Jovens latino-americanos foco de
estigmas e desigualdade.
por
Marianela Jarroud, da IPS
Jovens chilenos durante uma de suas numerosas e
concorridas manifestações pedindo educação de qualidade, em Santiago, capital
do país. Foto: Marianela Jarroud/IPS.
Santiago, Chile, 28/1/2015 – Os jovens
latino-americanos gozam de maior acesso e cobertura em educação, mas seu futuro
fica obscuro pela queda de oportunidades enquanto são alvo da criminalidade em
uma região onde 167 milhões de pessoas são pobres e 71 milhões sofrem de
extrema pobreza.
“Vemos com preocupação, inclusive com alarme”, a
situação dos jovens latino-americanos, afirmou à IPS a secretária-executiva da
Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), Alicia Bárcena.
“Acreditamos que a juventude deve ser tema central das próximas reuniões
regionais, mas agora com uma visão distinta, não só com o olhar das drogas e da
violência”, acrescentou.
Dados da Cepal mostram que um em cada quatro dos
600 milhões de habitantes da América Latina tem entre 15 e 29 anos. Apesar
disso, o investimento em juventude é relativamente baixo, principalmente se
comparado ao investimento público e privado em educação pós-secundária com a
dos países emergentes do sudeste asiático, ou com países europeus.
O informe Panorama Social da América Latina 2014,
apresentado no dia 26, na capital chilena, revela notáveis avanços na cobertura
educacional dos jovens latino-americanos, mas reflete que eles continuam
sofrendo maiores taxas de desemprego e menor proteção social do que os adultos.
Além disso, estão entre as principais vítimas dos homicídios na região, onde
ficam sete dos 14 países mais violentos do mundo.
O documento mostra que foi estancada a redução da
pobreza, que continua afetando 28% da população regional, enquanto a indigência
cresceu de 11,3% para 12%, com base nos 15 países com informação atualizada,
embora, em contrapartida, tenha diminuído a desigualdade em quase todos eles.
Nesse contexto se encontra a situação da população
jovem, próxima dos 160 milhões, que, apesar de a região ter iniciado um
processo de envelhecimento, continuará sendo uma proporção muito significativa
nas próximas décadas. Para essa população é necessário combater as persistentes
brechas estruturais e as desigualdades no desenvolvimento de capacidades e no
mundo do trabalho, destaca o informe.
Bárcena explicou que não se trata apenas de maior
investimento social em educação, moradia ou saúde, mas de ir além, para
matérias não tangíveis mas iguais em importância, como a participação dos
jovens no desenho da política pública. “A transparência e a informação têm que
ir além do que está acontecendo hoje”, ressaltou.
Apesar de contar com maior acesso à educação, os
jovens da região continuam sendo um grande foco de iniquidades e desigualdade.
Por exemplo, os jovens entre 15 e 29 anos, pertencentes aos três quintos de
menor renda, apresentam taxas de desemprego entre 10% e 20%, enquanto naqueles
com as maiores rendas oscila entre 5% e 7%. Além disso, somente 27,5% dos
jovens dessa faixa etária têm acesso à previdência social, nível que chega a
67,7% no caso dos adultos entre 30 e 64 anos.
A secretária-executiva da Cepal, Alicia Bárcena
(centro), com outros funcionários do organismo durante a apresentação do
Panorama Social da América Latina 2014, no dia 26, em Santiago, no Chile. Foto:
Carlos Vera/Cepal.
“A ideia é avançar em políticas sociais que
contemplem o ciclo de vida completo e as diferentes prioridades que vão
ocorrendo ao longo da trajetória de vida”, pontuou à IPS a oficial de Assuntos
Sociais da Divisão de Desenvolvimento Social da Cepal, Daniela Trucco. E
acrescentou que o diagnóstico e a análise sobre as políticas públicas na região
devem ter um olhar territorial, porque a realidade é muito heterogênea.
Por exemplo, “os países do Cone Sul estão muito
mais avançados, com juventude efetivamente muito mais educada, com problemas de
desemprego, mas que se iguala ao desemprego entre adultos”, explicou Trucco. Em
contraste, afirmou, “nos países centro-americanos a juventude não está nem
mesmo terminando o secundário. A grande proporção de jovens e adolescentes está
fora do sistema educacional e é aí onde temos os problemas de violência e de
gangues muito mais fortes”.
Trucco afirmou que existem eixos fundamentais de
trabalho em matéria de juventude, como o eixo educação-emprego. Mas, embora este
seja o principal, não é o único. E explicou que “há uma proporção de jovens que
não estão incorporados a esse eixo, mas isso não significa que nada fazem, mas
que se dedicam, por exemplo, a empregos como cuidadores e trabalhodores
domésticos, que é um tema muito importante para as mulheres jovens e adultas”.
O informe da Cepal indica que 22% dos jovens
latino-americanos estão fora do eixo educação-emprego. Dessa proporção, mais de
50% correspondem a mulheres que se dedicam ao trabalho doméstico não remunerado.
Outro eixo fundamental, além do acesso à saúde, é a participação, que busca que
sejam os próprios jovens de cada país e localidade a ajudarem na melhor
formulação de políticas públicas para eles.
“É preciso pensar de maneira moderna, atualizada, o
tema de participação”, apontou Trucco. “Há muito interesse em participação
política, mas não na política tradicional vinculada aos partidos políticos. É
preciso considerar também o tema das redes sociais, a incorporação digital”,
acrescentou.
Trucco destacou o trabalho da Cepal para combater
dois estigmas sobre a juventude. O primeiro em relação àqueles jovens não
incorporados ao eixo educação-emprego, e o segundo associado à violência
juvenil. E, embora o maior índice de vítimas de homicídios esteja entre a
população dos 15 aos 44 anos, o estigma sobre a violência juvenil distorce as
opções de políticas públicas, indica o informe.
“Vemos que os jovens têm uma participação
importante (na violência), mas também os adultos jovens”, disse Trucco.
“Trata-se de jovens não incorporados em outros eixos de inclusão social, ou se
estão, não com expectativas de outro tipo e que se veem imbuídos em contextos
de violência ou de inclusão em outros grupos”, acrescentou.
De todo modo, a especialista pediu “uma mudança ao
olhar o contexto da violência e com isso se supera como sociedade e como se dão
alternativas de desenvolvimento e de oportunidades”. O olhar preconceituoso faz
esquecer que os jovens são particulares vítimas da criminalidade, como
evidencia o fato de, em média, 20% deles dizerem ter sido vítimas de fatos
criminosos, quatro pontos mais do que os adultos.
Os cenários não são homogêneos, mas aumenta o
número de vítimas jovens nos países onde há maior criminalidade, como ocorre
nos sete que estão entre os 14 mais violentos do mundo: Honduras, Venezuela,
Belize, El Salvador, Guatemala, Jamaica e Colômbia, nessa ordem. A lista de
países de maior violência conta, ainda, com o México, destacou Bárcena em sua
entrevista à IPS.
A secretária-executiva pediu “muita clareza” em
relação à violência e a outros comportamentos dos jovens. “Os jovens não são
necessariamente os mais violentos, é preciso tirar esse estigma. A juventude
não pode estar identificada com a violência, com desapego às instituições. A
juventude quer trabalhar, quer estudar, quer oportunidades, novas utopias e tem
novas propostas”, ressaltou Bárcena.
Fonte: ENVOLVERDE
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