Terramérica – Povoado hondurenho
aposta na segurança alimentar, e ganha.
por
Thelma Mejía*
Aldeia de Las Vegas de Tepemechín de Pueblo Nuevo,
no município hondurenho de Victoria, departamento de Yoro. Antes, as ruas e
casas dessa comunidade tolupan estavam cheias de lama, esterco e lixo, enquanto
agora não se vê nem um saco de lixo e a casas reluzem pintadas de branco. Foto:
Thelma Mejía/IPS.
Victoria, Honduras, 1º de dezembro de 2014
(Terramérica).- O dinâmico prefeito Sandro Martínez assumiu o compromisso de
fazer da localidade hondurenha de Victoria um modelo em matéria de segurança
alimentar, nutrição e proteção do ambiente, mediante uma política pública
municipal com ampla participação social e comunitária, que também conta com
cooperação internacional.
A iniciativa começou a ser colocada em prática há
quatro meses e sua maior referência é o êxito que o Programa Especial para a
Segurança Alimentar (Pesa), da Organização das Nações Unidas para a Alimentação
e a Agricultura (FAO), tem na comunidade indígena tolupan de Pueblo Nuevo, uma
aldeia que fica a 15 quilômetros do centro do município de Victoria.
Nessa tribo – como os tolupanes chamam cada uma de
suas comunidades –, com 750 habitantes e nome oficial de Las Vegas de
Tepemichín de Pueblo Nuevo, os indígenas conseguiram resgatar 29 menores da desnutrição
e desenvolveram um plano integral de segurança alimentar em apenas dois anos.
“Estou orgulhoso desta aldeia, do que conseguiram em tão pouco tempo. Cresci
perto dos tolupanes e, agora que sou prefeito, eles são uma prioridade para
mim. Desejo essa experiência para todo o município de Victoria”, destacou
Martínez ao Terramérica.
“Ouvi muito sobre sua experiência. Mas um dia fui
até lá cortar cana e deixei os talos jogados na rua. Para minha surpresa,
aproximou-se um menino e me disse: ‘não, senhor prefeito, aqui não se joga
lixo’. Naquele dia entendi que tudo o que se fala dessa aldeia é certo”,
acrescentou sorrindo.
Os êxitos dessa tribo se baseiam no uso de boas
práticas na agricultura, bem como no desenvolvimento de uma dieta nutritiva,
por meio da produção de seus próprios alimentos, o que permitiu, que dessem
adeus à fome do passado.
Pueblo Nuevo se converteu em modelo de segurança
alimentar e nutricional para muitos organismos locais e de cooperação
internacional, pela vontade dos indígenas de melhorar sua qualidade de vida,
sua disciplina, seu nível de organização e pelas mudanças na aldeia. Entre
essas velozes transformações se destacam casas limpas, uso de adubo orgânico,
eliminação das queimadas para semear, água potável purificada, hortas
familiares e boa produção de grãos básicos, como milho e feijão, entre outros
alimentos.
“Ficou demonstrado que os indígenas não são
preguiçosos. As pessoas da FAO nos ensinaram a manejar o solo, sem necessidade
de queimar, a vivermos ordenados. Antes vivíamos até com os animais, agora tudo
isso melhorou”, contou ao Terramérica o tolupan Rosalío Murillo.
Relatos semelhantes se repetem entre integrantes
dessa comunidade indígena. Os tolupanes moram nas montanhas dos departamentos
de Yoro (norte) e Francisco Morazán (centro). O povo tolupan é um dos poucos em
Honduras que conserva sua língua, o tol. E em Pueblo Nuevo eles estão tão
orgulhosos do que conseguiram que querem fazer um livro para contar sua
história.
O prefeito Sandro Martínez junto com parte da
equipe responsável do Promusan, reunidos na prefeitura de Victoria, no
departamento hondurenho de Yoro, para compartilhar sua experiência com o
Terramérica. Foto: Thelma Mejía/IPS.
