Pantanal: um dos últimos refúgios
da natureza segue ameaçado em silêncio.
por
Projeto Bichos do Pantanal
Foto: Douglas Trent/Projeto Bichos do Pantanal.
Na semana do Rio Paraguai e do Pantanal o Projeto
Bichos do Pantanal faz um alerta sobre as ameaças contra a
preservação desse ecossistema.
O rio Paraguai é a sustentação de todo um
ecossistema, o Pantanal. As chuvas que regem o seu pulso de cheias e o
fazem transbordar também são responsáveis pela transformação drástica e única
da paisagem pantaneira, inundada por águas durante quatro meses e depois
reaberta pela vazão dos rios na forma de campos, tomados por animais e pássaros
– um equilíbrio tão antigo quanto a formação da Cordilheira dos Andes. Alterar
essa paisagem, moldada por milhões de anos, pode ser literalmente o fim do rio
Paraguai e de todo o Pantanal.
Como o Cerrado, o Pantanal vive um silencioso
aumento de suas ameaças. Durante esta semana serão comemorados o dia do
Pantanal (12/11) e o dia do rio Paraguai (14/11), e os pesquisadores do Projeto
Bichos do Pantanal fazem um alerta sobre os impactos que podem por em risco o
equilíbrio que sustenta o rio Paraguai e o Pantanal. “Existem muitas
atividades econômicas possíveis no Pantanal, e a própria população local espera
por mais crescimento, a grande questão é que devemos sempre relembrar que em
uma região tão frágil, essas ações necessitam de estudos prévios e muito debate
com a sociedade”, afirma Jussara Utsch, coordenadora do Projeto Bichos do
Pantanal, realizado pelo Instituto Sustentar, com patrocínio da Petrobras pelo
programa Petrobras Socioambiental.
A construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas
(PCHs), o aumento do desmatamento, do assoreamento e da poluição dos mananciais
são algumas das ações que podem acelerar o desaparecimento de uma das mais
belas paisagens do planeta. Vivem hoje no Pantanal cerca de 500
espécies de aves, 269 de peixes, 212 mamíferos e 4.700 espécies de plantas
diferentes. A beleza e singularidade desse ecossistema fizeram com que
geólogos como Aziz Nacib Ab’ Saber o batizassem como: paisagem de exceção. O cenário
pantaneiro formado por lagoas, antigas morrarias, e grandes planícies é
considerado um dos locais mais belos do mundo e a região é Patrimônio Nacional
e Patrimônio Natural da Humanidade, reconhecido pela Unesco.
Apesar de toda essa beleza, nem essa porção isolada
no coração do país está livre de ameaças. O lixo já é um problema visível em
muitos pontos do rio Paraguai. No dia 9 de novembro, a equipe do Projeto Bichos
do Pantanal participou do 26º Mutirão de limpeza do rio Paraguai,
organizado pela sociedade civil de Cáceres, no Mato Grosso. Foram retiradas
aproximadamente 10 toneladas de lixo do rio, um dos principais formadores do
Pantanal. “Os plásticos, filtros de cigarro e restos de linhas de pescaria
podem parecer inofensivos, porém para a fauna do Pantanal isso pode ser
confundido com alimento e mata-los. Também não sabemos ao certo quais serão os
efeitos do crescente uso de agrotóxico nas regiões das cabeceiras dos rios do
Pantanal”, afirma Douglas Trent, pesquisador-chefe do Projeto Bichos do
Pantanal.
Além da poluição, outra ameaça a esse importante
bioma é o desmatamento. A perda da vegetação nativa nas margens do rios do
Pantanal induz o aumento do assoreamento, um processo que ocorre quando os
detritos são levados de forma mais intensa para o leito dos rios deixando as
águas mais rasas. O problema se agrava quando o desmatamento é somado as
queimadas e produz o que os pantaneiros chamam de “Dequada”.
Para o pescador profissional, Jorge Pedroso de
Almeida, conhecido como “Poconé” o processo da Dequada é uma das piores ameaças
a vida nos rios da região. “Nós que vivemos parte do ano isolados nos
acampamentos do rio Paraguai, temos muito medo de onça-pintada e de jacaré.
Mas, na verdade o que acaba com os peixes é a tal da Dequada. Quando o solo
queimado e desmatado é levado para dentro do rio pela enxurrada”, afirma o
pescador. “Eu queria trazer gente aqui para filmar, morrem tantos peixes que o
rio e as baías ficam alastrados de animais mortos e apodrecidos”, alerta o
pescador.
O fenômeno é conhecido por cientistas como um
processo natural do Pantanal. Dependendo da rapidez e intensidade das cheias, a
Dequada pode baixar drasticamente o nível de oxigênio do rio Paraguai, porém,
muitos peixes podem se adaptar e sobreviverem a esse ambiente inóspito.
