Reservas Particulares do
Patrimônio Nacional: O potencial desperdiçado, artigo de Bruno Versiani.
Foto: Fundação Florestal, SP.
Em relação às
Reserva Particulares do Patrimônio Natural, o primeiro esboço de algum
mecanismo semelhante para proteção ambiental veio com o reconhecimento de áreas
particulares protegidas começou a ser previsto na legislação brasileira no
Código Florestal de 1934. Naquela época, essas áreas eram chamadas de
“florestas protetoras”. Em 1965, foi instituído o novo Código Florestal e a
categoria “florestas protetoras” desapareceu. Em 1977, alguns proprietários
procuraram o extinto Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF-
desejando transformar parte de seus imóveis em reservas particulares. Visando
atender a essa demanda foi editada a Portaria IBDF n° 327/77, criando os
Refúgios Particulares de Animais Nativos – REPAN. Essa Portaria foi substituída
mais tarde pela de nº 217/88 que instituía as Reservas Particulares de Fauna e
Flora. Devido à grande procura e à necessidade de se estabelecer um mecanismo
mais bem definido, com regulamentação mais detalhada para as áreas protegidas
privadas, em 1990, a partir de proposta do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, foi publicado o Decreto
Federal nº 98.914, criando as Reservas Particulares do Patrimônio Natural –
RPPN. Em 1996, esse decreto foi substituído pelo Decreto nº 1.922, de
05/06/1996. Posteriormente, com a publicação da Lei n° 9.985, que instituiu o
Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei do SNUC) em 2000, as RPPNs
passaram a ser uma das categorias de Unidade de Conservação do grupo de uso
sustentável. Em função da necessidade de adequar os procedimentos de criação e
gestão da categoria com relação à Lei do SNUC foi publicado o Decreto Federal
nº 5.746, de 05/04/2006, que atualmente regulamenta as RPPNs. Na esfera federal
o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio é o órgão
ambiental do governo brasileiro responsável pela criação, gestão, fiscalização
e monitoramento das unidades de conservação federais.
Em fins de 2012, o Brasil possuía 1081 RPPNs
(Drummond, 2014). Destacadamente no estado do Mato Grosso do Sul são quase 100
mil hectares protegidos por PPPNs Federais e Estaduais, distribuídos em 15
municípios, sendo que quase 90% destas áreas estão dentro do Pantanal. A
iniciativa da sociedade civil, fato notório a todos, é comprovadamente muito
mais ágil e eficiente do que o Poder Público quando há interesse voluntário,
sem contendas ou maiores dispêndios, favorecendo o binômio
possibilidade/necessidade. No entanto, tal medida particular não descabe
necessariamente dos incentivos relevantes por parte do Poder Público, uma vez
que as RPPNs, ao contrário das demais Unidades de Conservação, não acarretam
despesas pelo Governo ( Fernandes&Sarmento, 2013).
Infelizmente, as RPPNs não possuem a ampla
difusão que deveriam ter, sendo ainda (em percentual relativo) uma minoria
absoluta de proprietários que opta por esse mecanismo. Ou seja, conforme visto
acima, entre as milhões de propriedades rurais do país, pouco mais de mil optou
por esse mecanismo, e a área coberta por RPPN no Brasil está muito aquém de 1%
da superfície territorial. Atualmente, os incentivos legais previstos no
Decreto 1992/96 são os seguintes (Little, 2003):
a)Isenção do Imposto Territorial Rural (ITR): o
governo propicia a isenção do ITR sobre a área averbada como RPPN. É
considerado um mecanismo não muito estimulante, dados os baixos valores de ITR
(Little, 2003).
b)Prioridade na análise da concessão de recursos
pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente: o artigo 12 do Decreto 1922/96 garante
prioridade na análise da concessão de recursos do FNMA aos projetos destinados
à implantação e gestão das RPPNs . Na prática, percebe-se que a mera existência
do instrumento legal que dispõe sobre a prioridade de acesso aos recursos do
FNMA não é suficiente para garantir seu propósito.
c)Preferência na análise do pedido de concessão
de crédito agrícola: o artigo 13 do referido Decreto garante a preferência na
análise do pedido de concessão de crédito agrícola a instituições oficiais. No
entanto, o crédito agrícola tem normatização própria e específica, seguindo as
normas estipuladas pelo Banco Central, não contemplando em sua linha geral
financiamentos preferenciais em propriedades com RPPN averbada (Little, 2003).
De todo o exposto acima em relação às RPPNs,
nota-se que o efetivamente criado e implementado – sobretudo em termos de área
protegida- está muitíssimo aquém do que poderia ser. Os mecanismos fiscais e de
estímulo são tímidos, a difusão é limitada, impera a burocracia, e muitas
propriedades possuem problemas fundiários – como títulos provisórios de posse,
sem documentação definitiva. Ou seja, um mecanismo que teoricamente, seria uma
ferramenta de excelência em se aumentar a área protegida de ecossistemas em
nosso país, fica muito aquém das expectativas. Outro fator a ser analisado é o
fato de que os lugares ou municípios que possuem grande número ou área de RPPNs
são aqueles de grande potencial turístico, enquanto praticamente não se criam
RPPNs em grandes porções de Cerrado ou Amazônia em locais desconhecidos do
grande público.
Para reverter esse quadro, uma abordagem seria a
criação de mecanismos fiscais realmente mais eficazes e difundidos. Uma
abordagem (já adotada em alguns municípios) seria o repasse de parte do ICMS
ecológico para proprietários de RPPNs. Outra idéia seria desconto real no
imposto de renda (como acontece no caso de incentivos para a cultura com a Lei
Rouanet). Uma terceira abordagem – e bastante interessante – seria, no caso de
compensação ambiental de grandes empreendimentos, em que a Lei prega que 0,5%
do valor do empreendimento sejam repassados aos órgãos ambientais, a criação de
um mecanismo alternativo: ou seja, ao invés de pagar os 0,5% (que no caso de
empreendimentos na casa dos bilhões de reais gera um valor significativo) a
empresa criaria e manteria uma RPPN de preferência na mesma região ou bacia
hidrográfica do empreendimento potencialmente poluidor. Obviamente, deveria
deveria haver regulamentações que garantissem que o porte da RPPN coadunasse
com o porte do empreendimento ou seu potencial poluidor. Ou seja, a empresa,
além de sua obrigação legal, ainda poderia associar sua imagem a uma área
protegida, gerando o efeito positivo de marketing. Acreditamos ser essa
terceira abordagem muito interessante, pois saem ganhando o meio ambiente, o
empreendedor e a sociedade como um todo.
Enfim, idéias não faltam para alavancar a criação
de RPPNs, para que elas se tornem um real e efetivo mecanismo de proteção de
grandes parcelas de nossos ecossistemas. Falta a sociedade e os setores
políticos se mobilizarem.
Bibliografia:
Drummond, José Augusto. Proteção e produção:
biodiversidade e agricultura no Brasil -1 ed. Rio de Janeiro. Garamond, 2014.
P: 32–35.
Fernandes, D.; Sarmento, V. L .G. RPPN: A
proteção ambiental pela iniciativa privada. Revista científica da Escola de
Direito. Universidade Potiguar. Ano 6, número 1. 2012. P:
Little P. E., org.(2003) Políticas Ambientais no
Brasil: análises, instrumentos e experiências. IIEB, São Paulo, Peirópolis,
Brasília. P: 186-196.
Bruno Versiani – Analista Ambiental IBAMA /
MsC Ecologia
Fonte: EcoDebate
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