Regularização fundiária e
implantação do Manejo Florestal avançam em Portel/PA.
por Sávio
de Tarso, da Envolverde
Paisagem – Marajoara
MPE-PA articula audiência com apoio do IEB e
realiza encontro entre comunitários e órgãos estaduais para buscar soluções.
Uma nova etapa no desenvolvimento da economia
agroextrativista sustentável do município paraense de Portel começou na última
semana de setembro. Um grupo de comunitários foi recebido pela promotora Eliane
Moreira, do Ministério Público Estadual (MPE-PA), em audiência que teve o propósito
de dar continuidade ao inquérito civil sobre os conflitos fundiários nas glebas
Acangatá, Alto Camarapi, Joana Peres II, Jacaré-Puru e Acuti Pereira – processo
do qual já participaram 524 pessoas. Na audiência, cerca de 50 comunitários
expuseram a situação das famílias de Portel e apresentaram uma série de
reivindicações – que demandam soluções urgentes – relacionadas à precariedade
da situação agrária e ambiental na região.
Articulada pelo MPE-PA com o apoio do IEB –
Instituto Internacional de Educação do Brasil, a audiência teve como resultado
concreto o agendamento de uma série de atividades destinadas a criar um Plano
de Ação que, depois de validado, vai compor um Termo de Compromisso entre as
organizações envolvidas na implementação do Manejo Florestal Familiar e
Comunitário no município. Participaram desse arranjo representantes do Iterpa –
Instituto de Terras do Pará, do Ideflor – Instituto de Desenvolvimento
Florestal do Pará, e da Sema – Secretaria Estadual do Meio Ambiente.
Representantes das associações agroextrativistas
das cinco glebas, os comunitários apresentaram extensa pauta de queixas e
reivindicações: ausência do Estado em Portel, apropriação de terras por
grileiros, ameaças de madeireiros ilegais, lentidão e falta de informações para
a implantação do Projeto de Assentamento Estadual Agroextrativista (Peaex), e
principalmente o moroso processo de regularização fundiária. A presidente do
Sindicado dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Portel, Gracionice
Correia, apontou como prioridade “a necessidade de regularização das terras
destinadas para as comunidades” para avançar com os Peaex.
A situação fundiária passou a ter um reordenamento
a partir de 30 de outubro de 2012, quando o governo do Pará editou o decreto
579, que destinou para uso sustentável das comunidades tradicionais de Portel
250 mil hectares de terra em cinco glebas – antes consideradas devolutas porque
eram de jurisdição do Estado, mas não tinham sido arrecadadas. Apesar dessa
evolução institucional, nesse território ainda operam empresas amparadas por
contratos celebrados com base na Lei Federal de 2006, que autorizou a
exploração de florestas públicas, mediante pagamento ao Estado, desde que
tivessem um plano de manejo a ser executado num período transitório. São os
chamados “contratos de transição”.
”Era para esses contratos serem implementados em
dois anos, a partir de 2006, mas foram aditivados pelas empresas em
procedimentos formais, solicitando a extensão do prazo” – conta Manuel Amaral,
coordenador do escritório regional Belém do IEB. “Só há dois anos,
fundamentados por um dispositivo legal conjunto do Instituto Florestal com a
Secretaria de Meio Ambiente, os órgaõs de fomento, controle e fiscalização
passaram a negar novos prazos.”
Promotora Eliane Moreira
“Portel é a região de maior concentração desses
contratos de transição, que são cerca de 35 no Estado, e por conta disso passou
a ser uma área prioritária de atuação do Ideflor, no sentido de apoiar as
comunidades tradicionais” – explica Daniel Francês, técnico do Instituto de
Desenvolvimento Florestal do Pará. Já em 2011 foi realizado um diagnóstico
rural participativo, que identificou as demandas das populações locais. “O
decreto de 2012, assinado pelo governador, destinou essas terras para uso
apenas das comunidades em quatro modalidades: caça e pesca de subsistência;
extrativismo vegetal; manejo florestal comunitário e familiar; e agricultura de
subsistência de transição agroecológica.”
Pistolagem
Mesmo depois do decreto, a atividade das empresas
prossegue, alimentando conflitos na região. “É um conflito muito grande porque
elas ocupam o solo, ocupam a terra de uma determinada forma para se instalarem,
mas o que elas querem é só tirar a riqueza que existe, a matéria-prima, a
madeira” – afirma Gracionice. “As empresas acabam levando tudo; não fica nada
dentro das áreas, até o solo torna-se impróprio para produção agrícola.”
O próprio Ministério Público Estadual mencionou
dados do Imazon – Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia, que
identificou um aumento de 17% na exploração madeireira não autorizada em
Portel, no período de agosto de 2011 a julho de 2012. A violência é outra
consequência desse avanço da extração ilegal. “Eu vivo numa lista de pessoas
ameaçadas dentro dessas áreas” – denunciou a presidente do Sindicato dos
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais.