“Isso será importante. Dizem que no próximo ano
teremos luz elétrica e me pergunto e digo aos meus companheiros que a luz pode
ser boa, mas também pode ser ruim. Ruim porque se só ficarmos vendo filmes nos
prejudicaremos, iremos para trás, mas se soubermos usá-la pode nos levar ao
desenvolvimento, não para sermos ricos, talvez, mas para viver dignamente, e o
livro deve mostrar isso”, opinou ao Terramérica outro morador, Narciso Garay,
mais conhecido como Chicho.
O município de Victoria tem 29.840 habitantes, dos
quais 14 mil são tolupanes. Diante da experiência de Pueblo Nuevo, a prefeitura
não duvidou em acolher a proposta do Pesa-FAO para impulsionar o que se chama
Programa Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (Promusan), como
política pública municipal nesta área.
O Promusan é uma iniciativa do Pesa-FAO implantado
em 73 dos 298 municípios desse país, onde a agência da ONU identificou graves
problemas de segurança alimentar. O financiamento do programa é compartilhado
pelas prefeituras e pela FAO, que conta com apoio canadense. Em Victoria, o
Promusan já conseguiu progressos substanciais com a integração da comunidade,
das instituições de saúde e educação, do governo local e das agências de
cooperação que trabalham nas diversas aldeias do município.
Foi o que explicou César Alfaro, técnico da FAO e
responsável pelo Promusan. Ele disse ao Terramérica que a ideia é trasladar
toda essa metodologia do Pesa, e de outras instâncias que operam na área, para
os projetos de desenvolvimento rural, ambiente e segurança alimentar e
nutricional. Muitos dos integrantes desse programa conhecem a experiência de
Pueblo Nuevo e isso facilita o processo.
Exemplo disso é o colégio Pedro P. Amaya, um centro
público de ensino médio com orientação agrícola e que, pela quase inexistência
de ajuda do Estado, sobrevive graças ao empenho de seus professores e dos
próprios moradores de Victoria, que viram como seus alunos aplicam a teoria na
prática, ensinando aos produtores um manejo agrícola sustentável.
“Antes, acreditava-se que a agricultura era apenas
facão e enxada. Mas agora sei que não é assim”, afirmou ao Terramérica o
estudante Josué Cruz. “Aprendi a ajudar o produtor a melhorar a terra e seus
cultivos. Aqui no colégio temos nossa própria área de manejo e até uma coletora
de água dada pela FAO para irrigar nossa plantação”, contou o jovem, que está
prestes se formar em técnico florestal.
Victoria é um município rico em minerais como ouro,
chumbo, ferro, prata e zinco, e também em floresta de madeira. Além disso, está
para ser instalada em seu entorno uma represa hidrelétrica, “mas respeitando o
ambiente”, enfatizou o prefeito. “O que quero com o Promusan é mudar a vida das
pessoas, fazer de Victoria um município verde, sermos os menos contaminados em
todo o departamento. A segurança alimentar é minha prioridade, queremos ter
saúde, educação, ser um município modelo em Honduras”, acrescentou.
Para isso, Martínez está concluindo um diagnóstico
para identificar as principais necessidades e reuniu todas as agências de
cooperação para delimitar áreas de ação sem duplicar esforços e “não jogar
projetos e recursos para o ar”. Na prefeitura, pela primeira vez, dois
indígenas tolupanes se incorporaram ao trabalho e “hoje trabalham baseados em
um plano estratégico para suas atividades e todos querem seguir o modelo de
Pueblo Nuevo”, pontuou ao Terramérica Elvín Soler, da FAO.
Muitas coisas mudaram em Victoria: agora mais gente
paga seus impostos para ver como retornam em água potável, sistema viário e
outras melhorias, enquanto o prefeito, reeleito para um segundo mandato de
quatro anos que começou este ano, garante: “não quero dormir sobre o que conquistei”.
Fonte: ENVOLVERDE
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