Quando a Caatinga vira mina de
Urânio, artigo de Norbert Suchanek.
“No Ceará não tem disso não”
No norte do continente americano, os Cree do
Quebec e políticos, estão atualmente lutando para banir a mineração de Urânio
no Quebec para sempre. Mas no sul do continente, no nordeste do Brasil, no
interior do Ceará, empresários e políticos lutam para ter uma mina de urânio em
nome do desenvolvimento.
Quando a Caatinga vira mina de Urânio
O minério urânio é radioativo e altamente tóxico
e o Brasil está no caminho de ter a sua terceira mina de urânio, em 2015. Este
“Projeto Santa Quitéria” localizado um pouco mais de 210 quilômetros de
Fortaleza, no meio da Caatinga do Sertão Central do Ceará, tem dimensões
gigantescas. O consórcio INB (Indústrias Nucleares do Brasil) e Grupo Galvani
quer explorar a jazida da Fazenda Itataia, no Município de Santa Quitéria, e
criar a maior mina de urânio do Brasil para abastecer as usinas nucleares.
Serão produzidos por ano 1.600 toneladas de
urânio (Yellow Cake / U3O8), quatro vezes mais do que a mina Lagoa
Real/Caetité, na Bahia, está produzindo atualmente. E cinco vezes mais do que a
primeira mina de urânio, a mina Osamu Utsumi em Poços de Caldas, Minas Gerais,
estava produzindo anualmente entre 1982 e 1995. Além do Yellow Cake, o Projeto
Santa Quitéria vai produzir em torno de 1,5 milhão de toneladas de fosfato. A
jazida Itataia é de natureza fósforo-uranífera, isso significa que o urânio
está associado ao fosfato, que tem a sua utilização como fertilizante químico
nas lavouras do agrobusiness, especialmente nas plantações de soja. O “Projeto
Santa Quitéria“ junta os interesses do agrobusiness com a indústria nuclear que
depende do urânio como combustível. Esta nova aliança não diminui o risco para
o meio ambiente e a saúde humana.
Mas a mina de urânio-fosfato é anunciada como
um projeto de desenvolvimento que irá gerar cerca de mil postos de trabalhos
diretos e dois mil indiretos – sem riscos.
O consórcio INB/Galvani trabalha duro para
combater qualquer crítica. Do Governador do Ceará até o Prefeito de Santa
Quitéria e o seu secretário de Meio Ambiente: Todo mundo está a favor deste
desenvolvimento atômico. E para convencer os moradores da região, foram
realizados no final de novembro de 2014, três audiências públicas pelo Ibama em
Santa Quitéria, Itatira e Lagoa do Mato, na região do Sertão Central do Ceará,
nos dias 20, 21 e 22 de novembro. Em cada audiência o público foi informado
pelos representantes do Ibama, da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen),
do Consórcio Santa Quitéria (INB/Galvani) e a empresa contratada de engenharia
Arcadis Logos de São Paulo que faz estudos ambientais (EIA/RIMA) e trabalha com
qualquer projeto industrial e de infra-estrutura: de hidroelétricas à mineração
de urânio.
Em meio ao público presente, também tiveram
críticos do projeto, os membros da Articulação Antinuclear do Ceará (AAN)
formada pelo Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra
(MST), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Núcleo Trabalho, Meio Ambiente e Saúde
para a Sustentabilidade da Universidade Federal do Ceará (TRAMAS/UFC) e Cáritas
Diocesana de Sobral. E o CPT relata que na apresentação do Projeto Santa
Quitéria estiveram totalmente ausentes os graves impactos negativos. CPT: “Isso
demonstra a falta de responsabilidade por parte dos empreendedores com o futuro
da região e até mesmo a omissão de informações importantes sobre o projeto.”
Estes críticos do Projeto Santa Quitéria se
baseiam na “Nota de Posicionamento Público sobre o Licenciamento Ambiental do
Projeto de Mineração e Beneficiamento de Urânio e Fosfato” do Núcleo Trabalho,
Meio Ambiente e Saúde (TRAMAS), da Universidade Federal do Ceará. Este núcleo
de pesquisadores constata uma série de irregularidades no Estudo de Impacto
Ambiental apresentado, entre elas, a ausência de licenciamento nuclear, de
informações sobre a contaminação radioativa no processo de mineração, de planos
de segurança em casos de acidente e normas de proteção aos direitos e à saúde
dos trabalhadores e das comunidades da região.
