Tempestades sobre a economia
brasileira.
por Mario
Osava, da IPS
O rio Pinheiros, que atravessa São Paulo,
totalmente contaminado, em sua passagem por um bairro de luxuosas residências e
escritórios. A poluição destruiu muitos mananciais da metrópole brasileira e contribui
agora para as penúrias em seu fornecimento de água. Foto: Rafael
Neddermeyer/Fotos Públicas.
Rio de Janeiro, Brasil, 2/2/2015 – Os escândalos de
corrupção costumam ter consequências mais políticas do que econômicas, mas o da
Petrobras parece ter um impacto inverso, sacudindo um Brasil já atormentado por
uma crise macroeconômica, hídrica e energética.
A recessão em 2015, que era uma possibilidade
devido ao ajuste fiscal, surge como inevitável, agora que a maior empresa
brasileira se vê obrigada a reduzir seus investimentos em cerca de 25% esse ano
e pode sofrer danos mais drásticos com as denúncias de corrupção envolvendo
seus projetos e as maiores construtoras do país.
“Isso gera enormes efeitos em cascata. Há empresas
fechando, outras revisando seus investimentos, fazendo tremer muitos setores”,
afirmou Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura,
acrescentando que é impossível quantificar as perdas na economia nacional. Com
exemplo citou que a construção civil e a indústria naval estão entre os setores
mais afetados diretamente, como provedores dos gigantescos projetos da
Petrobras. “Uma tragédia”, lamentou à IPS.
O escândalo, desatado no ano passado pela Operação
Lava Jato da Polícia Federal, ganhou proporções esmagadoras depois que o
ex-diretor de abastecimento da empresa, Paulo Roberto Costa, detido em março,
decidiu colaborar com as investigações em troca da redução de sua pena, a
chamada “delação premiada”.
Foram envolvidas 23 construtoras no pagamento de
subornos e participação na trama de corrupção, incluindo as mais importantes do
país, como Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, que operam em dezenas
de países, especialmente na América Latina e África. São as que constroem os
grandes projetos no Brasil, como hidrelétricas, estradas, ferrovias e metrôs.
Se o processo da Petrobras as desqualificar, atrasarão ainda mais as obras de
infraestrutura que são urgentes no país e muitas das quais estão há anos
atrasadas em relação aos prazos fixados.
Seria um golpe adicional à economia, também
ameaçada pela seca de dois anos no Sudeste e Centro-Oeste, as regiões de maior
produção industrial e agrícola do Brasil, e de três anos no Nordeste, a mais
pobre. O Brasil depende muito das chuvas, como sua população está comprovando. Além
de muitas cidades racionando a água e a região metropolitana de São Paulo à
beira do colapso hídrico, os brasileiros enfrentam a iminência de uma nova
crise de energia elétrica.
No Brasil, com 202 milhões de habitantes, a água e
a energia estão intimamente ligadas. A hidreletricidade representa mais de 80%
da capacidade instalada de sua geração elétrica. A escassez de água nos rios
encarece a eletricidade, ao ser necessário recorrer às centrais térmicas e seus
combustíveis fósseis. Além disso, o risco de apagões já está presente desde 19
de janeiro, quando mais de três milhões de residências ficaram sem luz por
algumas horas, porque o consumo superou a oferta.
Se as chuvas continuarem abaixo da média histórica,
poderá se repetir o racionamento que o Brasil sofreu por oito meses em 2001 e
2002. A principal vítima dessas adversidades energéticas, a indústria de
transformação, está em decadência há muito tempo. Entre janeiro e novembro de
2014, sua produção teve queda de 4,2%, em relação a igual período de 2013. A
recessão setorial tende a se agravar, somando os fatores negativos.
Mais dramática socialmente é a iminência de metade
dos 22 milhões de habitantes da área metropolitana de São Paulo ficar sem água,
diante do possível esgotamento de dois sistemas de fornecimento, cujas represas
estão com 10% e 5% de sua capacidade. As chuvas de verão, que habitualmente
ajudam a recuperar os mananciais, estão bem abaixo da média histórica e nada
indica que isso vai melhorar nos próximos meses. Mas as autoridades se negam a
decretar o racionamento, que especialistas em hidrologia consideram uma
necessidade imediata.
