Para especialistas, causas da
seca vão além do desmatamento na Amazônia.
por
Fernando Caulyt, da Deutsche Welle
O desmatamento da Amazônia aumentou 191% em agosto
e setembro de 2014, em relação ao mesmo bimestre de 2013, segundo levantamento
do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), de Belém. Foto:
Hebert Rondon/ Ibama/ Fotos Públicas.
Floresta possui função importante de levar chuvas a
outras regiões do continente. No entanto, cientistas são cautelosos com
associação entre redução da mata e a pior estiagem em 80 anos no Sudeste.
O Sudeste passa pela pior seca dos últimos 80 anos,
com mais 130 municípios de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais afetados.
Um relatório recente, apoiado pela ONG WWF Brasil, apontou o desmatamento na
Amazônia como uma possível causa para o fenômeno – e a conseguinte crise da
água. Especialistas ouvidos pela DW, porém, dizem que os motivos vão além.
Ainda não há um estudo científico que comprove a
relação direta entre desmatamento e seca. E estudiosos são céticos em fazer
essa ligação, sobretudo porque a queda na precipitação em 2014 está fora da
proporção na comparação com o aumento da área desmatada no último ano – em 2013
ela atingiu um total de 763 quilômetros quadrados.
Apesar de pesquisadores concordarem sobre a
importância da Amazônia na regulação do clima para todo o país, a contribuição
do desmatamento para a atual seca é controversa.
Devido à capacidade das árvores de absorver água do
solo, a floresta amazônica possui um importante papel para a regulação do clima
na América do Sul. Ela libera umidade para atmosfera, mantendo o ar em
movimento e levando chuvas para o continente.
A umidade é exportada para regiões distantes pelos
chamados “rios voadores” – sistemas aéreos de vapor – irrigando áreas no Sul,
Sudeste, Centro-Oeste do Brasil, além de Bolívia, Paraguai e Argentina.
Esse papel já foi comprovado por diversos estudos.
E foi reforçado por um relatório que reuniu artigos sobre o potencial climático
da floresta divulgado no final de outubro pela Articulação Regional Amazônica
(ARA), como o apoio da WWF Brasil.
O documento, porém, vai além. E aponta que o
desmatamento na região pode ter um impacto significativo sobre o clima próximo
e também distante da Amazônia, ao reduzir a transpiração da floresta e
modificar a dinâmica de nuvens e chuvas no continente.
“Não posso colocar toda a culpa na Amazônia, mas há
uma combinação de efeitos, e o desmatamento é em parte responsável. Há também
uma oscilação natural e as mudanças climáticas provocadas pelos homens”, afirma
Claudio Maretti, líder da Iniciativa Amazônia Viva da WWF.
Maretti diz que os efeitos do aquecimento global
pioram com o desmatamento na região, que aumenta as emissões de CO2 na
atmosfera.
Para Pedro Telles, coordenador de Clima e Energia
do Greenpeace Brasil, a destruição da floresta é um dos fatores que contribuiu
para causar a atual seca, mas não é o principal. “O principal fator da crise da
água em São Paulo é a má gestão. Há anos já se sabia que o Sistema Cantareira
tinha limitações e possivelmente chegaria a uma situação de crise e
esgotamento. Há problemas na distribuição da água, o desperdício nessa etapa
ultrapassa 30%, além da pouca preservação da área de manancial. Mas esses
fatores nunca foram tratados adequadamente”, afirma Telles.
O biólogo Philip Fearnside, do Instituto Nacional
de Pesquisas da Amazônia (Inpa), também é ponderado ao relacionar a seca ao
desmatamento. Ele afirma que pode haver uma relação entre os dois, devido ao
papel climático da floresta, mas evita apontá-lo como a causa principal. “Não
temos dados para explicar uma queda de precipitação tão drástica somente por
esse efeito. A queda na precipitação no corrente ano está muito fora da
proporção em relação ao aumento da área desmatada de 2013 para 2014″, completa
Fearnside.
Entre a comunidade científica é quase unânime a
importância da Amazônia para as chuvas no continente. No entanto, há
divergências sobre sua relação com a estiagem.
“Não dá para dizer que o desmatamento da Amazônia é
responsável pela estiagem no Sudeste, porque não existe nenhum estudo
científico que comprove essa relação direta”, afirma o meteorologista Gilvan
Sampaio, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
O meteorologista da USP Tercio Ambrizzi é da mesma
opinião. “É muito difícil associar a atual seca com o desmatamento. Ele causa
impacto, mas numa variabilidade de mais longo prazo e contribui para as
mudanças climáticas”, reforça.
Sampaio lembra que a seca foi causada pelo predomínio
de uma intensa massa de ar seco sobre o estado de São Paulo durante o verão,
que bloqueou as frentes frias vindas do sul trazendo as chuvas.
Além disso, as mudanças climáticas podem estar
contribuindo para a situação atual. “A seca pode ser caracterizada com um
desses extremos e pode ser já uma resposta às mudanças climáticas, mas não
ocorre somente por isso”, completa Ambrizzi.
Com chuvas abaixo da média, o volume de água em
importantes rios e represas do Sudeste, como o rio Paraíba do Sul, a nascente
do São Francisco e o Sistema Cantareira, diminuiu drasticamente. O
abastecimento hídrico em várias cidades está comprometido.
A estiagem também contribuiu para aumentar o número
de incêndios florestais no Sudeste. Entre em janeiro e novembro deste ano, os
focos de incêndios aumentaram 275% no Rio de Janeiro, 150% em São Paulo e 135%
em Minas Gerais, em relação ao mesmo período de 2013.
Fonte: Carta Capital
Nenhum comentário:
Postar um comentário