Mas a questão básica não é que o EIA/RIMA está
bem feito ou mal feito. Porque não existe mineração de urânio sem danos
ambientais e sem riscos para a saúde. Quando você quer um omelete você precisa
quebrar o ovo. E depois da mineração não é mais possível recuperar o ovo. Isto
já foi provado em vários países com mineração de urânio como Alemanha,
Portugal, Canadá, EUA ou Namíbia e Índia. Não falta experiências nem pesquisas.
Sustentabilidade não combina com mineração
Na Alemanha Oriental existiu a terceira maior
mina de urânio do planeta para abastecer as bombas atômicas da União Soviética.
Com a Reunificação, a nova Alemanha fechou a mina na hora e gastou quase 15
bilhões de reais para tentar limpar os rejeitos tóxicos e radioativos desta
mineração.
Um processo que até hoje ainda não chegou ao fim. O Governo da
Alemanha fechou a mina Wismut não porque não teve mais urânio para explorar, a
mina foi fechada por causa de danos ambientais e na saúde dos mineiros e da
população da região. O Brasil fechou a primeira mina de urânio em Poços de
Caldas, em 1995, e até hoje os rejeitos da mina representam um perigo para a
região e os recursos hídricos. O tratamento – a palavra técnica é
descomissionamento -, como foi feito na Alemanha, ainda não começou em Minas
Gerais.
Em Portugal, onde começou já em 1908 a mineração
de minerais radioativos, também não faz mais mineração de urânio. A última mina
fechou defenitivamente em 2001 e está agora – com muito dinheiro da União
Européia – na fase de descomissionamento. Ou seja, na fase de limpar e segurar
as milhares de toneladas de rejeitos radioativos e tóxicos.
Quando no começo do século 21 várias empresas
mineradoras mostraram interesse na exploração da última jazida de urânio não
explorada em Portugal, perto da vila de Nisa no Alto Alentejo, a população e a
prefeitura de Nisa votaram não: “Urânio em Nisa Não!” Nisa é uma região como
Santa Quitéria, com uma produção tradicional de gado, cabras e ovelhas, queijo
e de pequenos produtores de outros alimentos. A decisão de Nisa para uma
economia sustentável baseada na produção de alimentos não industrializados foi
clara: Alimentos saudáveis sim, mineração de urânio não.
Atualmente no Canadá, a nação Cree do Quebec está
lutando para proibir a mineração de urânio. O Estado Quebec já tem uma
moratória contra urânio por um tempo. Mas os Cree querem que esta moratória
seja prolongada indeterminadamente. Os Crees conhecem os riscos e os danos
ambientais da mineração de urânio de outros estados do Canadá e eles não querem
ver isso se repetindo em sua terra. Para enforcar esta demanda, jovens dos
James Bay Cree estão agora no forte inverno do Canadá numa marcha de 800
quilômetros de seu território no norte de Quebec até Montreal. “Nós queremos um
território sem exploração de urânio”, confirma o jovem Grand Chief, Joshua
Iserhoff.
Para completar, o Governo dos Cree do Quebec
convidaram o Uranium Film Festival do Rio de Janeiro (Urânio Em Movi(e)mento)
para organizar um festival em Quebec em abril de 2015. Este primeiro Uranium
Film Festival no Canadá está planejado para 16 até 25 de abril, combinado com
um encontro científico mundial sobre urânio (World Uranium Symposium) em
Quebec-City que vai começar no dia 14 de abril de 2015 e termina no dia 16 de
abril com a abertura do festival.
Cientistas, ativistas e cineastas do mundo
estão convidados para participar dos dois eventos.
E no Ceará? Tem alguém andando 800 quilômetros ou
pelo menos 200 quilômetros até Fortaleza?
Como dizia Luiz Gonzaga, “No Ceará não tem disso
não!”
Norbert
Suchanek, Correspondente e Jornalista de Ciência e Ecologia, é colaborador
internacional do EcoDebate.
Mais informações:
Fonte: EcoDebate
Nenhum comentário:
Postar um comentário