Neutralidade climática, a balsa
de sobrevivência lançada em Lima.
por Diego
Arguedas Ortiz, da IPS
Ativistas exigem dos delegados governamentais na
COP 20 a aprovação de medidas que fomentem o investimento em energias
renováveis e abandonem seus multimilionários apoios aos combustíveis fósseis.
Foto: Joshua Wiese/IPS.
Lima, Peru, 8/12/2014 – Encerrados em salões
sufocados pelo sol da capital peruana, delegados de 195 países buscam o caminho
que permita ao planeta chegar à neutralidade climática durante a segunda metade
deste século, o único mecanismo para evitar mudanças irreversíveis na dinâmica
planetária, segundo instituições científicas e especialistas.
A neutralidade climática implica a redução das
emissões anuais de gases causadores do efeito estufa a um ponto em que se possa
capturar ou fixar a totalidade desses gases liberados. Para isso é fundamental
acelerar a transição de uma economia baseada em combustíveis fósseis para outra
fundamentada em energias renováveis.
Quando a 20ª Conferência das Partes (COP 20) da
Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática chega ao seu
equador, aumentam os países do Sul em desenvolvimento que assumem a proposta de
fixar a meta até 2050 de neutralidade climática, também conhecida como carbono
zero.
“Os dados científicos são cada vez mais alarmantes”,
disse à IPS a costarriquenha Giovanna Valverde, presidente pró tempore
da Associação Independente da América Latina e do Caribe (Ailac), um grupo de
governos regionais de renda média que negociam como bloco na conferência, que
começou no dia 1º e termina no dia 12.
“O coordenador do Grupo Intergovernamental de
Especialistas sobre a Mudança Climática (IPCC) nos mostrou, na sessão plenária,
os dados que demonstram a urgência em que nos encontramos. Se colocamos o prazo
de 2050 é para que todos possam aderir, mas os números são alarmantes e é bom
se antecipar”, ressaltou Valverde.
Informes do Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (Pnuma), da Agência Internacional da Energia e do IPCC coincidem sobre
como alcançar a neutralidade: investir mais em energias limpas, reduzir o
consumo de combustíveis fósseis, melhorar as práticas agrícolas, reflorestar e
potencializar a eficiência energética.
A iniciativa de avançar nesse caminho mediante a
neutralidade climática se converteu em um debate-estrela da primeira semana da
conferência anual da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática
(CMNUCC), mas falta muito para que se cristalize em um compromisso dos países
para garantir a transição para uma economia limpa.
Um informe do britânico Overseas Development
Institute conclui que as potências industrializadas e emergentes do Grupo dos
20 continuam investindo cerca de US$ 88 bilhões anuais em subsídios aos
combustíveis fósseis, em lugar de usar esse capital para impulsionar energias
renováveis. Além disso, nos espaços da COP 20, o poder e o lobby da
indústria dos hidrocarbonos é palpável e não faltam na agenda encontros
organizados por corporações transnacionais do setor, como o da anglo-holandesa
Shell, pautada para hoje.
A aspiração de avançar para um mundo verde se torna
realidade, literalmente, em alguns espaços das instalações da COP 20 na capital
peruana. Foto: COP 20.
Valverde assegurou que a chave é “os países se
comprometerem seriamente com a informação nas contribuições para redução de
emissões, permitindo aos cientistas terem tempo entre 2015 e 2020 para comparar
metodologias de países, fazer a somatória matemática e definir quanto falta
reduzir”.
A Associação de Pequenos Estados Insulares (Aosis)
divulgou um comunicado exortando os países industrializados a tornarem “mais
ambiciosas” essas contribuições, reduzindo a dependência das energias sujas.
Também pediu que o planeta alcance o nível de zero emissões em 2100, o que
implica uma total eliminação do uso de combustíveis fósseis, tal como
recomendou o IPCC em seu último informe, apresentado no dia 2 deste mês.
