Primeiro passo na expansão
mundial do xisto: leis favoráveis.
por Carey
L. Biron, da IPS
Fluido da fratura hidráulica e outros resíduos de
perfurações são lançados em um poço aberto junto à Estrada do Petróleo, no
Condado de Kern, na Califórnia, Estados Unidos. Foto: Sarah Craig/Faces of
Fracking.
Washington, Estados Unidos, 3/12/2014 – As
companhias transnacionais de petróleo e gás preparam o terreno para a expansão
mundial de sua nova fronteira: o xisto, segundo estudo divulgado no dia 1º pela
organização ecologista Amigos da Terra. Até o momento, as tecnologias de
fratura hidráulica (fracking) que alteraram o mercado mundial de
petróleo e gás foram utilizadas mais na América do Norte e, em menor escala, na
Europa.
Como a produção de gás dos Estados Unidos se
expandiu exponencialmente nos últimos anos, países de todo o mundo começaram a
analisar se podem lucrar com esse novo enfoque. Um cálculo publicado em 2013
pela Administração de Informação de Energia dos Estados Unidos indica que 90%
do gás de xisto (de rocha de ardósia) se encontraria fora desse país.
“É provável que haja uma revolução” lucrativa,
afirmou Maria van der Hoeven, diretora da Agência Internacional de Energia, com
sede em Paris. Segundo o estudo publicado pela Amigos da Terra Europa, apenas o
Brasil reforçou seu marco regulatório na previsão dessa expansão. E, dos 11
países analisados, a maioria está fazendo o contrário.
“Sob pressão da indústria dos combustíveis fósseis,
que tem muito dinheiro e promete emprego e investimento, vários governos já
começaram a debilitar sua legislação ambiental, alterar seus regimes fiscais e
implantar processos de concessão de licenças de mineração e produção favoráveis
à indústria, a fim de atrair os investidores estrangeiros”, diz o informe,
acrescentando que “com frequência isso ocorre à custa do interesse público”.
Em termos de produção, esta continua sendo uma
indústria nascente. Apesar disso, nem os governos nem as empresas parecem ter
tomado precauções para se proteger das complexidades que surgirão desse
processo, incluídas as possíveis tensões sociais, ambientais e políticas.
“A indústria tenta mudar a legislação naqueles
lugares onde quer operar, para tentar repetir o quanto for possível as
políticas favoráveis que vimos na política energética dos Estados Unidos”,
pontuou à IPS o coautor do novo informe, Antoine Simon, da Amigos da Terra
Europa. “A chave aqui é garantir que os marcos jurídicos sejam tão favoráveis
para a indústria quanto possível. Essa é a primeira fase dessa estratégia
mundial, e estamos vendo isso em cada país que estudamos”, indicou.
Fora da América do Norte e Europa, a Argentina é o
país que mais avançou no desenvolvimento de gás de xisto, e oferece um
exemplo-chave de iniciativa normativa. Assim, esse país adotou uma lei que
garante um preço mínimo ao gás de fratura hidráulica, que é 250% superior à
avaliação anterior, uma garantia contra os preços baixos que afetam atualmente
a produção de gás nos Estados Unidos.
A lei é conhecida na Argentina como “decreto
Chevron”, uma reveladora influência da companhia petroleira norte-americana,
segundo Simon. No dia seguinte à sua promulgação, a principal empresa de gás e
petróleo argentina, YPF, assinou um acordo de produção de longo prazo com a
Chevron.
Outros países aplicaram políticas fiscais
favoráveis aos investidores. O Marrocos, por exemplo, isentará de impostos os
produtores de petróleo e gás durante a primeira década de atividades, enquanto
a Rússia adotou medidas semelhantes para a produção de petróleo nos próximos 15
anos.
Mas a falta de proteções ambientais ou sociais na
maioria dos países representa diversos perigos, segundo a Amigos da Terra
Europa. Por exemplo, a fratura hidráulica exige grandes quantidades de água, de
até 26 milhões de litros em cada local de perfuração.
O novo informe revela que uma proporção
significativa das reservas de gás de xisto em todo o mundo fica em áreas com
escassez de água e até violência relacionada com a mesma. Do mesmo modo, muitas
dessas bacias de xisto estão sob grandes aquíferos transfronteiriços. Inclusive
antes mesmo de os governos abordarem essas questões, a indústria do petróleo e
do gás poderia pressionar para fixar a política sobre o uso de água doce, uma
questão extremamente polêmica.
Junto à preocupação pelo impacto local da
exploração do gás de xisto está a falta de clareza quanto a em que medida os
países em desenvolvimento poderiam se beneficiar com a nova renda procedente do
gás. Até o momento, somente o Brasil abordou esse tema especificamente.
“Em nossa pesquisa, o Brasil foi a única exceção
quanto à aprovação de legislação que lhe garanta obter renda significativa.
Isso não parece estar ocorrendo em outros países, onde em seu lugar vemos que
oferecem ajuda estatal para atrair os investidores”, ressaltou Simon. O
ativista sugere que este tema ainda não enfrentou a oposição consolidada da
sociedade civil. Porém, grupos ativistas apontam para uma tendência crescente
de compreensão e mobilização internacional em torno da fratura hidráulica.
“Na medida em que mais e mais estudos confirmam os
riscos de contaminação do ar e da água, o aumento da atividade sísmica e os
efeitos da mudança climática em razão da fratura hidráulica, mais pessoas se
opõem a esse processo destrutivo”, afirmou Wenonah Hauter, diretora da Food
& Water Watch, uma organização dos Estados Unidos.
“O movimento para proibir a fratura hidráulica fez
com que centenas de comunidades locais tomassem medidas para detê-la, e levou
vários Estados e países a suspenderem a atividade, e o movimento continua
crescendo”, assegurou. A Food & Water Watch informou que França e Bulgária
proibiram a fratura hidráulica, enquanto centenas de comunidades locais
aprovaram suspensões dessa prática, como na Argentina, Espanha e Holanda.
A fratura hidráulica foi inventada nos Estados
Unidos, e na atualidade Washington tem um papel central na promoção dessas técnicas
em todo o mundo.
O informe mostra que, em quase todos os países
estudados, o desenvolvimento do gás de xisto está “estreitamente vinculado” a
uma agência do governo norte-americano, o Programa de Obtenção Técnica Não
Convencional do Gás (UGTEP). Vinculada ao Departamento de Estado
norte-americano, a UGTEP ofereceu desde 2010 uma grande variedade de
assistência técnica em torno da exploração de gás.
Seus críticos afirmam que a agência incentiva a
fratura hidráulica sob o disfarce da diplomacia norte-americana. “O UGTEP
utiliza os canais oficiais do governo e o dinheiro dos contribuintes
norte-americanos para promover a fratura hidráulica em todo o mundo, abrindo a
porta aos principais atores mundiais da indústria do petróleo e do gás”, alerta
a Amigos da Terra Europa em seu informe.
Fonte: ENVOLVERDE
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