundo oBrasil, as metas em Copenhague eram
mais ambiciosas. A delegação brasileira diz que a meta que se tinha em 2009, de
uma redução de 36 a 39%, é mais avançada do que as metas que os Estados
Unidos estão propondo. É claro que se tem essa confusão, se cada um coloca
uma porcentagem e coloca um ano de referência diferente, fica uma grande salada
de frutas. O Brasil argumenta que a proposta dos Estados Unidos,
se tomada pela base da brasileira, é menor, porque é só de 19% de redução, e a China,
por sua vez, também não disse em que ano vai atingir o pico das emissões.Os
chineses mencionam 2030, mas seria, obviamente, mais importante que isso
acontecesse antes, considerando que eles são os maiores emissores do mundo.
Outro fator relevante é que a Alemanha
anunciou uma data de quando deve deixar de usar energia nuclear internamente.
Essa é outra notícia bastante importante. A Alemanha, como uma das
maiores potências, deve não só deixar de utilizar usinas nucleares, mas,
em relação ao carvão, esperamos que ela dê o exemplo para o resto da Europa também.
IHU On-Line – Além da Alemanha, algum outro país já
se manifestou sobre quais propostas domésticas irá adotar para enfrentar as
mudanças climáticas?
Ricardo Baitelo – A União Europeia quer reduzir em 40% o
número de emissões até 2030. Esse é um número, sem dúvida, mais ousado do
que o proposto pela China e pelos Estados Unidos, mas,
considerando a responsabilidade histórica, o número poderia ser maior, ou se
poderia chegar antes a essa redução de 40%.
De qualquer maneira, é alguma coisa. Dentro das grandes
potências, o que é digno de nota é a Índia: parte da proposta deles é muito
boa, e outra parte é muito ruim. Os indianos querem instalar 100 mil MW
de energia solar até o fim da década — isso é basicamente o tamanho da matriz
brasileira inteira. O problema é o outro lado da moeda, relacionado à emissão
de carvão, porque eles não querem tocar as fontes de carvão. Nesse sentido, a
pressão que estamos colocando para que os países digam quando vão atingir o
pico de emissão não está chegando à Índia. A Índiadiz que não se deve
colocar esse limite imediatamente e que as metas devem ser a partir de 2040 ou
2045, o que é um absurdo.
“No dia 10 deve ocorrer a
Marcha dos Povos, porque, por mais que se tenha essa discussão importante dos
textos do novo acordo, que é uma discussão muito fechada, difícil de
acompanhar, temos essa característica positiva da COP no Peru, que é de ser
uma COP muito mais atrelada aos movimentos sociais, uma COP dos indígenas”
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IHU On-Line – Quais têm sido as atividades da
Cúpula dos povos frente à COP-20?
Ricardo Baitelo – Posso responder pelo Greenpeace. Tivemos
uma grande atividade antes do começo da COP, emMachu Picchu,
pedindo para que as grandes economias ajam em função da energia solar.
O Greenpeace Brasil desenvolveu algumas
atividades, entre os dias 6 e 9, com os Munduruku, os quais trouxemos
para o evento, e indígenas locais do Peru. Devemos fazer essa ponte
entre os indígenas daqui, especialmente com a etnia que conseguiu interromper a
construção de uma hidrelétrica no Peru. Então os colocamos em contato
com osindígenas que devem ser impactados pelo projeto de Belo Monte.
A nossa meta internacional é pedir que os países
tenham 100% de energias renováveis no mundo até 2050. No dia 10 de dezembro
deve ocorrer a Marcha dos Povos, porque, por mais que se tenha essa
discussão importante dos textos do novo acordo, que é uma discussão muito
fechada, difícil de acompanhar, temos essa característica positiva da COPno
Peru, que é de ser uma COP muito mais atrelada aos movimentos
sociais, uma COP dos indígenas. Considerando que ultimamente, no governo
Dilma, os direitos indígenas foram totalmente negligenciados, essa é
outra pauta que estamos trazendo para discutir aqui.
Fonte: IHU On-line
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