Outras das maiores metrópoles, Rio de Janeiro e
Belo Horizonte, e centenas de cidades do Sudeste e do Nordeste já sofrem uma
escassez semelhante ou estão perto disso. Um quarto dos brasileiros estão nessa
situação. O drama humano é mais contundente, mas também a atividade produtiva
registra perdas pelo déficit hídrico. Na indústria se intensificou a
reutilização de água, uma prática que avança no setor e que muitas famílias
estão adotando, diante das notícias alarmantes e da omissão do governo.
Tudo isso acontece quando o governo de Dilma
Rousseff promove um forte ajuste fiscal, para reequilibrar as contas públicas e
assim evitar uma crise financeira, baixar a inflação e recuperar a confiança do
mercado, a fim de reabrir o caminho para o futuro. A presidente negou a
necessidade do ajuste durante a campanha eleitoral, mas agora adotou uma
política de redução de gastos e aumento de impostos e taxas de juros. Para isso,
nomeou ministro da Fazenda o economista ortodoxo Joaquim Levy.
Formou-se o que alguns chamam de “tempestade
perfeita”, combinando eventos que entravam a atividade econômica e alimentam a
recessão. As centrais sindicais, imobilizadas desde a década passada, começaram
a convocar manifestações em defesa do emprego e dos direitos trabalhistas
ameaçados. O escândalo da Petrobras alcançará os políticos acusados de receber
suborno, provavelmente em março, já que suas causas devem ser tratadas pelo
Supremo Tribunal Federal, porque muitos são parlamentares ou ocupam cargos
executivos. Entre 30 e 50 envolvidos foram eleitos.
As cifras do caso são gigantescas. Uma avaliação
independente de duas consultorias internacionais identificou uma
supervalorização de US$ 34 bilhões em 31 negócios da empresa, o que elevou
indevidamente seus ativos em 17,4%. Mas não foi feito o ajuste na contabilidade
interna porque o dado não é concludente e se desconhece quanto se deve à
corrupção ou a erros de gestão. Além disso, a Petrobras não conseguiu a
aprovação por uma auditoria independente de suas contas do terceiro trimestre
de 2014, como exigem as normas internacionais.
Em consequência, pode sofrer questionamentos de
acionistas, ver rebaixada sua classificação pelas agências de risco e enfrentar
dificuldades financeiras por restrições creditícias e outras sanções. Ao
negociar suas ações no exterior, a companhia deve cumprir as mais rigorosas
regras norte-americanas.
A crise da Petrobras, cuja renda operacional
líquida foi de US$ 141,5 bilhões em 2013, equivalente a 6,4% do produto interno
bruto, também se deve a falhas gerenciais. Duas refinarias planejadas para o
Nordeste foram canceladas e os US$ 1,04 bilhão já investidos passaram a perdas,
ao se reconhecer que os projetos são inviáveis economicamente.
Outra unidade já parcialmente construída, no
nordestino Porto de Suape, subiu seu custo inicial de US$ 4,1 bilhões para US$
20,1 bilhões, por um alegado aumento de 30 mil barris diários de petróleo em
sua capacidade de refino, além de alterações cambiárias e de mercado.
“A corrupção na Petrobras vem de longe, e agora
temos a possibilidade de reduzi-la”, pontuou à IPS o vice-presidente da
Associação de Engenheiros da Petrobras, Fernando Siqueira. Três fatores geraram
a deterioração gerencial da empresa: “nomeação política de dirigentes,
diretores decidindo sem ouvir os técnicos e contratação de serviços por pacotes
que convertem os contratados em ‘donos do projeto’”, ressaltou.
Siqueira explicou que “a empresa contratada realiza
o projeto, escolhe os fornecedores e fixa preços, favorecendo a cartelização e
a corrupção, com sobrepreços sistemáticos”.
Fonte: ENVOLVERDE
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