“Nós temos muitos companheiros que foram
expulsos das áreas, já sofreram muita ameaça, e até mortes de comunitários
ribeirinhos.” Além de ser “muito frequente essa questão de pistolagem”, segundo
ela, “estão forçando a população a assinar um termo de acordo desistindo de uma
ação civil pública” já em andamento, visando a recuperação do direito de posse
das famílias desalojadas por grileiros.
Os conflitos se potencializam também nos pedidos de
regularização fundiária que chegam ao Iterpa – Instituto de Terras do Pará. O
representante do Instituto na reunião com os comunitários, Max Ney, informou
que foram identificados 79 processos solicitando a regularização, mas ressalvou
que “boa parte desses pedidos é feita em termos de especulação”.
A promotora Eliane Moreira, que conduziu a reunião
entre os órgãos governamentais e os comunitários, advertiu que o Iterpa deve
“arquivar pedidos que não se destinam ao uso comunitário” como determina o
decreto, porque “qualquer regularização sem essa finalidade é ilegal e alimenta
o conflito”.
Durante a primeira parte da reunião, foram
prontamente resolvidas dificuldades de ordem burocrática, como a formalização
de ofício com os termos apropriados para a regularização das glebas,
relativamente à modalidade de uso da terra que interessa aos fundiários. O
requerimento de criação do Peaex na gleba Alto Camarapi é o único que havia
sido apresentado ao Iterpa, em dezembro de 2013. Mas não caminhou no Instituto
porque tinha erros. Devidamente redigido e encaminhado pelo Sindicato, foi mais
tarde entregue diretamente ao presidente do Iterpa, Alberto Lamarão, que depois
participou da reunião com os comunitários. Ele se comprometeu a cumprir prazos
curtos para fazer o processo avançar aceleradamente.
Auditório do Ministério Público Estadual do Pará.
Além do compromisso de cobrar o cumprimento desses
prazos, a promotora informou que foram estabelecidos mecanismos para
“verificação das pessoas que estão utilizando essas áreas, ou se fazendo passar
por proprietários, sem ter a documentação da terra”. Um importante resultado do
encontro, segundo ela, é que “vai se iniciar – por parte da Sema, do Ideflor e
do Iterpa – um pente fino na situação jurídica para clarificar as situações e
dar estabilidade para as comunidades”.
“É absolutamente necessário que os órgãos de
controle e fiscalização ambiental, especialmente da atividade florestal,
estabeleçam um plano de retirada das empresas, mediante acordo ou instrumento
que venha a ser estabelecido” – disse Manuel Amaral, ao destacar a importância
de “passar uma régua nos acordos que foram firmados antes do decreto de
arrecadação dessas glebas pelo Estado e destinação para uso comunitário”.
O estabelecimento desse novo patamar não significa,
necessariamente, a exclusão integral das empresas que atuam na indústria
florestal. “Mas dentro de uma relação justa com a comunidade legalmente
detentora dos direitos de exploração florestal” – ressalva Daniel Francês. “Até
hoje não tem nada que normatize isso. A gente, na verdade, quer evitar a
situação de a comunidade ser utilizada como fachada para a empresa continuar
atuando. A comunidade pode até outorgar à empresa a exploração toda, mas ela
tem que ter o domínio, o controle do processo todo, entender a cadeia
produtiva, saber quanto vale uma árvore em pé, quanto vale uma tora de madeira,
pra que ela não aceite mais R$ 10 por uma árvore em pé, quando ela desdobrada
custa R$ 3 mil o metro cúbico. É o que infelizmente acontece hoje.”
Manejo é a chave
A estabilização institucional que se espera a
partir da regularização fundiária e ambiental não vai encontrar os comunitários
despreparados para a implantação do Manejo Florestal Comunitário nas quatro
glebas de Portel. De dois anos para cá, as organizações parceiras – entre elas o
IEB em convênio com o Ideflor – trataram de “capacitar as comunidades para as
ações de gestão, inventário florestal, e todas as etapas relacionadas à
implementação do plano de manejo”, segundo Amaral.
Daniel Francês acrescenta que em 2013, em parceria
com a Prefeitura de Portel e o Iterpa, o Ideflor “apoiou outras iniciativas no
município: o cadastramento das famílias, feito em convênio com o sindicato –
que coordenou esse trabalho –, e a elaboração dos planos de uso da terra”. Além
disso, “nas áreas já alteradas, a ideia é apoiar essas comunidades para
trabalhar outra perspectiva de agricultura, abandonando o convencional uso do
fogo, que degrada o ambiente”. O técnico em gestão florestal disse ainda que “o
Ideflor tem um projeto de implantação de sistemas agroflorestais, também com
viveiros de mudas”.
A presidente do Sindicato, Gracionice Correia,
incluiu a aprovação e licenciamento dos planos de manejo elaborados pelas
comunidades ribeirinhas entre as pautas emergenciais de reivindicações.