Países como a Polônia, uma potência na produção de
carvão, anunciaram sua rejeição à medida. A oposição polonesa e de outros
países dependentes de combustíveis fósseis entorpecem o avanço das energias
limpas. A União Europeia (UE), por exemplo, não concorda com uma meta de longo
prazo dentro do bloco e tampouco está segura se apoiará a neutralidade
climática apresentada pela CMNUCC e impulsionada pelos países em
desenvolvimento.
“A meta é parte das mitigações, é parte da
discussão”, pontuou à IPS uma das condutoras das negociações pela UE, Elina
Bardram, acrescentando que “é importante chegarmos a Paris com uma visão
compartilhada”, referindo-se à COP 21, que acontecerá na capital francesa em
novembro de 2015. “Isso nos dirá qual será a ambição para um futuro baixo em
carbono. Não temos clara ainda a meta de longo prazo, mas naturalmente que
levaremos em conta a visão do IPCC e de outros organismos científicos”,
assegurou.
Em Paris deverá ser estabelecido um novo tratado
climático, global e vinculante, que a partir de 2020 substitua o Protocolo de
Kyoto. Mas antes, em Lima, deve ser definida a forma que terá o que muitos
consideram o coração do novo acordo: as contribuições nacionais. Nessas
contribuições está incluída a quantidade de redução com que cada nação se
compromete, e em quanto tempo. A somatória dessas contribuições deve ser
suficiente para evitar os efeitos irreversíveis na dinâmica planetária da
Terra.
Para conseguir isso, os países em desenvolvimento e
a sociedade tanto do Sul quanto do Norte propõem uma mescla de redução dos
incentivos às energias fósseis, reflorestamento, melhorias agrícolas e
investimento em energias renováveis. Embora essas contribuições devam ser
informadas oficialmente entre março e junho de 2015, alguns países já fizeram
anúncios a respeito.
No dia 12 de novembro, em um anúncio conjunto em
Pequim, os Estados Unidos prometeram reduzir, até 2025, entre 26% e 28% de suas
emissões em relação aos níveis de 2005, enquanto a China se comprometeu a
colocar um teto às suas emissões em 2030 e depois reduzi-las. Porém, os estudos
científicos alertam que são necessários passos mais ambiciosos e mais rápidos.
As ações devem ser tomadas antes de 2020, segundo o
Informe Sobre a Disparidade nas Emissões 2014, publicado em 19 de novembro
pelo Pnuma, que analisa anualmente a diferença entre as ações atuais dos países
e as necessárias para não haver graves consequências nas dinâmicas planetárias.
“Esse documento deixa claro que, em certo ponto da segunda metade do século 21,
teremos que ter alcançado a neutralidade climática, ou, como alguns chamam,
zero total, em termos de emissões globais”, explicou a secretária-executiva da
CMNUCC, Christiana Figueres.
Segundo esse estudo, o pico das emissões mundiais
deverá ocorrer nos próximos dez anos, seguido por ações para implementar mais
energias limpas e reduzir o uso de combustíveis fósseis. Isso é conhecido como
a “agenda de redução prévia a 2020” e a entrada em vigor do novo tratado. Até
agora, em Lima, os delegados adiam a revisão dessas reduções pré-2020,
envolvidos em lutas de procedimentos.
Agora, os países correm o risco de não acordarem as
ações necessárias para reduzir as emissões de forma que a elevação da
temperatura não ultrapasse os dois graus centígrados, e inclusive há vozes alertando
que o aumento máximo deve ser menor, antes que ocorram efeitos irreversíveis no
planeta.
“Nossa posição é que o aumento da temperatura não
pode ser maior do que 1,5 grau centígrado, porque mais do que isso será
extremamente nocivo”, destacou à IPS o nepalês Ram Prasad, coordenador do grupo
de Países Mais Vulneráveis (LCD). A ação climática é urgente, pois cada ano que
passa complica mais a situação para os países mais vulneráveis, que usualmente
são as nações mais pobres do planeta, tornando a mudança climática um problema
profundo de desigualdade, enfatizou.
O informe do Pnuma conclui que para adaptar-se ao
clima variável o mundo necessitará de aproximadamente três vezes mais do que os
entre US$ 70 milhões e US$ 100 bilhões anuais estimados até agora.
Fonte: Envolverde
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