O grande problema é quando esse fenômeno é
associado as queimadas provocadas pelo homem para abrir novas pastagens e
desmatar florestas nas margens dos rios. “O que percebemos é que as queimadas
intensificam esse processo de perda de oxigênio na água e também traz para a
água inúmeras substâncias tóxicas que aumentam a mortandade dos peixes”,
explica Claumir Muniz, pesquisador de ictiologia do Projeto Bichos do Pantanal
e da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat). “Nas baías que se formam
durante as cheias, e que servem de berçário para a maioria das espécies de
peixes do Pantanal, o processo é mais grave, pois os pequenos alevinos são mais
sensíveis a perda de oxigênio e ao envenenamento d’águas. Não é incorreto
afirmar que as queimadas ilegais e descontroladas são hoje uma das principais
ameaças ao equilíbrio do Pantanal”, conclui.
O uso de agrotóxico para limpar as pastagens e a
construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHS) nos afluentes do rio
Paraguai se somam ao problema da intensificação das queimadas, criando uma
verdadeira bomba contra o futuro do Pantanal.
A proximidade da região com a fronteira do Paraguai
e da Bolívia facilita o contrabando de agrotóxicos (muitos proibidos) no país,
que são vendidos de forma ilegal e desregulada. Os principais são os
herbicidas. “Além de envenenar os rios e os peixes, a pessoa acaba
comprando esse tipo de produto sem qualquer orientação de uso, o que traz um
risco também de envenenamento das pessoas”, afirma Isidoro Salomão, ou
padre Salomão como também é conhecido o coordenador da sociedade civil de
Cáceres e do comitê popular do rio Paraguai.
O crescimento das hidrelétricas é outro ponto de
atenção quando o tema são as ameaças que pairam sobre o Pantanal. No rio Jauru,
um dos principais afluentes do rio Paraguai já existem cinco PCHs. A grande
questão é que a maioria foi construída sem estudo de impacto ambiental, ou com
análises que não consideram toda a bacia hidrográfica. “Estamos para publicar
um documentário sobre o dia em que o rio secou, em setembro de 2008, quando
começaram a construir essas PCHs e quase todos os peixes do Jauru morreram. Até
hoje o rio não se recuperou”, afirma Salomão.
Foto: Douglas Trent/Projeto Bichos do Pantanal.
As ameaças ao Pantanal marcam inclusive a data de
comemoração desse ecossistema. O dia 12 de novembro foi decretado, por Marina
Silva, ministra do meio ambiente na época, como o Dia do Pantanal. A data
foi uma homenagem a morte de Francisco Anselmo de Barros (Francelmo), que se
matou em 2005 em um protesto contra a liberação das usinas de álcool no
Pantanal e outras ameaças a esse ecossistema.
No dia 14 de novembro, o Pantanal volta a ganhar
uma data de comemoração, dessa vez o Dia do rio Paraguai, que tem como foco uma
vitória da sociedade civil contra a construção da hidrovia Paraná-Paraguai. O projeto
foi intensamente debatido na década de 1990 e previa a retificação das curva
originais do rio Paraguai para transformar a região em um enorme canal de
transporte fluvial, tal qual o rio Mississipi nos EUA. Pesquisadores,
ambientalistas, acadêmicos e a população do Pantanal se uniram contra o
projeto, conseguindo evitar que o governo construísse a hidrovia. O marco da
luta contra o projeto foi uma audiência pública no dia 14 de novembro de 2001,
quando a sociedade civil organizada do Mato Grosso e do Mato Grosso do
Sul conseguiram pressionar que o governo desistisse do projeto que previa
intensas modificações do rio Paraguai na região do Pantanal de Cáceres.
As ameaças contra o Pantanal podem afetar muitas
outras regiões, inclusive o Sudeste que sofre hoje uma crise de abastecimento
de água. “A planície alagável de até 250 mil quilômetros quadrados tem um papel
fundamental na reprodução dos peixes e no abastecimento dos recursos hídricos
das regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste. Qualquer impacto sobre o Pantanal,
afeta de forma negativa, as outras regiões.”, afirma Claumir Muniz.
Para Douglas Trent, além do equilíbrio ambiental o
Pantanal é o último refúgio da vida selvagem e uma importante morada para
espécies como a onça-pintada. “No futuro, se vamos desejar que esse tipo de
animal exista e fique livre dos riscos de extinção que já pairam sobre as onças
na Mata Atlântica, vamos precisar preservar grandes áreas naturais intocadas
como o Pantanal”, diz Trent. “A região é um dos últimos refúgios para a vida
selvagem do mundo, cabe aos homens decidirem por preservá-lo”.
O Projeto Bichos do Pantanal atua no Alto Pantanal
desde 2013, com sede em Cáceres, no Mato Grosso. Sua proposta é trabalhar em
três frentes de ações em prol do desenvolvimento e da preservação do Pantanal:
pesquisa e conservação, desenvolvimento econômico regional e turismo de
natureza e com a educação ambiental.
Fonte: Bichos
do Pantanal
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