“Nós não queremos mais ser lesados nos nossos direitos, nas nossas riquezas,
que só as grandes empresas levam e a população acaba olhando passar a riqueza e
fica sem nada” – protestou.
Para Manuel Amaral, são emblemáticos os passos que
estão sendo dados em Portel para a regularização fundiária e a implantação do
Manejo Florestal Comunitário e Familiar. “Cabe uma mudança de cultura
para a Amazônia, na qual as empresas e a sociedade em geral passem a olhar os
recursos naturais como aquilo que a floresta pode oferecer de forma
sustentável, agregando mais valor ao produto no mercado” – explicou. “Essa
mudança ocorre a partir do momento em que você faz a ruptura da oferta em
abundância, que hoje é ilegal, e muitas vezes imoral, para oferecer produtos
legalizados mediante plano de manejo e com outra diferenciação, por exemplo, de
apelo comercial – que é a manutenção da floresta em pé, algo que está embutido
na estratégia desenvolvida junto às comunidades de Portel.”
Coordenador do escritório regional Belém do IEB,
Manuel Amaral.
Encaminhamentos
O diretor geral Thiago Novaes esclareceu que não
cabe ao Ideflor atuar diretamente na regularização fundiária. “Apenas para
facilitar o processo de regularização fundiária, foram encaminhados ao Iterpa
os elementos técnicos que produzimos: memorial descritivo, relatório de
georreferenciamento da área, alguns pontos estratégicos, o cadastramento das
comunidades que nós fizemos no Diagnóstico Participativo, uma espécie de Censo
que tem muita informação qualitativa em relação ao uso da terra por eles, o
número de famílias, as atividades que praticam” – explicou.
“Nós elaboramos
também, com participação dos comunitários, um plano de uso local que
estabeleceu todas as zonas e as atividades que podem ser praticadas nas glebas.
Foi solicitado ao Iterpa o reconhecimento desse plano de uso, para agilizar o
processo de regularização de forma técnica. Esse é um documento exigido no
processo.”
Secretária adjunta da Sema, Hildemberg Cruz; Thiago
Novaes, diretor do Ideflor; e Promotora Eliane Moreira.
Três semanas depois da reunião no MPE, o
secretário-adjunto do Meio Ambiente, Hildemberg da Silva Cruz, informou que não
existe nenhum processo de licenciamento ambiental identificado no levantamento
que a promotora Eliane Moreira solicitou. A Sema identificou 25 registros
provisórios no CAR – Cadastro Ambiental Rural: “Dezessete declararam no CAR que
têm posse, mas não têm documento de título, de matrícula. Nesse caso, em tese
já é passível de cancelamento, porque ali é uma terra pública. A única coisa
que poderia não cancelar o cadastro, é se ele tivesse matrícula, então tem que
verificar se existe título para aquela matrícula. Os outros oito têm matrícula
declarada”. Toda a documentação dos cadastros foi encaminhada ao Iterpa, para
verificação de regularidade.
Outra solicitação do MPE foi a apresentação de toda
a documentação referente aos contratos de transição eventualmente existentes em
Portel, incluindo cópia do mandado de segurança que obrigou a Sema a autorizar
contratos mesmo depois do período transitório de dois anos previsto na Lei
Federal de 2006. “Nós juntamos essa documentação porque o MPE quer entrar com
ação civil contra essas empresas que estão lá” – disse Hildemberg Cruz.
Novaes, do Ideflor, confirmou que “desde o início
de 2013 não houve nenhum contrato de transição novo, nada foi assinado.
Encerrou-se no dia 27 de setembro a vigência do último contrato. Agora estamos
na fase burocrática de verificar se existe alguma pendência no relatório
técnico, alguma inadimplência. Se houver, vamos tomar as medidas
administrativas cabíveis; se não houver, formalizar e publicar a finalização
dos contratos”.
Foi suspenso também, atendendo à recomendação do
MPE, o processo de licenciamento prévio do plano de manejo encaminhado pela
Assintex – uma associação de comunidades sediada em Portel.
“Nós encaminhamos
uma cópia integral do processo para a promotora” — acrescentou Hildemberg Cruz.
“Naquela área só tem esse pedido de comunidades. Os outros processos são de
empresas, aqueles que têm decisão judicial.”
O secretário-adjunto disse acreditar que “essa
atuação do MP, além de pedir a regularização pelo Iterpa, permite ao Ideflor
finalizar a questão do ordenamento de gestão, e por parte da Sema encaminhar o
licenciamento – tudo isso vai permitir que os órgãos estaduais consigam
efetivar aquela área para uso das comunidades”.
É com essa perspectiva que trabalha o Ideflor.
“Nosso passo adiante é a elaboração do plano de manejo, apoiando tecnicamente,
subsidiando as comunidades” – disse Thiago Novaes.
Fonte: Envolverde
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